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Música

Sany Pitbull Resgata o Festival de Galera na Mixtape "Caixa de Pandora vol. 2"

A segunda mix do DJ documenta os tempos de equipes e gincanas nas festas, embates entre turmas de bairros, o clássico Lado A vs. Lado B.

Em dezembro do ano passado, o DJ e produtor carioca Sany Pitbull tirou 15 dias de férias. Durante o sabático, em plenas festividades de fim de ano, surge seu irmão para surpreendê-lo com uma relíquia, algo sem dúvida muito mais valioso do que qualquer presente comum de Natal: uma caixa com mais de 500 disquetes de MiniDisc. Arrumando seu depósito, Sany resgatou o antigo aparelho leitor de MD para ver o que saía dali, e os sons que se revelaram compunham um inestimável tesouro para aqueles que apreciam boas doses de batidão: uma década de faixas raras, muitas inéditas, trazendo registros de shows em quadras e favelas, gritos de galeras, vinhetas de rádio e edits que só os feras que viveram a cena dos bailes funk no Rio dos anos 1990 estão ligados.

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Era uma cultura um bocado diferente do que a geração atual está acostumada a ver e ouvir. Naquele tempo, o povo bagunçava no asfalto, e não morro acima - isso foi depois, a partir do momento em que a mídia cabeça-dura criminalizou o funk e as autoridades resolveram foder com tudo. Enfim, um capítulo importante da evolução do ritmo no Brasil e que hibernou entre os ritmos e discursos do proibidão e do ostentação. Eram tempos de equipes e gincanas nas festas, embates entre turmas de bairros e rolês distintos (alguém aí lembra daquela vibe de "Lado A vs. Lado B"?), animadores de baile – que depois viraram MCs – e mais um monte de coisa interessante que acabou miando.

Mês passado, o Sany fez uma experiência e soltou um primeiro mix dessas tracks nas mídias sociais sob o nome de Caixa de Pandora. Resultado: gente emocionada, nostalgia, recorde de plays no Soundcloud. Nasceu aí um projeto que ele decidiu levar a cabo com seriedade e dedicação. Num total de 12 volumes, um por mês, a série digital Caixa de Pandora vai disponibilizar pra galera ouvir e se inspirar o supra-sumo daquele período. Nesta segunda mixtape, que o Noisey lança nesta segunda (10) com exclusividade, o recorte chega com propósito de matar a saudade da época dos Festivais de Galera.

É história, meus caros. E para darmos estofo à esse importante resgate histórico que o Sany está fazendo, aproveitamos para trocar uma boa ideia com ele e o resumo do papo você lê abaixo, enquanto ouve Caixa de Pandora vol. 2. No Soundcloud do Sany você também pode baixar a mix, então mete ficha.

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Noisey: Como funcionava esse sistema de MD? As faixas eram distribuídas em MD? Como você mantinha um controle do que você tinha em cada disco?
Sany Pitbull: O MD marcou aquele interlúdio entre o ostracismo do K7 e o começo da popularização da cultura do CD. Era comum até então a gente que atuava como DJ fazer as emendas dos mixes tudo em rolo, na unha mesmo. O MD proporcionava gravações com mais qualidade. Sem contar que era possível compilar versões exclusivas que só tocavam nos bailes para compor mixes diferenciados daqueles feitos com as gravações originais. Então, como não tinha essa coisa de internet pra compartilhar vinhetas e arquivos, a cultura do MD proporcionou também uma união dos DJs e produtores de funk. Porque acabamos criando o hábito de passar os dias da semana frequentando um a casa do outro para trocar as músicas que cada um tinha conseguido. Tudo começou entre 1993/94. Quando alguém descolava uma montagem bacana ou alguma versão que tocava na rádio, era comum todo mundo se encontrar pra compartilhar. Eu tinha uma preocupação que poucos tinham naquele tempo, que era de não gravar por cima do mesmo MD. Não que eu já naquele tempo estivesse preocupado com o registro histórico da parada. Mas porque isso prejudicava a qualidade do arquivo. Então eu preferia gravar sempre no MD virgem. Em 2002, migrei para o CD e os MDs foram aposentados. Quando meu irmão apareceu no Natal do ano passado com a caixa de MDs que encontrou, foi como abrir o baú de um tesouro perdido.

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Você disse que tem muita coisa rara. Como essas faixas eram gravadas? Tudo ao vivo nos bailes?
A maioria dessas faixas ilustra essas versões exclusivas que a gente gravava nos bailes. Plugava o equipamento na mesa e gravava. Vivíamos a época dos festivais de galera, que atraíam até cinco mil pessoas em cada evento. E quando o pessoal colava nos bailes, eles queriam ouvir as montagens, não as originais. Eles queriam ouvir os mixes acompanhados dos gritos de baile, os gritos de cada galera. Esse é o grande valor dessa série que estou fazendo, porque remonta a essa cultura de galera do funk, que foi algo que se perdeu quando esse tipo de baile foi extinto, ali entre 1999/2000. Muita gente não atenta para isso, mas os bailes começaram fora da favela. As equipes foram obrigadas a subir pros morros porque as autoridades começaram a boicotar e a coibir as festas que rolavam no asfalto, nas quadras de escola de samba e nos clubes. Existe um capítulo da história do funk perdido entre o Miami Bass e o Funk Proibidão. Referências que a Caixa de Pandora está descortinando.

As montagens que saíram na primeira Caixa de Pandora eram todas suas? Ninguém identificava muito os autores das montagens da época, não?
Algumas eram minhas, outras eram tracks que a gente coletava e compartilhávamos uns com os outros. Não tinha muito essa preocupação autoral, o que tinha era quem agitava mais a galera durante os bailes. Naquela época tinha esse lance das gincanas, gincana com bola, gritos de guerra, concursos como o da Rainha do Baile. Os animadores das galeras tinham um papel muito importante. Tanto que muitos deles viraram MCs depois. Então os DJs mais atentos se ligavam nisso, tentavam compor montagens com gritos de baile, com frases como aqueles bordões que depois viraram gritos de torcidas, como "Ah, Eu Tô Maluco". Tudo isso veio do funk. Era música de auto-afirmação, de levantar a auto-estima da molecada que buscava no funk uma representação. Vinheta de rádio, vinheta das equipes, tudo isso rendia. Muitas vezes o que eu fazia pra ganhar a pista era juntar um pessoal enquanto uma determinada equipe dava som, e pedir pra eles fazerem o grito da galera deles pra eu gravar. Aí quando eu subia pra discotecar, soltava o grito no meio do mix, e isso dava o maior feedback.

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Uma das coisas mais interessantes dessa mixtape é que dá pra sacar que o funk nos anos 1990 ia bem além do Volt Mix, ao contrário do que muita gente acha(va). Onde você caçava seus samples e bases na época?
Usávamos muito aquelas bases instrumentais que vinham em alguns discos. A galera das antigas era mais sagaz nesse sentido, a gente emendava composições de batidas com esses instrumentais, mixava tudo cortando e colando a fita de rolo mesmo, na unha. Assim nasciam também muitos remixes. Primeiro gravava toda a batida, depois a base, depois o vocal. Cada camada de som, que atualmente você divide em canais na mesa de som ou em algum software, tinha que ser adicionada ao rolo de cabo a rabo e em tempo real. É até curioso, porque com a Caixa de Pandora estou tendo que fazer isso também. Não dá pra pular, tenho que gravar tudo do começo ao fim. Isso consome horas de trabalho e dedicação.

Uma coisa que chamou atenção na primeira mixtape é a montagem com uma “orelhada” do Mano Brown. Durante a primeira metade dos anos 1990 o rap nacional e o funk carioca não andavam tão longe um do outro. Quando foi que essa separação começou a ficar mais evidente?
Na verdade o rap paulista não tinha muito apelo no Rio. A realidade do funk era mais festa e positividade enquanto grupos como Os Racionais traziam uma mensagem muito cinzenta, urbana, sisuda, quando comparada à cultura do funk. Com o tempo foram surgindo funks de conscientização e de protesto. O próprio Mr. Catra começou nessa militância. Ele era militante estudantil ali com 18, 20 anos. Mas o rap sempre teve seu espaço pelo próprio parentesco egresso do Miami Bass, tanto que tinha a etapa do rap nos bailes. Os DJs gostavam de usar elementos extraídos d'O Racionais porque as a capellas deles sempre rendiam boas passagens, davam aquele impacto, e tiravam a molecada da zona de conforto, chamava a atenção pra uma tomada de consciência. Não era nem no intuito de aproximar o rap do funk que fazíamos isso, mas de fazer uma combinação estética mesmo, explorar musicalmente tudo o que poderia ser explorado sobre a batida do funk. Os Racionais foram estourar no Rio com "Diário de um Detento", os shows deles eram entupidos.

Já dá pra adiantar que tipo de raridades podemos esperar para as próximas mixtapes da Caixa de Pandora?
Eu pretendo seguir com duas mixtapes abordando essa fase do funk de galera, as gincanas, o papel dos animadores de baile. Tenho cerca de 800 músicas para segmentar cronologicamente e ir soltando. Vou mostrar toda essa fase de quando a galera da zona sul não ia nos bailes, coisa que só começou a acontecer a partir da novela América, que revelou o funk para as massas com sua trilha sonora. Depois de abordar as equipes, como a Explosão, quero focar também nas vinhetas e passar para alguns artistas que fizeram diferença, tipo a Tati Quebra Barraco… Tenho coisa dela com 16 anos, Mr.Catra com 18 anos. Tenho material para soltar mixes mensalmente até dezembro. Vou pincelar toda a evolução do funk até o período pré-Proibidão, que é justamente a memória que se perdeu. Mas isso não é uma coisa que faço com sentimento de nostalgia, não. É algo que faço com intuito documental mesmo, não quero lançar tendências de que as pessoas comecem a fazer som como no passado, mas acho importante todo mundo saber de onde veio. Inclusive, tenho um projeto em andamento com o Circo Voador, de criar o museu musical do funk.

Vai dizer que você nunca quis saber qual é realmente a diferença entre o charme e o funk?

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