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Música

O Soundcloud Virou as Costas para seus Usuários em Favor das Grandes Gravadoras?

Um número cada vez maior de produtores e DJ têm mostrado descontentamento com o Soundcloud, depois de alguns trabalhos terem sidos removidos sem aviso prévio. E parece que a Universal tem a ver com isso.

Os Co-Fundadores do SoundCloud Eric Wahlforss (esquerda) e Alexander Ljung (direita)

“Nós temos uma oportunidade de moldar comportamentos [sic] e fazer coisas novas que nunca foram vistas.”

Essas são as palavras de Alexander Ljung e Eric Wahlforss, os co-fundadores do SoundCloud, em um vídeo no canal da Adidas no YouTube. O restante do clipe de três minutos inclui ideias como: “Haviam tantas coisas capengas na rede que você poderia melhorar e deixar dez vezes melhor. E fazer coisas novas. De certa forma foi aí que a coisa começou”. É basicamente o mudancismo-de-mundo padrão de empreendedor, mas ele está acontecendo em um ambiente que é de fato importante para muitos de nós: a música. Porém uns oito anos depois de fundar o SoundCloud, quando eles “perceberam que tinham que consertar” a internet, os empresários de Berlim-via-Estocolmo aparentemente encontraram um muro pela frente.

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Este muro é algo que fica evidente no seguinte comentário feito no clipe da Adidas, que não recebia comentários de usuários desde 2013: “Vai lá e conserta o SoundCloud então! ;)”. É uma mensagem resumida e potente dirigida diretamente a Ljung e Wahlforss, dois caras tão resolutos sobre consertar um sistema quebrado que aparentemente não perceberam que podem se tornar parte do problema do sufocamento de criatividade na indústria musical.

Ao longo do último mês mais ou menos, um número cada vez maior de produtores e DJs declararam seu descontentamento com o SoundCloud após receberem notas de remoção de remixagens, edições, mashups, mixagens, etc. geralmente sem qualquer aviso prévio. O Universal Music Group vem sendo citado como um dos principais iniciadores desse desastre, ao aparentemente fecharem contas e deletarem faixas que acredita infringir seus direitos autorais. A Mixmag informou que o SoundCloud disse a um usuário que a Universal removeu as músicas dele e “que o SoundCloud não teve nada com isso”. Quando o produtor quis saber o que tinha acontecido, ele foi informado que “eles (Universal) não contam para nós (SoundCloud)” que parte do seu upload era ilegal.

COM A PALAVRA, OS PRODUTORES

Lakim

LAKIM, o produtor de Lynchburg, Virgínia, tem especialmente se pronunciado sobre a remoção de uma de suas faixas, uma remixagem de “New Slaves” do Kanye West. A nota de remoção chegou com uma mensagem dizendo que duas músicas dele haviam sido removidas até o momento – mais uma e sua conta seria fechada. Em consequência disso, LAKIM correu para tirar do ar 10 remixagens similares, que segundo ele tinham mais de 700.000 plays (você pode encontrar todas no Bandcamp). Este número não surpreende, já que sua remixagem de “Lady” do Dwele, uma parceria com o colega produtor Sango, tem 220.000 execuções no momento em que este texto está sendo escrito.

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Em uma breve discussão sobre as remoções, o LAKIM revelou o que o incomoda mais, e não tem nada a ver com seu trabalho ter sido removido. “O que está mais me chateando é que o SC está negligenciando a comunidade que os tornou famosos e os colocou onde eles estão agora”, ele disse. “Sinto que eles estão fazendo esses acordos com as majors para tentar livrar a cara e fugir de processos gigantescos”.

Ele chegou a dizer que a questão não é apenas o SoundCloud, mas as grandes gravadoras em geral porque “eles sempre tiveram medo de se adaptar e acho que estão encarando essas remixagens de forma errada”. Os produtores certamente atraem atenção com essas remixagens, disse ele, porém elas também levam a uma “maior exposição e promoção gratuita dos artistas que estamos remixando.”

“Nós estamos deixando uma música mainstream e mega comercial mais palatável para o ouvinte médio cuja principal fonte musical não é o rádio”, disse LAKIM. O “nós” nesse caso é a classe de produtores em geral mas também um grupo de artistas que ele chama de seus irmãos: o Soulection. Ele funciona como um coletivo e como um selo para artistas em geral especializados em música instrumental – o nascente rapper de DMV, GoldLink, se juntou a eles – e em algumas remixagens notáveis. Um dos mais conhecidos membros do Soulection é o Kaytranada, cujas remixagens foram de bootleg para oficiais (Disclosure, AlunaGeorge, etc.) depois de atraírem um grande séquito no, adivinhou, SoundCloud.

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O DJ/produtor de House Kaskade também está entre os artistas frustrados com o SoundCloud – ele recebeu uma nota de remoção de um grupo anti-pirataria contratado pela Sony – e se tornou um dos primeiros produtores de renome a declarar seu descontentamento com o excesso de remoções do site. Suas frustrações começaram com a remoção do seu bootleg de “Summer” do Calvin Harris e logo aumentaram quando mais de 30 notas de remoção pintaram em sua caixa de e-mail. Além de ameaças de deletar sua página do SoundCloud – ela está vivona e com quase 800.000 seguidores – Kaskade alegou em uma eloquente postagem de Tumblr que as gravadoras (nesse caso a Sony) estão fudendo com tudo. Ele afirmou que uma remixagem bootleg que pode ser baixada (e compartilhada!) gratuitamente pode criar muito potencial de negócios para as gravadoras:

“Eles (os ouvintes do SoundCloud) se familiarizam com o artista e vão buscar mais material dele. Talvez comprem este material. Talvez falem sobre ele na internet. Talvez vão a um show. Talvez simplesmente se tornem fãs e contem isso a um amigo”.

Se você entrou em alguma conversa sobre questões de direitos autorais e música na última década, você provavelmente já fez ou ouviu esses argumentos também. E eles certamente são relevantes, mas tem mais coisas ainda sobre isso. Não é o papel de alguém como o Kaskade ou dos milhares de produtores/DJs de quarto criar futuros planos de negócios para as gravadoras. Esse trabalho é das gravadoras, que aparentemente não estão contratando (ou dando ouvidos!) as pessoas certas. Ou, pior, não estão aprendendo com outros modelos de negócio similares que já o fizeram!

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A PARTE DOS NEGÓCIOS

A Bloomberg noticiou em 10 de julho que o “movimentado serviço de música digital” está próximo de firmar acordos com as três majors que restaram: Universal Music Group, Sony Music Entertainment e Warner Music Group. Os acordos garantiriam ao SoundCloud “licenças para continuar executando músicas das grandes gravadoras e evitar potenciais disputas legais”, informou a Bloomberg, enquanto as gravadoras ficariam com entre 3 % e 5% das ações do SoundCloud e com uma parte da receita futura.

Mais adiante no artigo, a grande questão enfrentada pela empresa de Berlim é finalmente revelada: “O SoundCloud não desenvolveu muito bem um modelo de negócios.”

É verdade. À parte de algum eventual acordo de negócios não divulgado, a principal fonte de receita do SoundCloud é o seu serviço de assinaturas. Você pode criar uma conta gratuita, mas com ela você só pode publicar duas horas de música. Avançando para a conta “Pro” (aproximadamente R$ 13 por mês ou R$ 122 por ano) você tem direito a quatro horas; assinando a “Ilimitada” (aprox. R$ 33 por mês ou R$ 238 por ano) e, bem, você pode publicar a quantidade de música que quiser. Não é claro o quanto o SoundCloud está ganhando com esses serviços de assinatura, mas vários sites de negócios reportam que a empresa é avaliada em mais de 1,5 bilhão de reais – cálculo provavelmente baseado em seu potencial e não em sua receita.

É importante notar que essas negociações de licenciamento entre o SoundCloud, as majors e os editores começaram (ao menos até onde sabemos) em março.

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O QUE O SOUNDCLOUD PODE FAZER

Veja o Youtube, que poderia ser chamado de SoundCloud 1.0 quando o assunto é majors arranjando uma forma de trabalhar com criadores e receber o que eles acreditam ser sua justa fatia. Tem lá uma porrada (leia-se: mais do que deveria) de clipes feitos por fãs usando músicas das majors, mas eles têm permissão para existir porque as gravadoras podem monetizar os vídeos e gerar receita a partir desses clipes. É sério.

Em uma entrevista dada ao Toronto Star, o diretor global de negócios digitais do Universal Music Group, Francis Keeling, revelou que esses clipes feitos por fãs “estão na verdade gerando mais dinheiro para as gravadoras do que os vídeos de música oficiais postados por elas.” Enquanto sua reação inicial pode ser “puta merda!”, isso não é tão surpreendente – um vídeo curto e absurdo que usa um trecho de uma música conhecida tem mais chance de se tornar viral do que um clipe de música de quatro minutos.

Um repórter do Gigaom afirmou que o SoundCloud provavelmente irá imitar o YouTube na forma de fazer dinheiro a partir de conteúdo “possuidor de direitos autorais”. Ele escreveu que “com uma abordagem semelhante à do YouTube no tocante à monetização de conteúdo, as gravadoras poderiam passar a fazer dinheiro cada vez que uma mixagem de um DJ de quarto encontra um novo ouvinte”. Se o SoundCloud seguir este caminho, isso significa que ouviremos propagandas antes de cada remixagem, mashup, mixagem, etc.? Seja como for, é melhor que nada, certo? Talvez.

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A questão é, essas notas de remoção não surgiram simplesmente do nada, conforme revela um post de 2011 do fórum Serato. O usuário que iniciou o tópico queria saber se alguém mais tinha recebido essas notas de remoção e de direitos autorais, perguntando: “O SoundCloud não é principalmente para DJs?”. As respostas mostram que já naquela época um número cada vez maior de fiéis do SoundCloud estava ficando cansados dessas coisas e migrando para os concorrentes, no caso o MixCloud. E para os remixadores, o Legitmix oferece um modelo de negócios bacana que beneficia o artista sampleado e o produtor/DJ. A remixagem é vendida por 2,29 dólares, sendo 1 dólar dividido 70/30 entre o remixador e o Legitmix, enquanto os 1,29 dólares restantes cobrem o preço da faixa original no iTunes.

Por que então essa questão do SoundCloud é importante? As consequências para tantos artistas que basicamente ajudaram o site/serviço a se tornar o que ele é hoje. Se você pensar por um segundo que o SoundCloud chegou onde está devido a grandes gravadoras que usam ele, você estará enganando a si mesmo. É claro que ajuda o fato de que todos se beneficiam com o site agora, mas como ficam os produtores e DJs que regeram o momento de surgimento com bootlegs, covers e mashups?

Além do mais, onde tudo isso vai terminar? Se as gravadoras estão tão distantes que estão determinadas a tirar do ar mixagens de DJs e podcasts, o que pode acontecer quando o DJ se apresenta ao vivo e toca uma música da qual ele ou ela pode não possuir os direitos autorais? Devemos esperar algum tipo de polícia da pirataria patrulhando as ruas para cuidar desta aparente questão? Eu sei que isso é retórico, que são questões que beiram o absurdo, mas esta maldita confusão atual já beira o absurdo. É uma ladeira escorregadia que tende a se tornar ainda mais escorregadia.

Voltando ao vídeo da Adidas, Alexander Ljung e Eric Wahlforss pareciam ser dois caras legais tentando fazer a diferença na internet: “O que nós queríamos era criar um espaço na internet que tornasse fácil para as pessoas compartilhar seus sons. Queríamos tornar o som algo tão comum na rede quando imagem, vídeo e texto.”

E agora que eles chegaram lá? Vamos ver o que acontece.

O Andrew Martin mora na Carolina do Norte e é o editor chefe e co-fundador do Potholes In My Blog. Ele está no Twitter - @Andrew_J_Martin