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Música

Panda Bear: Ano Novo, Urso Novo, e a Sombria Realidade de Que Todos Vamos Morrer

Seu novo lançamento, "Panda Bear Meets The Grim Reaper", é um disco distorcido, bizarramente pop, sobre enfrentar o fato de que alguma hora desapareceremos do planeta.

Noah Lennox e eu estamos conversando sobre receber boquetes no Japão. Bom, não realmente receber boquetes no Japão, mas nós dois temos histórias sobre receber ofertas de várias mulheres diferentes pelas ruas de Tóquio. Conto para ele de como um cara tentou me convencer de que uma garota "chuparia meu pau" enquanto eu bebia cerveja num bar (recusei). Lennox ri. "É tentador, cara!"

Lennox – o cara de 36 anos que é muito mais conhecido como Panda Bear, rei da esquisitice musical e membro cofundador do Animal Collective – está sentado à minha frente num estúdio do projeto Converse Rubber Tracks, em Williamsburg, Brooklyn. É véspera do dia de Ação de Graças, e ele está na cidade visitando a família. Estamos a apenas alguns curtos quarteirões de distância de onde ele morava há uma década, quando pela primeira vez chamou este bairro de lar, antes de se mudar para Portugal e começar uma família. Durante esse tempo, ele se tornou um dos músicos mais influentes dos anos 2000, com o Animal Collective deixando de ser a trilha sonora de ensaios musicais movidos a drogas em porões sem janelas e virando um grupo de art-pop de alta visibilidade, sendo comentado até na National Public Radio. Essa semana, ele vai lançar seu quinto disco solo, Panda Bear Meets The Grim Reaper, um disco distorcido, bizarramente pop, que mantém a tradição Panda Bear de produzir os sons mais dementes possíveis, mas que grudam na cabeça e não saem mais. É também – e isso não deve surpreender ninguém, considerando o título – um disco sobre a morte, e sobre enfrentar o fato de que alguma hora desapareceremos do planeta.

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Mas, apesar de sua influência e legado, apesar da possibilidade de ser pretensioso que surge quando se faz um disco conceitual (ainda que ele não o chame assim) sobre a morte, Lennox é tranquilo e modesto. Nossa conversa de 40 minutos é profunda e direta – sinto que ele não nota ou não se importa com as percepções que se tem da sua música, e está apenas, genuinamente, tentando criar a melhor arte que consegue. E ao mesmo tempo que faz isso, atribui a si o apelido de “urso panda”, caralho.

Noisey: Vamos conversar sobre o título.
Panda Bear: A inspiração veio de um punhado de discos de dub e reggae da Jamaica que, o título muitas vezes é um produtor, um músico, encontra outro produtor ou músico, e isso era uma maneira de significar algum tipo de colaboração entre os dois. Gostei desse tipo de arranjo, e achei que seria engraçado fazer parceria com essa figura que representa a morte para fazer o disco. E também sinto que muitas músicas falam de coisas que talvez sejam um pouco mais intensas e profundas e sérias. Mas essas coisas muitas vezes são metidas numa roupagem de espírito mais leve ou casual, e gosto que o título tenha evocado essa relação.

Sim, porque o Ceifador quase que chega a ser um personagem cômico.
Um pouquinho, sim.

A morte é um assunto gigante no disco. Quando você está lidando com algo que é tão gigantesco e vasto, por quais estradas você caminha?
Uma coisa foi simplesmente tentar me concentrar em um aspecto – um contexto, ou perspectiva, que era pensar no ceifeiro mais como um agente causador de mudanças do que nele como a morte, como o fim. Eu não poderia dizer que é um disco conceitual; não é como se todas as músicas tratassem muito desse assunto. Mas há uma pequena quantidade de temas sobre as coisas mudarem, mudanças dramáticas, especialmente em termos de identidade, quando há uma mudança, uma mudança intensa, algum elemento da identidade morre ou é deixado para trás. Focar nisso ajudou. Não acho que eu estava pensando demais na morte, e novamente, queria que tudo fosse casual e leve, em vez de afundar no pântano das questões pesadas.

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Você sente que, quando aborda a morte como um tipo de agente causador de mudanças, e não um agente do fim, é assim que você pessoalmente encara a morte?
A sensação é de que alguma coisa acontece. Na verdade não sei o que é. Mas a gente ouve histórias de pessoas que contam ter visto um túnel ou tipo uma luz. Eu gostaria de pensar que existe alguma coisa, e não só o vazio, entende? Mas quem sabe? Com certeza tenho curiosidade – mais curiosidade do que medo. Mas também, sou um cara na meia-idade nesse momento, e quando você é mais jovem, a morte é essa coisa que você sabe que está lá, mas tão longe e tão distante que é quase como se não fosse real, e acho que já entrei na parte da vida em que ela passa a ser uma coisa tangível. Não que amigos meus tenham morrido, mas todo mundo tem pais e avós que morrem, e lentamente ela vai ficando cada vez mais próxima, e é possível esticar a mão e encostar nela um pouquinho.

A morte te causa ansiedade?
A morte não chega a ser algo que me deixa ansioso – várias outras coisas sim, mas não a morte.

E sempre foi desse jeito, ou foi ficando assim com o tempo?
Sinto que é muito além do meu controle. É como quando eu costumava entrar em pânico dentro do avião, e daí, quanto mais eu pensava sobre o fato de que não era eu que estava pilotando o avião, não era eu que estava dirigindo, era uma coisa que fugia das minhas mãos. Era tipo, assim que eu subir nessa coisa e decolar, o que vai acontecer está fora do meu controle. E uma vez sinto que meio que abri mão dessa necessidade de controlar o negócio, meio que perdi a ansiedade relativa a isso. Acho que me sentir dessa maneira diante da morte me ajuda a relaxar um pouco. Ao passo que fico estressado com coisas sobre as quais sinto que tenho algum controle.

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Em sua carreira, que é longa, existe alguma coisa a respeito da qual você sente que não foi bem entendido?
Se é que tem alguma coisa, é o lance das drogas. Desprezar as paradas como se fossem tipo "coisa de drogado" é um troço que me desanima. Acho que a outra é só tipo, que a gente não se importa ou a ideia de que não estamos dedicando muito esforço e muita energia mental e muito trabalho no que fazemos. A ideia de que é uma coisa meio jogada. Algumas vezes isso rola com música improvisada, que pode ser meio o jeito de menosprezar, aliás. E acho que a ideia de que não nos importamos ou pensamos a sério a nossa música – ou de que as coisas que apresentamos não são, tipo, algo cuidadosamente esculpido, acho, pode ser meio desanimadora.

O caos é muito bem orquestrado. E talvez isso se perca na tradução.
Tipo, a gente talvez nem sempre acerte na mosca, mas a ideia de que fizemos a coisa com indiferença acho que não é exata.

Parece com você, e com o Animal Collective, foi isso o que você fez. O lance é o trabalho.
Acho que é verdade isso aí. Parte do que eu diria é sobre todo o nosso lance "animal". No que diz respeito a tentar ser instintivo na tomada de decisões e não deixar que muitas coisas de fora influenciem o que estamos fazendo. Coisas de fora é uma maneira bem da grandiosa de falar sobre isso, mas é uma bola de neve, quando você começa a pensar sobre se as pessoas vão gostar, ou se esse ou aquele sujeito vai gostar, ou como a coisa vai ser recebida. Não tenho certeza de que isso seja assim muito construtivo, então acho que a nossa afinidade com os animais e a imagística desse tipo é um reflexo do nosso apreço exatamente por esse tipo de resposta objetiva. É como quando as pessoas falam dos prazeres dos quais têm vergonha. Eu não tenho certeza se acredito nisso como conceito. Para mim, se eu gosto de alguma coisa, devo gostar dela e não – sabe como é, se eu tenho uma reação a alguma coisa que é positiva, não quero me sentir mal a respeito disso.

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Com certeza. Eu adoro Taylor Swift. Tenho orgulho de ir a um show da Taylor Swift.
Às vezes me perco pensando no assunto de porque as pessoas gostam das coisas. E as influências que as coisas têm sobre o tanto que está implícito em se ter uma reação maior do que um simples lance de entrada e saída de estímulos. É complicado. Acho que é mais complicado do que pensamos. Lembro de ser mais novo, quando eu sentia que havia grupos de pessoas em que, se um cara não gostasse da música, ou então, se tinha alguém de quem você não gostava, e essa pessoa gostava de um tipo de música, ou de filme, ou enfim. O impulso era não gostar da coisa, porque você a associava àquela pessoa com que antipatizava. Todos esses tipos de associação sinto que estão acontecendo, e muitas vezes fico perdido em pensamentos sobre esse assunto.

É clássico da natureza humana, querer ser aceito e saber que nossos gostos são alinhados com os que idealmente gostaríamos de ter. É interessante pensar nisso, e aprender que o aspecto animal do Animal Collective é ligado a isso. O que atraiu você para o Panda? E quando você cria, é uma decisão ativa? Tipo, "agora eu sou o Panda Bear"?
É meio brega dizer a coisa desse modo, mas é meio que isso, sim. [Ri.] Acho que esse é o objetivo da música e do ritual. Isso tudo busca chegar ao mesmo lugar, levar nossos cérebros a um ponto em que estejamos funcionando num nível diferente, em que não estamos pensando sobre estar aqui numa sala, e tem uma garrafa d'água ali e estou preocupado com isso ou aquilo. Sinto que o objetivo dessas experiências é nos levar a um lugar em que o cérebro está simplesmente meio que operando num nível diferente. É difícil falar sobre isso; eu reconheço quando estou lá, mas não é fácil definir. Ou falar sobre o assunto. Em termos de desempenho, é sempre esse o objetivo. Às vezes funciona; às vezes não funciona tão bem. E eu sinto que essa sensação, especialmente nos shows, depende de uma série de fatores diferentes: o sistema de som, a atmosfera dentro da casa noturna, o estado de humor das pessoas na plateia. A participação pode ser uma coisa contagiosa, em que um pequeno grupo de pessoas começa a se mexer, que circula pelo ambiente. Esqueci qual era a pergunta.

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Incorporar o Panda Bear. [risos]

Certo. Panda Bear é só tipo, quando comecei a fazer músicas e gravações, na verdade não tinha nenhum conceito, provavelmente porque eu era mais um cara de rádio. Eu não tinha um conceito do que era um disco, ou de que criar uma sequência de músicas de um jeito específico poderia tipo criar essa experiência. Essa coisa toda, acho que eu não entendia de verdade na época. Então eram mais tipo mixtapes. Meio que uma coleção/confusão de coisas que eu tinha feito. Já que não sabia o que mais colocar, comecei a desenhar ursos pandas. É meio besta. É meio delicioso agora, no sentido de que pode ser tão enfurecedor para as pessoas que um homem crescido chame a si mesmo de Urso Panda. É um repelente de escrotos.

É bom ter essas coisas na vida.
Poderia ser pior. Mas é uma coisa para a qual de início não existia, tipo, um motivo, na verdade. Eu tava só pensando que eles são maneiros.

Como que esse disco reflete você num sentido pessoal e emocional hoje, em contraste com onde você estava há dez anos, e como você viu isso refletido na evolução em sua música e como artista?
O grande lance é a noção de ter 20, 21 anos quando estive pela primeira vez em Nova York, começando a fazer shows, a sair em turnê. A sensação é tipo a de um imenso espaço meio que vazio na sua frente. Nenhuma sensação de segurança ou de direção, na verdade. E eu estava lentamente começando a entender várias coisas, e meio que decidindo como seria a vida dali para diante. Há agora uma sensação predominante de segurança, que acho que criativamente proporciona muita flexibilidade, talvez? Essas músicas, com os breaks, sinto que tem um monte de coisas estilísticas com as quais antes eu não me teria sentido à vontade, ou não teria sabido como usar esse tipo de coisa de um modo que me fizesse sentir que ainda era eu que fazia aquilo, e não só algum tipo de cópia tosca de outra coisa. Então, eu atribuiria isso a meio que sentir que fiz uma descoberta, determinando exatamente que "é assim que me sinto em relação a isso", ou fechando círculos e não deixando pontas soltas. E isso vindo de superar medos, acho, em alguns sentidos. Digo, eu não poderia dizer que agora já resolvi tudo, diria que, no mínimo, a sensação é de que a única coisa que sei é que não sei. Esse também é meio que um sentimento libertador.

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Certeza, cara. Eu estou com 27. Quanto mais velho fico, mais percebo como sou idiota, mas com isso na verdade fico mais inteligente, porque estou percebendo que não sei nada.
Eu me sinto exatamente do mesmo jeito.

Que idade você tem agora?
Trinta e seis. É, quando eu tinha a sua idade, me mudei para Portugal. Eu tinha 25. E daí tive um filho aos 26.

Qual é a segurança de que você fala? É algo que fica evidente pelo fato de que você ter lançado um disco novo significa que alguém como eu vai sentar aqui e entrevistar você a respeito dele?
Suponho que em parte seja isso, mas também é – como você dizia – saber que você não sabe. Há muita coisa na qual não vale a pena pensar quando se chega a esse ponto, ou você percebe que muita coisa na verdade não tem tanta importância assim. Sinto que muitas das coisas que eram fontes de ansiedade deixam de ser quando você aceita o fato de que não sabe tudo. Você simplesmente vai cometer um monte de erros, e isso não tem problema.

Como é voltar para Nova York? Para uma área em que você teve o seu início criativo, você estava fazendo turnês e vivendo aqui e fazendo coisas. Óbvio que a cidade mudou drasticamente, mas o sentimento é de retornar a uma vida passada?
É esquisito, porque estive de volta aqui várias vezes em turnê, e nunca senti algo parecido. Mas dessa vez, com certeza tive uma noção bizarra das coisas, tipo de refazer os meus passos. Especialmente por aqui em Williamsburg, porque o primeiro apartamento em que morei, o primeiro verão em que estive aqui, foi no Metropolitan. Bem na entrada para o BQE. E outro dia fui e fiquei embaixo da janela de onde eu morava, e veio uma onda de nostalgia me invadindo. Foi esquisito, porque eu não tinha chegado a pensar no assunto. Foi um daqueles momentos da vida em que você tem a sensação de que ter mudado é uma coisa muito real e muito presente. Nunca tinha me sentido desse jeito antes.

Eric Sundermann é Diretor-Executivo do Noisey. Ele está no Twitter – @ericsundy

Tradução: Marcio Stockler