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Música

Por que Tantos Músicos São Ruins em Crowdfunding?

Um crowdfunding para uma salada de batata é mais eficaz que um crowdfunding pra lançar o seu disco. Sério.

Quando aquele cara foi notícia com a sua campanha de crowdfunding “muito doida” para uma salada de batata há um tempinho, eu falava para os meus amigos que achava que ela era muito melhor e merecia mais dinheiro do que qualquer campanha de crowdfunding de qualquer músico. Eu não dizia isso para parecer descolado ou ousado, dizia porque era verdade. Músicos são notoriamente ruins em crowdfunding.

Tentei fazer uma campanha para um compacto de 7’’ uma vez e foi uma das piores experiências da minha vida. O processo é como arrancar um dente, me sentia um babaca egocêntrico que enganava as pessoas para tomar o dinheiro delas e a coisa toda parecia um empréstimo esquisito carregado de expectativas. Felizmente, desde então já vi gente fazer isso de um jeito muito pior do que eu jamais imaginaria, e me senti mais em paz com os meus erros.

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Isso talvez seja porque, na maior parte do tempo, os músicos que utilizam as plataformas de crowdfunding perpetuam mitos nocivos e concepções erradas sobre como se faz e distribui música, e como resultado eles não só acabam parecendo sem noção, mas tornam as coisas mais difíceis para os músicos que não se valem do crowdfunding para tocar um projeto. O crowdfunding pode ser uma ótima plataforma, permitindo que os fãs se mobilizem em torno de um músico ou de um projeto que eles curtem de verdade, o que é uma coisa legal. Infelizmente, muitas dessas campanhas são mal feitas, mal orientadas e seguidamente levam músicos a tentar arrecadar enormes quantias de dinheiro, tratando seus fãs como se fossem um banco.

Aqui estão só algumas das maneiras como os músicos têm sido péssimos em crowdfunding, arruinando o que poderia ser uma ótima plataforma para a criação e exploração artística. Por favor, bandas, parem de fazer essas coisas terríveis.

OS MÚSICOS VOLTA E MEIA INVENTAM PRÊMIOS RUINS

Encontro com um membro da banda. Zero participantes.

Se você vai implorar a alguém para gravar um disco de doom metal baseado numa versão steampunk de Grandes Esperanças, deve ao menos dar a essas pessoas um incentivo para gastar o seu suado dinheiro. De modo geral, os músicos ou não têm a menor ideia de como fazer isso, ou simplesmente não se importam em fazer isso direito. Isto dá origem a prêmios como “faça um video tour pelo nosso estúdio por US$ 200!”, que são tão inúteis e sem sentido que fica absurdamente óbvio que eles ficaram sem ideias de como arrancar dinheiro das pessoas. Então, por favor, músicos, vamos começar a pensar melhor sobre o que as pessoas realmente querem de vocês!

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Tenho uma notícia para vocês, é 2013. Pedir que alguém pague US$ 10 para comprar a versão digital do seu disco é risível, especialmente como prêmio de crowdfunding. Qual é, o Thom Yorke acabou de lançar um disco solo por US$ 6 e ele vem até com um vídeo. Então, por favor, não faça isto. Não cobre US$ 15 pelo download do seu disco em mp3s de 320 kb/s. O download digital deve ser uma cortesia que vem com um prêmio, não um prêmio em si. Se alguém está te pagando US$ 15, tenha a decência de ao menos comprar um CD-R vagabundo e escrever alguma coisa nele com um marcador permanente. Se você oferece um download digital por US$ 15 como prêmio, ou você é tremendamente sem noção, ou maldoso. A mesma coisa vale para quem acha que cobrar US$ 75 por um vinil é aceitável só porque ele é “limitado”. Não é porque você só tem dinheiro para prensar 100 cópias que você pode cobrar US$ 75 por uma.

Outros prêmios terríveis (e clichê) que vocês podem evitar? Pedidos de covers são prêmios terríveis. Ninguém precisa de mais uma versão acústica horrorosa de uma música da Rihanna ou do Wagon Wheel ou de uma versão ironicamente suave e folk de uma faixa de heavy metal.

Apesar que isso não chega a ser tão ruim quanto o prêmio “vou compor uma música para você”. Por favor, músicos, não façam isso. Fazendo isso, vocês só estão fazendo música por fazer. É como ser pago para criar um jingle para o comercial mais chato do universo. Apesar que existem exceções para esta regra. Ah, e aquele prêmio horripilante, “um encontro com um dos membros da banda”? Quanto menos eu falar nele, melhor.

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Se você quer uma ideia do que é um prêmio bem pensado, confira a campanha de pré-lançamento que o Run the Jewels está fazendo para o seu último disco. Ah, o que é isso? Download gratuito das mp3s? Um download digital de alta qualidade a um preço razoável? Vinis e camisetas por valores sensatos? É assim que você pede financiamento para um lançamento; a ajuda que você recebe dos fãs deve ser direcionada para tornar a experiência mais rica, não só atingir a sua meta. Este tipo de coisa faz os fãs se sentirem conectados e não só um número, e é isso que está faltando em muitas campanhas de crowdfunding: espírito de comunidade.

Diabos, as pessoas curtiram tanto a ideia do prêmio maluco do Run the Jewels, Meow The Jewels, uma versão remix do álbum feita inteiramente com miados de gato, que uma campanha criada para fazer isso acontecer de verdade já arrecadou metade da sua meta no Kickstarter! Quando são feitos do jeito certo, os prêmios estreitam a relação entre fãs e artistas; o crowdfunding se baseia em deixá-los participar da experiência, não só levar o dinheiro deles.

Talvez a pior coisa a respeito desses prêmios horríveis e abusivos seja que o fato de que as pessoas vão comprá-los porque são fãs. Isso passa a mensagem de que não existe problema nenhum em cobrar dinheiro das pessoas por este tipo de coisa. E permitindo que isto aconteça você se torna parte do problema, porque não só está tirando vantagem delas, mas contribuindo para a concepção errada de que é assim que o crowdfunding deve ser feito. Não ligo se a sua tia Edna acha muito legal você ter uma banda; você andando pelo seu estúdio com o computador na mão, com o Skype ligado, não vale US$ 300.

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O CROWDFUNDING MAL FEITO PERPETUA MITOS HORRÍVEIS SOBRE MÚSICA

Vamos precisar de 7.800 dinheiros pra pagar todos os equipamentos e estúdio superfaturados. O crowdfunding malfeito muitas vezes perpetua concepções erradas sobre como se faz música ou como as bandas funcionam. Por exemplo, você não precisa de jeito nenhum pagar US$ 1 mil por dia para um estúdio profissional gravar o seu disco quando você está numa situação em que precisa pedir dinheiro. Se você precisa de um estúdio que custa US$ 1 mil por dia, devia estar numa gravadora e ter muita grana para gastar. Diabos, mesmo que seja o caso, você provavelmente não precisa de um estúdio que cobre isso. Convencer as pessoas de que você precisa pagar US$1 mil por dia para gravar sem precisar disso em absoluto é uma coisa terrível de se fazer e um desperdício de dinheiro.

Você tem uma banda desconhecida e ninguém vai ligar se o seu disco foi gravado no mesmo estúdio do disco dos Strokes, porque, sinceramente, não importa. O fato de um disco que as pessoas conhecem ter sido gravado ali não torna o seu disco bom. Poder gastar um monte de dinheiro num disco também não torna ele bom. Só significa que você é bom em desperdiçar o dinheiro alheio.

Gravar em casa não só é absurdamente barato hoje em dia, como também é fácil de aprender e uma ferramenta tremendamente valiosa para o músico. Gravar sozinho não só dá a você mais liberdade artística sobre a sua música, mas o ajuda a descobrir exatamente como quer soar e, mais importante, como fazer isso. Então, quando você finalmente puder trabalhar com um grande produtor, vai saber de fato do que está falando e não só acenar com a cabeça e olhar para o nada quando ele sugerir alguma coisa e acabar com um disco supercomprimido e cheio de auto-tune. Só para ilustrar, o Kevin Parker grava todas as músicas do Tame Impala no estúdio caseiro dele. Sim, ele tem equipamentos caros, mas muitas pessoas que não têm se viram também. Em vez de detonar US$ 5 mil em cinco dias num estúdio, você pode gastar em microfones condensadores e pré amplificadores. Levante da cadeira e aprenda!

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Além disso, músicos, é hora de ter uma conversa séria. Vocês não precisam gastar milhares de dólares para fazer um clipe, porque ninguém mais liga pra isso. Vocês sabem por que as pessoas ligam para os clipes de artistas como Drake e Taylor Swift? Não é porque eles custaram caro, mas porque as pessoas realmente gostam desses artistas em primeiro lugar. Por favor, parem de gastar dinheiro em clipes. Não estamos em 1996, invistam seu dinheiro em algo mais produtivo como comprar equipamento para gravar ou uma van para fazer turnês. Por falar nisso…

POR FAVOR, NÃO PEÇAM DINHEIRO PARA AS SUAS TURNÊS

Total de gastos de viagem: 7.108 dinheiros. Fãs pagando até o hotel dos folgados.

Você precisa de um monte de dinheiro para fazer uma turnê pelo Canadá e quer fazer uma campanha para arrecadá-lo? Você não está pronto para fazer uma turnê dessas. Se estivesse, saberia onde ficar, onde tocar, como planejar seu roteiro e teria dinheiro suficiente para financiá-la. Se não, só quer brincar de ser músico por um mês e entregar a conta para alguém. Em vez disso, faça turnês horríveis, bem curtinhas, tocando em bares decadentes. Faça o seu trabalho. Não fique sentado em casa, no Facebook, esperando que as pessoas paguem a sua gasolina.

Venda as suas fitas na traseira da van, faça contatos, conheça bandas similares, durma no chão de alguém, coma em postos de gasolina. Sabe, faça tudo que uma banda de verdade faz quando é uma banda de verdade. Caso você não saiba, as bandas normalmente não ficam em casa vendo as suas contribuições se acumularem no IndieGoGo enquanto fumam maconha e jogam videogame. Elas saem por aí tocando e se matando de trabalhar para lançar algo em que acreditam, não ficam passivamente esperando alguém jogar um saco de dinheiro com um cifrão estampado no colo delas.

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Tenha uma banda, não espere as coisas acontecerem sozinhas. Essa é a parte divertida. Você acha que antes do crowdfunding aparecer as bandas ficavam por aí sentadas esperando seus amigos aparecem e pagarem US$ 50 por uma fita cassete do novo disco delas com um encarte manuscrito? Não, elas estavam sempre em turnê, tocando para absolutamente ninguém, vendendo fitas e compactos de 7’’ apenas pelo suficiente para encher o tanque e, com sorte, chegar no próximo show. Saia e comece a tocar! Se você tocar feito um louco todas as noites e continuar fazendo turnês minúsculas por um tempo, as coisas eventualmente vão acontecer. Ou sabe, talvez não vão, mas ao menos você não gastou o dinheiro dos outros tentando.

COLOCAR A CARROÇA NA FRENTE DOS BOIS

"Quero uma grana pra realizar meu sonho de gravar um disco". Não importa quão linda seja sua jornada, se eu não dou dinheiro no busão, não vou contribuir num crowdfunding de algo que nem existe. Um número alarmante de músicos tenta financiar via crowdfunding um disco que eles nem ao menos fizeram ainda. Nada pode ser mais delirante que tentar fazer alguém pagá-lo para lançar um disco que você ainda nem começou a criar.

As pessoas fazem isso quando não querem ter um trabalho de verdade e, em vez disso, prefeririam ter alguém que pagasse a comida e o aluguel delas enquanto “se concentram na sua arte” sem precisar trabalhar num bar três vezes por semana. Você está apostando no seu suposto talento como artista para conseguir um empréstimo, e isso não só é muito presunçoso – não é assim que funciona. Músicos criam e gravam discos enquanto trabalham há décadas, o que te faz tão diferente? Talvez o fato de que você é absurdamente preguiçoso.

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INFLAR ARTIFICIALMENTE SUA POPULARIDADE

"Obrigado pelos 30 mil dinheiros adquiridos nos quatro primeiros dias. Se alcançarmos 45 mil, prometemos fazer UM CLIPE pra CADA FAIXA do MELHOR DISCO DO MUNDO, que é o NOSSO". Bitch please.

Sabe por que você precisa fazer crowdfunding para conseguir aqueles US$ 20 mil para o seu próximo disco? É porque você absolutamente não deveria gastar US$ 20 mil para fazer um disco. Não está dentro das suas possibilidades como músico ou pessoa. Você não pode pagar por isso, e não precisa disso. O que você está fazendo, essencialmente, é pedir um empréstimo muito esquisito que você acha que merece para fazer um disco “de verdade”.

O que você faz quando tem uma banda desconhecida que acabou de gastar US$ 20 mil em um disco que não levou a lugar nenhum? Outro crowdfunding para arrecadar mais US$ 20 mil? As bandas tentam mesmo fazer isto! Se você ainda está pedindo dinheiro para as pessoas depois de ter o descaramento de fazer um disco tão caro, você claramente está inflando sua importância como músico e vivendo e gastando mais do que pode. Isso é mais do que irresponsável, e significa que você só está tirando vantagem de outras pessoas para viver a sua fantasia de rockstar.

Para começar, campanhas de crowdfunding devem ser feitas para objetivos que estão relativamente dentro das suas possibilidades financeiras, quando você só precisa de uma ajudinha para chegar lá. Campanhas de maior sucesso são feitas mais como se fossem pré-lançamentos de luxo. Isso porque, quando você estabelece uma meta razoável e vai fazer o lançamento de qualquer jeito, o crowdfunding pode funcionar muito bem. Mas pedir US$ 20 mil só para tirar uma folga, gravar um disco e depois sair em turnê com ele não só é abusivo, mas burro, porque quando tudo acabar, você vai voltar à estaca zero.

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VAMOS APENAS SER MENOS ESTÚPIDOS, POR FAVOR

No fim das contas, o crowdfunding tem sido uma ferramenta útil para ajudar os músicos a lançarem projetos que de outro modo não teriam acontecido. Já foram feitas muitas campanhas incríveis desde que a coisa toda começou com o Kickstarter, em 2009, e a plataforma ajudou inúmeros músicos a atingirem seus objetivos. Mas ela também contribuiu para um sentimento crescente entre os músicos de merecimento, para a desonestidade quando se trata de prestar contas e lidar com dinheiro arrecadado e, de modo geral, para uma atitude abusiva em relação aos fãs.

Campanhas de crowdfunding malfeitas são ruins para todo mundo, porque se as pessoas se sentem lesadas ou sacaneadas por uma campanha, ficam menos propensas a contribuir com outra que pode de fato valer a pena. Tirar vantagem dos seus fãs porque você se sente no direito de ganhar dinheiro como músico é bastante delirante. Somos bombardeados com tanta música diariamente que, se as pessoas de fato escutarem a sua música, isso em si já é ótimo. Então dar prêmios horríveis para os seus fãs, enganá-los quanto ao que você realmente precisa para fazer um disco e tentar conseguir o máximo de dinheiro possível deles é abusivo e faz de você um tremendo babaca.

Os músicos precisam começar a ser mais espertos, profissionais e transparentes sobre o projeto para o qual estão pedindo ajuda, e mais importante, saber porquê precisam do crowdfunding para financiá-lo. Fãs são pessoas incrivelmente generosas, sempre dispostas a doar dinheiro para uma causa em que acreditam e dar seu apoio aos artistas que amam. Este é um aspecto extremamente importante da cultura da música, e é o que permitiu às pessoas se sustentarem criando música por décadas. A relação entre fãs e artistas nunca foi tão próxima quanto é hoje, e isso abre as portas para um mundo novo de possibilidades quando se trata de apoiar a arte e estabelecer conexões com as pessoas. Então, ei, vamos tentar não arruinar isso fazendo coisas como cobrar US$ 400 por um cover de “Wonderwall”, está bem?

Nick Laugher escreveu este artigo. Se você gostou, apóie a plataforma social dele - @largiantribune

Tradução: Fernanda Botta