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Música

Roubadas na Estrada: Daniel Belleza, Baratas na Cama e Uma Década de Calotes

Você, roqueiro, sonha em cair na estrada e o hotel que reservam para você... bem, é um manicômio desativado.

Mosh em local desconhecido. Todas as fotos são do Fotolog, isso mesmo, do Fotolog da banda, e a maioria delas foi retirada de uma Cyber-shot P52.

Daniel Belleza, aquele maluco careca com duas chaves tatuadas na nuca e um coração em chamas estampado no peito, completa 20 anos de carreira. Já esteve à frente do I Don't Like Marilyn Monroe, do Marshmellow Pies, do Daniel Belleza e Os Rasta Puppets e do clássico Daniel Belleza & Os Corações Em Fúria, que está em coma depois do lançamento do álbum Baile Desgraça, de 2013. Aos 41 anos, o músico está em fase de produção do seu segundo disco solo, o Altos Papos Com Si Self.

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Troquei uma ideia com Belleza no apê dele em Perdizes. Com dois gatos gordos e uma cabeça de boi na porta, o lar esconde uma Palmirinha disfarçada de roqueiro. Ele é desses que faz a feira, o almoço, lava, passa e cozinha. A goles de uma cachaça mineira ele falou sobre duas décadas de perrengues na estrada, nos festivais, nos palcos e até num haras com tigres e mini-pôneis no Rio Grande do Norte. A conversa durou um tempão e aqui vai um bom trecho:

Noisey: Você já me disse que começou a tocar violão quando viu o show do Kiss, em 1983. Como foi isso?
Daniel Belleza: Eu, meu irmão e minha irmã vimos o Kiss e a gente gostou, fazíamos show pros parentes.

E quem era você no Kiss da família?
Sei lá, eu devia ser o Peter Criss. Eu só me fodia, porque eu era o mais novo.

Paul Stanley e Gene Simmons tavam fora de cogitação.
Porra, a gente ia brincar de CHiPs, sabe a dupla de motoqueiro? Aí meu irmão era o Poncherello, minha irmã o Jon Baker e eu era os bandidos pra eles prenderem. Eu só me fodia. Aí no Kiss eu eu devia ser o Eric Carr, nem o Peter Criss.

Mamilos são sempre polêmicos.

Você é famoso, cara?
Não. Por isso que eu queria ir pro A Fazenda. Você não tem uns contatos lá?

Porra, não.
Eu sou uma subcelebridade. Aí sim eu vou virar uma subcelebridade famosa.

O que falta pra você ir pro programa?
Não sei, mas acho que um monte de gente já falou com o diretor lá. Ele tá vacilando de não me levar.

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Você já me disse que é uma mistura de Alice Cooper com Palmirinha. Você está mais Cooper ou mais Palmira?
Mais Palmirinha.

Qual foi a última receita do Belleza?
Eu trabalho muito com o que tem na geladeira. Eu ando com mais preguiça mesmo. Mas a Marcela vai trabalhar cedo, então eu faço o almoço pra ela levar pro trampo. Eu passo a tarde cozinhando o rango pra ela levar, mas faz tempo que eu não faço uns rangos pros amigos. Depois que eu comprei uma churrasqueira elétrica, virei o cara mais preguiçoso do mundo.

Como é um dia normal na sua vida?
Eu tô ficando velho. Acordo cedo sem precisar, tô total tiozinho. Eu acordo cedo, venho aqui (na frente do computador) e fico sem fazer nada, tomo um balde de café, aí começo a fazer música, gravar uns negócios aí.

Daniel Belleza e Johnny Monster no Festival Pulgueiro, em São Paulo, 2004.

Essa série de entrevistas se chama Roubadas na Estrada, tá ligado? De cara, lembra de algum perrengue que você passou tocando?
Teve uma vez que a gente foi tocar no interior de São Paulo, é melhor nem falar onde foi, porque o contratante era amigo nosso. A gente chegou lá e encontramos o cara numa praça na frente de um hotel. Era um hotel massa e a gente já achou que ia ficar lá. Mas ele mandou "Não, não aqui é só ponto de encontro. Agora vou levar vocês pro hotel". A gente entrou e o hotel tinha um monte de grades em todas as janelas, porque era um manicômio desativado. E era uma das poucas vezes que a Marcela foi comigo nessa. - Foi você que foi comigo nessa, Marcela?

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Nem lembro se era a Marcela que eu namorava ou se era outra. Eu lembro que o Johnny também foi com a namorada dele. A gente nunca viaja com as namoradas. Quando a gente entrou no quarto, a primeira cama que mexemos começou a sair barata. Fomos para o quarto dos outros caras e também tinha. A gente desceu e falou pro cara da recepção e ele disse. "Ainda bem que não tem mais rato". O Jeff e não sei mais quem que era o baixista ainda ficaram lá. Eu e o Johnny fomos para outro hotel.

E as tretas de passagem de som?
Teve uma vez que marcaram pra gente a passagem de som às 7h da manhã. Chegamos no horário e não tava nem o porteiro no lugar. Era num galpão perto da 25 (de Março), no Centro. Esperamos até 9h. A gente passou o som de um palco, aproveitou e passou do outro palco também. As pessoas foram chegando e fomos ficando pra mais tarde, mais tarde, mais tarde e fomos tocar quando já não tinha mais ninguém. A gente se fodeu, isso porque o contratante era amigo nosso.

Rangel e Belleza no Festival Ruído, no Rio de Janeiro, 2005.

E quando não é amigo?
Teve uma vez com um festival que era a gente, o Vanguart e um monte de gente. A gente chegou lá e o cara esperava que fosse um monte de gente, mas choveu no dia. Todo mundo tocou e na hora de ir embora, o cara disse "Não vou conseguir pagar vocês agora, porque tive prejuízo de bilheteria", e não pagou nenhuma banda. Até a van que a gente ia voltar ele também não pagou. O cara da van virou e falou. ‘Eu não vou levar ninguém embora, velho. O cara não me paga eu vou voltar com a van sozinho e vocês vão ficar tudo aí". Aí umas bandas começaram a ligar pra contratar outra van e, no final, as bandas juntaram uma grana pra pagar a volta. A gente levou mais de ano pra receber o dinheiro.

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E onde foi essa fita?
Era em Maringá, será? Foi no Paraná, mas eu não lembro direito onde foi.

Você só tocou em festival ruim, é isso?
Em alguns sim. Uma vez a gente foi tocar em…. Uberlândia. A gente chegou pra tocar, o Tom Zé chegou atrasado e a banda dele parou o palco no meio do festival passando o som durante três horas. A gente ia tocar umas 22h. Depois da passagem teve o show dele na sequência, comprido pra caralho, porque ele não parava de falar. Depois voltaram as outras bandas e nós entramos dez pras quatro da manhã. O contrato do aluguel do som era só até as 4h. A gente tava na segunda música e os caras desligaram a chave geral, desligaram a luz. Cara, a gente nunca xingou tanto o Tom Zé.

Alguma vez vocês tocaram no horário?
É raro.

Vocês só se fodem.
Mas essa foi foda. O contratante não ia brigar com o Tom Zé. Os caras ficaram três horas passando o som. Sem falar que tinha um corredor com o camarim de todas as bandas, ele fez tirar todo mundo. Ficou só ele naquele corredor com camarim e todas as bandas tiveram que ir pra cozinha do lugar, que era tipo um refeitório. Ele desalojou todo mundo. Nesse dia falaram que ele chegou no aeroporto e disse que só ia sair do desembarque na hora que tivesse segurança e a van na porta.

Daniel Belleza e Suzana Alves, a Tiazinha, 2005.

E há quanto tempo você tá rodando pela estrada?
Profissionalmente, até onde dá pra chamar o nosso trabalho de profissional, desde 1995.

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Caraio, 20 anos de carreira.
Eu tinha uma banda chamada I Don't Like Marilyn Monroe, tinha o Marshmellow Pies, que é anterior, mas não fazia shows. Só gravava. Aí o Daniel Belleza e Os Rasta Puppets foi a primeira que eu comecei a fazer show pra caralho.

Aí rolou o Daniel Belleza & Os Corações Em Fúria?
Isso. Com os Corações Em Fúria os caras queriam só nome de banda. Aí eu falei "Não, pô. Eu já tô aí, anos tocando com Daniel Belleza. Tem que ser Daniel Belleza e alguma coisa". Foi uma briga pra eles concordarem e hoje eu me arrependo pra caralho, porque eu vou fazer o meu trampo solo nego mistura tudo. Aí vai e anuncia Daniel Belleza & Os Corações Em Fúria quando é o meu show. Quando é Corações Em Fúria, anuncia só Daniel Belleza.

E como vai chamar seu próximo disco?
Vai ser Altos Papos Com Si Self.

E nesses 20 anos em que lugares você já tocou? Ou melhor, onde não tocou?
Eu nunca toquei no Acre.

Tocou no Amazonas?
Também não, mas quando eu abro a página de destinos da TAM, eu vejo que toquei em muitos lugares.

Carecabeludo no Calango, em Cuiabá, 2006

Como era viajar com um monte de marmanjos?
Sempre que você viaja você fica puto com alguma coisa, mas aí depois você não lembra mais. Aguentar os caras da banda é pior do que as outras roubadas. Porque qualquer merdinha que acontece um já fica puto. O pior mesmo é a convivência da banda do que as roubadas.

Você pegou bem aquela fase do início dos anos 2000 na MTV, né?
A MTV ajudava muito a gente. Ela tinha esse público de molecada que acabava se informando pela MTV. Os caras que te param na rua pra pedir autógrafo, querem comprar seu CD. Tanto é que era legal quando a gente fazia show na rua, porque em clube a molecada não podia entrar.

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Essa foi a melhor fase da sua carreira?
Sem dúvida, tinha mais shows e muito público em São Paulo., Em dois anos, a gente fez todos os festivais independentes.

Vocês fizeram uma turnê com a MTV com uma pá de banda, né?
Fizemos uma turnê no Nordeste com seis bandas. Era a gente, o Vanguart, Rock Rocket, Faichecleres, Zefirina Bomba e Ecos Falsos tudo num ônibus. Aí teve um show em Natal depois de viajar pra caralho a gente foi comer num haras com mini zoológico, tigres, mini-pôneis. O almoço era uma comida foderosa. Agora sim. À noite, na hora do show, eu e o Noel, do Rock Rocket, tivemos uma diarreia, ficamos com febre, verdes, tudo. A gente não conseguia se levantar. O Noel fez o show sentado numa cadeira. A gente não podia ficar em pé que cagava.

Você se cagou no palco?
Não, mas eu fiquei meio encurvado. A gente terminou o show antes e a van levou eu e o Noel pro hotel. O resto da galera ficou lá bêbado e tal.

Já rolou muita roubada em shows do Corações em Fúria, né?
Teve um lançamento de um disco que eu fui jogar o CD e bateu de quina no olho de um jornalista que tava lá pra cobrir. O cara ficou puto e foi lá falar comigo "porque eu sou jornalista e vim aqui cobrir". Aí eu perguntei pra ele: "mas você pegou o CD? Então ouve e fala mal". Foi o lançamento do primeiro disco.

Foi o lançamento, literal, do primeiro disco.
Não sei se eu joguei forte. Machucou mesmo o olho do cara.

Rockstar em local desconhecido, 2004.

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Vocês têm um ranking de piores calotes?
Tem uns que a gente não recebeu ainda. É de um cara lá de Florianópolis. Mesmo devendo, ele já ligou pra fazer coisa de novo. "Pô, velho. Cê tá louco? Você tá devendo pra gente". E ele vem com papo de "esquece aquilo".

De quando é o show que ele tá devendo?
Foi em 2005, sei lá.

Caralho, dez anos de calote.
Ele morava em Florianópolis, saiu de lá porque queimou o filme devendo pra casa, fica devendo pra não sei quem. Agora não sei nem onde ele tá. Cara de pau master. Ele devia pra todo mundo, a gente escrevia nominalmente no Orkut. Ele comentava ainda "Oh, para com isso. Deixa disso".

Atacando de DJ.

Você discoteca também. Qual a diferença de uma roubada com banda e uma roubada atacando de DJ?
Tem roubada. Ainda mais agora, que tem vários lugares que acham que você vai levar o laptop e eu levo a sacola de CDs. Já teve umas quatro vezes que eu chego pra discotecar e não dá, porque os caras não têm CDJ. Eles deviam perguntar o que você vai levar.

Mas você viaja bastante discotecando, né?
É, mas agora eu tô meio de saco cheio de discotecar.

E que roubada rola pro DJ?
Tem uma festa que eu sempre toco em Brasília que é bem legal. É uma festa de rocks pra molecada que só ouve esses rockinho moderno. A coisa mais nova que eu ouço é de 1998, sei lá. Os moleques acham legal o meu set “retrô”. Uma vez eu tava lá e um moleque me deu um guardanapo escrito "não era pra ser festa de rock"? Eu tava tocando uma porra tipo AC/DC. Eu coloquei uma versão de “Orgasmatron”, do Motorhead, e foi todo mundo embora.