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Música

A juventude torta de Pouso Alegre está reinventando a música de protesto

O extremo sul de Minas Gerais é um pedaço do Brasil cheio de coisas que passam despercebidas. Uma delas é a instigante cena underground que desponta por lá.

xBicuda do Rastax. Foto por: Raphaella Oppenheimer aka xLelax

O extremo sul de Minas Gerais é um polo regional composto por 40 cidades. Entre elas, Pouso Alegre, um pedaço do Brasil cheio de coisas que passam despercebidas. As pessoas da capital podem não se dar conta, mas apesar da história que se reproduz no cotidiano, Pouso Alegre, por exemplo, há muito se desfez de sua cultura caipira. É uma cidade 90% urbana e industrial, tomada por comerciantes chineses, feia pra caralho e com sotaque do interior de São Paulo. É a terra do Cristiano Felício, do Chicago Bulls, do paranormal Thomas Green Morton, o figura do “Rá!”, a capital do pastel de farinha de milho, o berço do goleiro Aranha, aquele do caso de racismo, e um dos 100 melhores lugares para trabalhar, segundo a Você S/A.

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Neste cenário classe média baixa industrial, com um quê de ABCD Paulista, os filhos dos milionários goianos preenchem vagas na faculdade de Medicina, enquanto a prole da elite da região é maioria na faculdade de direito. O Arthur Dantas, que escalei como consultor para esta matéria, costuma dizer que existem dois universos em conflito por lá, a Pouso Alegre e a Pozalégui. “Pozalégui” é o nome particular que assinala o estilo de vida de quem é avesso aos janotas da cidade. “É uma cidade grande pro padrão mineiro com mentalidade provinciana, aquela italianada fascista. Inclusive, o principal jornal integralista nacional na década de 30 era impresso aqui”, observa minha fonte.

Importante frisar: Pozalégui se faz conhecida pela maconha e cocaína de PÉSSIMAS qualidades. Isso tudo junto sempre temperou a raiva espiritual da molecada torta. Dado o contexto, não é de se estranhar o viés cáustico e nonsense da nova geração de bandas underground da cidade. Desde os tempos do Space Invaders e do zine Velotrol, a juventude esperta local já cagava um monte para o que rola nos grandes centros. A coisa segue assim. Ao invés de pagar pau, eles apenas agem espontaneamente. É desse jeito que se divertem, compartilham e exorcizam suas frustrações. Fomos a campo e identificamos alguns dos mais puros exemplos de contracultura sendo feitos na região, para que não passem despercebidos. Se liga aí:

xBicuda do Rastax
Uma das bandas de Pouso Alegre mais indigestas a ouvidos sensíveis, acostumados ao conforto das melodias fáceis, é o xBicuda do Rastax. O xBicudax costuma fazer shows nos rolês que eles mesmos agitam nos espaços públicos de Pouso Alegre e no CPB, um pub de grind em Cambuí, cidade vizinha. Formado pelo Mateus Oliveira Vitorio (batera e voz) e pelo Samuel Antunes (baixo e voz), o projeto tem um EP (Satã) e um split, com o yClaytonxBolíviay, respectivamente lançados em outubro e novembro de 2015. As artes das capas exibem um senso estético incomum, na falta de um adjetivo mais preciso. A imagem da capa de Satã, uma espécie de barro cocozento com uns cogumelos e umas bagas prensadas de maconha em cima, foi elaborada pelo Samuel no paint, e a do split, foi simplesmente encontrada na internet. Eles estão à espera de que o autor se manifeste para darem os créditos. “Se ele quiser processar, a gente bota outra capa”, justifica Mateus.

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As influências vêm do powerviolence, do grindcore e da anti-música punk em geral. Eles citam como referências imediatas os americanos do Sordo e o Onany Boys (República Tcheca). Outras influências, segundo a dupla, são Deaf Kids, Agathocles, ACxDC e InZaine. Mas isso não significa que seja possível identificar qualquer rastro evidente desses nomes no som, porque o negócio é cagado demais, no melhor dos sentidos. O processo de composição do xBicudax vem do caos espontâneo. Eles se juntam na casa do Samuca, no alto de um morro violento no bairro América, e criam com as primeiras ideias que pintarem na hora, vendo internet.

“Pode ser imagem, som, conceito, algo que já estava na mente, coisa banal… É alguma história engraçada, algo marcante que alguém falou, alguma coisa vomitada do espírito”, elabora Mateus. A gravação não tem frescura. Ambos plays foram captados sem masterização nem mixagem, ao preço de R$ 50 pela hora de ensaio, no estúdio Veritas. E não se deixe enganar: os dois “x” que compreendem o nome da banda não significam que eles sejam straight edge. Na verdade, o xBicudax se apresenta como “straight erva”, o que é bem o oposto. A filosofia de vida straight erva é para quem curte veganismo, faça você mesmo, bike e militância antifa da roça.

MxOxV
Na região dos Lagos, por onde o Mateus, do xBicudax, também circula, rola a galera do Trovão Tropical, coletivo que acaba funcionando como um aperitivo da cena do sul de Minas. O selo do Trovão só lança som cabuloso. Entre eles vale sacar o Panorama Dreams, Vera Baker, Mos, A Cidade Atrás da Neblina, Jewish Mandiolo e Marianaa. Mas o destaque do momento é o MxOxV, o lado fruit loops do Mateus. Intitulado Lula 2018, o EP de estreia vem com seis faixas de anti-música eletrônica com um tempero noise e no wave. Uma salada de ruídos e experimentalismos, com direito a um sample do Brigada do Ódio no último som. “Sublime”, como descreve o Mateus.

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Red Rot
Não tenho muitas infos sobre este projeto, mas vale sacar. É mais uma empreitada do Mateus, ao lado da Camila Gomes. Ele toca bateria e sussura. Ela, toca guitarra. Filhote do Bathory, a dupla faz uma parada estilo blackviolence. Não tem página nem nada. Por enquanto, só essa maravilhosa demo.

Casca Podre
O Casca Podre começou a fazer barulho lá pro meio de 2013, com o nome em inglês, Rotten Shell. A formação atual conta com Jean Fernandes, Rick T. Cunha e Pablo Terry. Eles fazem um som que vai mais pro lado do punk rock com aura grunge. Uns lances mais melancólicos do que o vômito do belzebu feito pelo xBicudax. O processo de composição do Casca consiste em se reunir, chapar, falar umas groselhas e inventar umas bases pra ver o que sai. Entre shows e ensaios esporádicos, o trio só lançou um single oficial até agora, chamado “A Vida Só Te Fode”. Mas eles não gostaram do resultado. “Ficou muito robô o negócio”, comenta Rick. “Mas até o meio do ano vamos lançar um trampo com 12 músicas. Será gravado ao vivo. Acho que rola uma masterização também.”

Pino de Granada
O Pino de Granada está na ativa desde o ano passado, fazendo um hardcore bruto que lembra o D.H.C. (Delinquentes da Humanidade em Caos), banda anarco-punk de Porto Velho, do começo dos anos 1990. As letras, em geral, combatem a injustiça social. Duas delas se destacam pelas histórias reais que contam: “Pedrinho Matador” e “Senador Escravagista”. A primeira fala daquele que é considerado um dos piores serial killers da história do Brasil. “Citamos o Pedrinho Matador porque eu e o Zumbi [vocal] somos de Santa Rita do Sapucaí, a cidade natal dele”, explica o baterista Juninho Duarte. Já a segunda, refere-se especificamente ao senador Ronaldo Caiado e sua ligação com a exploração do trabalho escravo.

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Os shows costumam rolar em lugares públicos, bares e pistas de skate. “Até hoje, nunca tivemos problemas com o pessoal do skate, mas com o pessoal da cidade já houve problemas envolvendo a polícia. Na maioria das vezes, porque acham que fazemos ‘som de doido’ e que o público é estranho”, conta Juninho. O Pino de Granada já gravou um EP, Vol. 1, lançou um clipe, da faixa “Maioridade Penal”, e no momento trabalha nas faixas de seu primeiro álbum.

No Have Nomey
Bad de pó e Metallica Cover são duas das piores coisas desse mundo, e os caras do No Have Nomey estão bem ligados nisso. Tanto, que fizeram até músicas sobre tais quadros da miséria espiritual humana. No primeiro dos casos, a letra diz, numa gravação atordoante e cheia de ecos: “Fui cheirar / Esqueci de pensar / Isso vai passar”. No segundo, Felipe Coral esgoela: “Eu não gosto de Metallica Cover / Eu prefiro Casca Podre / Por que você gosta de Metallica Cover? / Eles são cover!”. Isso traduz bem o espírito nonsense da banda, que produz um punk rock avesso a qualquer tentativa de esmero. “A proposta é fazer barulho”, explica o baixista Samuel (que também toca no xBicuda do Rastax). E arremata: “O barulho faz a conexão entre as bandas daqui. Ultimamente a anti-música tem tocado mais os nossos corações. A gente foi conhecendo e percebendo o quão bom isso é pra vida [risos]. Comigo começou com o Ganguinha do Fusca Azul. Foi a primeira vez que fiz som e eu tinha até vergonha, por não saber tocar direito. Mas depois, algumas pessoas começaram a ficar incomodadas e aquilo foi me fazendo bem.”

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Negative Vibration
Uma banda de reggae pra falar de tragédia e de vibe ruim. Isso é a mais pura provocação em movimento. A ideia toda começou numa viagem dos caras a São Thomé das Letras. “Estávamos com uns amigos no cruzeiro da cidade, quando um grupo de turistas, de São Paulo e Belo Horizonte, nos viram com um violão e pediram que o Alberto Muscária e eu tocássemos um reggae”, conta Juninho Duarte, que também faz parte do Pino de Granada. A fita é que na hora eles já estavam bem loucos de ácido e criaram, no improviso, a canção “Na Pedra Lisa”. Os versos narram o infortúnio de um rasta que escorrega de uma pedra da cachoeira e cai numa outra, quebrando a coluna. O rasta, então, pede a ajuda de Jah, que não dá a mínima, e suas crenças caem por terra. Dessa onda se desdobraram outros hits, como “Jah Não Vai Ajudar” e “SuiciJah”. Todas as músicas contam histórias fictícias de tragédias ocorridas com rastas.

Molotov Conspiracy
Essa não é de Pouso Alegre, mas de Piranguinho. De qualquer forma, é uma banda irmã da galera de Pouso retratada aqui. O som desses caras não tem nada de anti-música, embora seja agressivo e energético. Na contramão do xBicudax, as composições do Molotov Conspiracy, na ativa desde 2012, estão mais para a melodia, misturando estilos como o crossover, thrash metal, surf music, hardcore 80’s e até o funk-rock. O primeiro EP, com sete faixas, acaba de ser lançado e se chama Country Pit. A realização de um festival foi de total importância para que Gustavo (guitarra; vocal) e Gabriel Ottoboni (bateria), ao lado de Caike Motta (baixo), quisessem formar o Molotov Conspiracy: o Sobrevivência Punk 2010, em Itajubá. “Desde o Sobrevivência Punk o Gustavo vinha falando de organizar um evento especialmente voltado para bandas autorais”, conta Caike. “Nesse mesmo evento, ele acabou conhecendo o Mateus Vitório, do xBicuda do Rastax, que foi um dos que também ajudaram a organizar, mais tarde, o Sujera Noise Festival. É importante citar que esse evento [o Sujera] foi realmente um pontapé inicial pra galera em busca de um espaço que, até então, praticamente nunca existiu aqui.”

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No Sujera, que contou com bandas de Pouso Alegre e Pedralva, o Molotov Conspiracy fez sua estreia. “O pessoal da cidade ficou de cabelo em pé quando viu aquele bando de malucos se debatendo nos moshs. Rolou polícia batendo na porta do evento, bem impactante. Com a repercussão positiva no primeiro festival, sabíamos que era ali que deveríamos investir”, relembra o baixista. Para ele, o que aproxima o Molotov da turma de Pouso Alegre, além da camaradagem underground, é “a expressão das angústias e anseios da nossa geração e, também, em partes, a militância em prol de movimentos.” Essas angústias, no caso do Molotov Conspiracy, chegam na forma de críticas à sociedade, mas em grande parte por um viés regionalista. O estilo de vida da juventude local é combatido por eles em “Gotta Skate”, por exemplo, cuja letra diz: “There’s no fun rolling in my town / That’s what they say and they are frown / They want a disco and a shopping mall, (…) / People get jobs and complain a lot / And go to the beach when it’s really hot / To forget the regrets they’ve got…”. Outro som fala em skate, “King Of The Country Pit”, uma letra preocupada com a perda do espírito outsider entre os praticantes.

MC Leskão
Todas as subculturas do Brasil parecem ter criado a sua própria interpretação do funk: Bahia bass, Heavy Baile, rasteirinha, ostentação, putaria, proibidão, melody… No interior de Minas, o MC Leskão surge como expoente de uma nova escola, o funk ostentação tímido. Ele é a arauto do tchu-tchá-tchá-tchu-tchu-tchá de Pozalégui, onde uma nota de cem conto pra fora do bolso é o suficiente para configurar ostentação. Daora também que o rapaz não fica pagando pau pra se amalgamar ao rolê funk local. O cara é tão zica que ele cola mesmo é com os punks. Com o seu jeito cheio de humildade e amor no coração, o Leskão tem até um fã clube. Rolam uns atropelos no tempo e no flow, mas isso faz parte da graça do chamado “astro do funk” da cidade. “Novinhas Assanhadas” e “As Mina de São Paulo Veio Aí” são alguns de seus maiores hits. “As minas de São Paulo veio aí / Arrastaram o Leskão pra divertir / O Leskão estava ali dando bobeira / Arrastaram o Leskão lá pra zoeira”, diz um trecho da letra desta última. Só rima foda na poética de um parça que já nasceu mito.

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