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Música

O Séculos Apaixonados está mais roqueiro (e triste) no seu segundo disco, 'O Ministério da Colocação'

Sem perder o jeitão brega anos 80, a banda carioca faz álbum mais rápido e com mixagem mais limpa que o seu antecessor, 'Roupa Linda, Figura Fantasmagórica'.

Foto por: Clara Consentino.

Ao ouvir pela primeira vez O Ministério da Colocação, novo disco do Séculos Apaixonados​, se pá você vai ficar com a sensação de que ele é "a mesma coisa" que o primeiro, Roupa Linda, Figura Fantasmagórica. Isso porque o jeitão Alpha FM, anos 80 e soul de karokê do primeiro se manteve no seu sucessor. Mas é só dar aquela segunda escutada pra perceber: o Séculos tá bem mais roqueiro e um pouco menos apaixonado no seu segundo álbum, que sai com exclusividade nesta sexta-feira (26) aqui no Noisey.

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Eu troquei uma ideia com o Gabriel Guerra aka Guerrinha (Crusader de Deus​/Repetentes 2008 e ex-Dorgas), o vocalista da banda, pra tentar entender de onde surgiu essa parte mais "dark" (bem entre aspas, porque não é como se fosse um disco de emo/rock triste da galera de Minas Gerais) do Séculos e ele me disse: "Resolvemos tocar algo que fosse urgente e não tivemos medo de ser diretos e soar nervosos. Tem músicas 'grudentas', como 'Dedo em Riste', mas a última coisa que queríamos era fazer alguma espécie de som que você pudesse escutar em uma Forever 21 (sem julgamentos). Acho tudo isso tem a ver bem com um próprio estágio da banda agora, mentalmente falando."

Esse estágio mental a que o Guerrinha se refere é: agora é o segundo álbum deles, não o primeiro, o que significa que eles não são mais novidade. "Nesse meio tempo, a gente simplesmente se tornou melhores compositores e arranjadores, com certeza, mas também já sabemos como a cena (não) funciona. É um trade-off terrível", disse. "O disco lida com essa 'maturidade', um pouco com o fato de que algumas coisas não vão dar certo e que isso faz parte da vida adulta."

Além dos vocais e da guitarra, o Guerrinha também gravou, mixou e produziu o disco, junto com o tecladista Lucas de Paiva, que canta a faixa "Ele Também Foi pra São Paulo". Nos teclados e nos backing-vocals, está também o Arthur Braganti. Já o baixo ficou com por conta do Felipe Vellozzo (Mahmundi e Bilhão) e a bateria, do Lucas Freire. O Ministério da Colocação está saindo pela Balaclava Records. Ouça e leia a entrevista inteira com o Guerrinha abaixo (mas antes, ouça "The Pump", do Jeff Beck, que o Séculos está tocando nos shows e que, segundo o Gabriel, foi uma grande influência pro disco):

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NOISEY: "O Ministério da Colocação". Me explica primeiro esse nome do disco.
Gabriel Guerra: Foi uma piada de um querido amigo durante o final das eleições de 2014, quando estava rolando meio que uma "guerra" pra saber quem seria ministro de qual cargo, etc. Nada demais. Foi só nos últimos meses de gravaçção que a gente decidiu que era um nome que conseguia ser forte e estúpido ao mesmo tempo.

Mas por que você acha estúpido?
Talvez nós estejamos fazendo apropriação cultural trans, sei lá. É só um ótimo nome.

(Se você não sabe, "colocação" é uma gíria gay usada para "se drogar" que "anda lado a lado com 'pajubá'", segundo o Guerrinha).

Você tinha me dito que achava que o segundo disco seria muito melhor que o Roupa Linda, Figura Fantasmagórica. Eu não sei, gosto muito do primeiro. (Mas também ouvi consideravelmente pouco ainda o segundo).
É sempre melhor, né. Mas o Ministério da Colocação está muito melhor mesmo. O primeiro é mal mixado, mas era tudo meio novidade pra gente, grava daquela forma e tals. Agora, somos músicos e compositores melhores, tecnicamente falando. Nos comprometemos a fazer uma mixagem mais limpa, mas que ao mesmo tempo deixasse o disco mais pesado e mais rápido. E também sem baladas. No Roupa também, as músicas aconteciam meio que em blocos. Era um mar de coisas empilhadas em cima das outras…

Mas você acha que esse segue uma linha mais bem desenhada, é isso?
Sim. O disco é definitivamente mais rock. Não tivemos medo de ser diretos e soar nervosos. Eu acho que casa muito até com um próprio estágio pelo qual a banda está passando agora, mentalmente falando.

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Sim, achei ele bem mais pesado. O Roupa Linda é bem mais lento. Mas como assim? Que fase vocês tão passando?
Nós sempre fomos muito pessimistas, especialmente eu. E sempre pareceu, e acho que ainda parece, que o Séculos é uma espécie de desconvidados da música independente. Sempre foi uma coisa tipo "ah, olha eles….". E isso por muito fatores, acredito eu. Tipo, o nosso interesse e a nossa musica é diferente do que o "default" da música independente brasileira. Sempre gostamos muito dos anos 80 e não só da produção, mas da disciplina e mentalidade de algums compositores da época, como o Claudio Rabello aqui no Brasil e o David Gamson lá fora. Mas acho que esse tipo de disciplina é basicamente inexistente no gosto de grande parte das pessoas da cena.

Pra você ter uma ideia, "Eterno Verão", da Mahmundi, era pra ter sido uma música do Séculos, só que o Lucas (Paiva) cedeu pra ela. Esse som nunca ia ter feito sucesso na nossa mão, simplesmente porque acho que estamos muito longe de causar identificação no ouvinte. É meio por isso: a gente é ranzinza por natureza. Por exemplo, outro dia tentaram comparar a gente com o Não ao Futebol Moderno. Eu fui ouvir e são coisas completamente distintas. O que eu quero dizer é que grande parte das pessoas não tem o apelo pelo tipo de música que a gente faz.

Isso do NAFM, você acha que não foi por causa do estilo da produção que eles usaram no Vida Que Segue? Vi muita gente comparando.
Não tem nada a ver, pra mim. Não entendi bem a comparação. Só porque, sei lá… eles usaram guitarra com pedal de chorus no novo disco deles?

Mas eu sinto também que vocês não se encaixam direito em nenhum "rolê" da cena. Tipo, nem no rock triste de Minas Gerais, nem na neo-psicodelia de Goiânia nem totalmente no dream-pop do Rio…
Esse rolê de banda é incrivelmente bizarro. O disco lida um pouco com o fato de que você vai ser esquecido e que isso faz parte da vida adulta. Eu comecei aos 17, com o Dorgas. E, cada ano que foi passando, fui ficando menos otimista. Cheguei aos 23 e posso me dizer um verdadeiro músico frustrado. Acho que isso está no disco de alguma forma. O pior é que sinto cada dia que estou melhorando como músico. É um trade off terrível. Vai ver, esse é um verdadeiro álbum de rock triste.

Mas acho justo falar que havia esse anseio da banda em achar que ia ser esquecida. Porque esse é um sentimento real do disco e meio que engloba o álbum inteiro. E isso de "ser esquecido" que estamos falando não é de um jeito coercitivo, como se eu tivesse apontando dedos, porque não queremos parecer ingratos, muito pelo contrário. É só que, com o passar do tempo, o "boom" do primeiro disco vai passando e o que a gente faz depois disso vai perdendo o engajamento com o público, por n motivos. E isso acontece com várias bandas, não só com o Séculos. Mas, como já disse, é isso que tá no disco.

Por último, me fala sobre essa águia que vocês escolheram pra capa.
Hmmmm, a capa é uma imagem do domínio público americano. Escolhi essa porque ela era forte e agressiva o suficiente. Pra quando as pessoas ouvissem o tamanho de desesperança do disco, ela pudesse ressignificar a águia. Quero dizer, a águia é o predador mais solitário do mundo. Quem acha que ela é um animal feliz (no sentido de se socializar, conviver em bando) está bizarramente equivocado.

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