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Música

Pare de reclamar dos serviços de streaming: hoje em dia é mole demais ouvir música

Hoje, com uns R$ 60 mensais você tem acesso ilimitado a um quase infinito acervo musical. 20 anos atrás, com essa grana, você compraria no máximo uns dois CDs e ainda teria que pedir carona pra voltar de busão.

Para alguns fãs de Beyoncé, a espera por Lemonade foi interminável. Passado um ano e meio desde seu último disco, a diferença de mais ou menos 24 horas entre a estreia do disco no Tidal e sua disponibilização no iTunes foi insuportável para quem não havia assinado a plataforma de streaming do Jay Z. Outra crise aconteceu com a chegada do Views, de Drake. Após sua estreia no Beats 1, o disco ficou disponível apenas no iTunes. Assim como com Lemonade, Twitter, Facebook e qualquer outra prede social, recebeu uma enxurrada de reclamações de consumidores, lamentando a ausência destes discos de sua conta gratuita por tempo indefinido no Spotify — ou seja lá qual o serviço de streaming de sua escolha que não ofereceu disco x ou y.

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Dá pra entender a chateação das pessoas. Elas assinaram o Spotify, se acostumaram com sua interface esquisitinha, ficaram obcecadas de levinho com as playlists de “Concentração” e finalmente se comprometeram emocionalmente com o serviço premium de forma a por fim naqueles anúncios horríveis — que sempre aparecem na pior hora, matando a vibe toda com algum maluco gritando sobre remédios pra gripe. Então a vida ficou boa. Mas só até Rihanna lançar no Tidal. E pudemos ver toda a dor nascer de novo. Agora seu celular tem dois aplicativos, um para ouvir música e outro para ouvir Rihanna. Daí alguém sai no Apple Music. Daí cancelam o Tidal e assinam a Apple Music. Então o Prince morre e a única forma de refletirmos sobre sua genialidade é por meio do Tidal. Enfim, quando isso acabará?

O lance é que não é nada complicado sentir como se fôssemos crianças mimadinhas no Natal, gritando e fazendo manha porque aquela montanha de presentes chegou numa embalagem meio feia. Uma assinatura mensal do Apple Music, Spotify ou Tidal custa menos que uma pizza média e dá acesso ilimitado a um sem-fim de música. O Spotify dá descontos de 50% para estudantes, ao passo em que audiófilos detalhistas podem pagar um preço modesto no Tidal, garantindo assim streaming de maior qualidade para seus ouvidos de ponta. Em teoria, nunca houve época melhor para ser fã de música, independentemente de gênero musical.

Deixando de lado as variações de preços, a simplicidade pura e simples do modelo cobrança pelo streaming deveria ser o suficiente para impedir reclamações. Por um valor não tão absurdo, podemos assinar os três dos líderes do mercado de streaming — Apple Music, Spotify e Tidal [17 + 14,90 + 28,90 = R$ 60,80] — sem desculpa para perder quaisquer exclusividades como Lemonade, Views ou Anti, contando ainda com vastos catálogos, listas feitas por curadores e conteúdo adicional. Pagando um valor que não se equivale ao preço de três CDs novinhos há uma década, nem mesmo hoje. Vivemos em uma era de ouro para consumo de música, em que o acesso e a disponibilidade de música custa menos que uma noite de bebedeira. Logo, por que todo mundo reclama?

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Gastar uma quantia relativamente pequena para acessar praticamente tudo que se gostaria de ouvir não deveria parecer injusto, especialmente numa época em que tantos pagam serviços como o Netflix. Mas com música o buraco é mais em baixo. Da chegada do Napster em 99 e dali por diante, as pessoas simplesmente tinham a opção de não pagar nada pela música. Ao longo dos 17 anos que se seguiram, você, na maior parte do tempo, escolheu a pirataria — por meio do Limewire, Mediafire, Pirate Bay ou simplesmente escarafunchando o Google mesmo. Por um tempo, grandes gravadoras, artistas e grupos na indústria resistiram à mudança, tentando de ações judiciais a até mesmo avisos de utilidade pública sem qualquer resultado na tentativa de preservar ou, ao menos, tentar salvar algo de um modelo de negócios já antiquado.

A pirataria tem sido boa para os fãs, lhes dando a chance de ouvir todo o catálogo antigo de um artista, um disco novo ou uma série de lados-b em questão de minutos, por vezes antes de seu lançamento. Mas certamente foram os próprios artistas que sofreram mais com esta decisão. Serviços como o Spotify e Apple Music parecem estar coagindo fãs de música a pagarem por ela novamente, só que levando em conta o estado terrível da compensação recebida pelos artistas, faz bastante sentido que grandes artistas e suas gravadoras usariam de influência de forma a maximizar os benefícios destes serviços rivais. E por que fariam diferente? Perdemos o direito de opinar na maneira a qual esta música lançada quando escolhemos, coletivamente, não pagar por ela. É por meio desta ilusão que nos sentimos no direito de ter acesso a um enorme catálogo pagando quase nada.

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Desde que estes serviços de streaming foram lançados, “lançamentos-surpresa” deixaram de ser atos de provocação à indústria e viraram lugar-comum para a maior parte dos grandes nomes do setor. Depois de um começo meio complicado, o Tidal segue como competidor da exclusividade diante deste novo paradigma de lançamentos, fazendo acordos seguidos de acordos para ser sempre o primeiro lugar para se ouvir um disco em especial ou mesmo assistir a um novo clipe. Discos como Free Weezy do Lil Wayne e a colaboração de Big Sean com Jhene Aiko Twenty88 são apenas alguns exemplos de conteúdos exclusivos do Tidal, sem contar os grandes lançamentos deste ano vindos de Kanye West, Rihanna e Beyoncé (até aqui).

Estes períodos de exclusividade de alguma forma deram a artistas específicos uma nova fonte de renda, mas também ajudou aos músicos a lutarem contra a pirataria de outra forma: essas plataformas de música provam ser um mecanismo eficaz para evitar vazamentos. Os maiores lançamentos do ano – inquestionavelmente Lemonade, The Life of Pablo, Anti e Views resistiram aos vazamentos que afetaram outros arrasa-quarteirões. No passado, estes discos caíram em sites de torrentes com semanas ou meses de antecedência, tornando obsoletas grandes campanhas de marketing e afins. Até certo ponto, a exclusividade no streaming deu jeito neste problema, ao menos para artistas de grande porte. Dito isso, estes exclusivos também tiveram o efeito imprevisto de rejuvenescer uma cultura pirata que parecia estar se retraindo. De acordo com a Forbes, apesar de ter evitado vazamentos, The Life of Pablo de Kanye West foi pirateado mais de 500 mil vezes assim que foi lançado. E dentro de 24 horas, Lemonade de Beyoncé foi pro topo dos downloads do Pirate Bay e Kickass Torrents. Downloads, suspeita-se, daqueles que achavam que não valia o esforço de experimentar qualquer serviço gratuitamente ou gastar um troquinho todo mês.

Para os fãs de música, nada parece ser o bastante. Queremos que os artistas sejam pagos de forma justa, mas pirateamos seus discos. Metemos o pau nos serviços de streaming por não pagarem os músicos direito, mas ainda assim nos recusamos a pagar mais por um bufê infinito de música nova. É aquela barganha faustiana pós-millennial em que acabamos sacrificando nosso poder de compra enquanto consumidores, trazendo junto um novo poder para o pessoal da indústria. De diversas maneiras, todos provavelmente precisamos reconhecer nosso papel na criação e sustentação da exclusividade destes discos. Nossas ações geraram os tipos de acordos multimilionários que Drake tem com a Apple, garantindo que o primeiro lugar em que poderemos ouvir Views seja via Beats 1, a Apple Music sendo o primeiro lugar a receber o streaming, e o iTunes sendo o primeiro lugar onde você poderá compra-lo.

Suas próximas reclamações sobre o próximo exclusivo do Tidal serão ignoradas, como deveriam. A solução para todo o drama de Lemonade não estar no Spotify custa bem pouco. Você vive em uma época extraordinária para ser fã de música. Então gasta essa grana e aproveita.

Tradução: Thiago “Índio” Silva

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