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Música

O que Aconteceu no Festival Moshi Moshi Nippon, no Japão

A Asobi System quer espalhar a cultura Harajuku pelo mundo, e a melhor maneira de fazer isso é criando um festival de pop-idol com penteados, maquiagem, nail art e pinturas de rosto de graça.

O Moshi Moshi Nippon 2014 é um festival de Tóquio que rolou num domingo recente (mais especificamente 28 de setembro) e foi organizado pela Asobi System, a agência responsável por Kyary Pamyu Pamyu. A Asobi System gerencia muitas bandas semelhantes de pop-idol, assim como modelos Harajuku e afins, e o objetivo deles é disseminar a escalafobética cultura Harajuku pelo mundo.

O festival contou com dezenas de artistas pop e DJs em três palcos, e mais uma passarela para desfiles de moda. Kyary Pamyu Pamyu – ALERTA DE SPOILER – foi a queridinha das manchetes, é claro.

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A Asobi System concebeu o Moshi Moshi Nippon como uma maneira de divulgar seu nome no exterior; portanto, enquanto o ingresso custou cerca de US$ 35 para os fãs japoneses, os estrangeiros entraram gratuitamente. Mas esquisito mesmo foram as áreas segregadas. Os fãs japoneses foram obrigados a ficar no fundão, ou até mesmo bem longe, nos balcões de segundo e terceiro piso, enquanto os estrangeiros tiveram lugar reservado bem na frente.

Racismo? É claro que não, mas com certeza um pouco equivocado. E talvez também um pouco cínico, já que, é claro, quem estava à frente era mais captado pelas câmeras de vídeo voltadas para o público. As empresas de música japonesas adoram mostrar aos fãs japoneses o quanto seus artistas são populares com os estrangeiros, porque isso os faz parecer mais descolados, e aqui estava uma oportunidade de coletar provas em vídeo desse fato.

Não estou dizendo que a Asobi System também não se importa com fazer sucesso no exterior. Dá para ver como o desejo é sério pelo uso cuidadoso do inglês no anúncio do website:

“THAN MAKING THE BOOM, TO CREATE A CULTURE.

MORE SHOULD BE SEND TO THE ERA OF NOW ‘PLAY’”

[DO QUE FAZER A ONDA, CRIAR UMA CULTURA.

MAIS DEVE SER ENVIAR PARA A ERA DO AGORA DÊ 'PLAY']

De qualquer forma, perguntei a alguns dos estrangeiros no público o que tinham achado do festival, e mais tarde contarei o que responderam.

O evento atraiu 15.000 pessoas, cerca de 3.000 das quais não eram do Japão (de acordo com aquela sempre confiável fonte de estatísticas, Kyary Pamyu Pamyu). Além de tudo o que aconteceu nos palcos, havia estandes vendendo roupas usadas por modelos em filmagens, ou oferecendo gratuitamente penteados, maquiagem, nail art, pinturas de rosto e outras coisas – daria para chegar lá pelado, porque tudo o que um fashionista poderia desejar havia lá. A área de mídia era um hospício de jornalistas especializados em música, blogueiros de moda e pessoal de programas matinais de variedades.

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O festival atraiu um pessoal bem heterogêneo, composto de fãs de pop-idol (normalmente, homens mais velhos e suados), vencedoras de concursos de beleza e bonitões musculosos com estilos malucos. E também adolescentes com uniformes escolares: às vezes era difícil saber se estavam usando seus uniformes mesmo ou se era apenas uma questão de estilo.

Mas quase certeza que esse cara (Nishimura Hiyokochang) não usa essa roupa todo dia.

Falando em estudantes, o primeiro show no palco principal foi do Tempura Kidz, um grupo de dançarinas pré-adolescentes ultra-adoráveis vestindo umas roupas insanas, que também dançam para Kyary Pamyu Pamyu. Apesar da idade, são dançarinas incrivelmente precisas.

Dempagumi.inc é um pessoal um pouquinho mais velho, mas o show delas foi como um tumulto numa festa infantil. A música é uma combinação excelente de rock com idol pop, com músicas que têm umas viradas inesperadas típicas de rapsódias e são explosivamente divertidas.

As meninas do Dempagumi.inc também participaram de um show de moda. Esta aqui é Ayane "Pinky" Fujisaki fazendo a pose mais maneira da história das passarelas.

Os shows de moda eram agrupados por coleção ou revista. Alguns eram relativamente recatados, ao passo que outros explodiam com as cores vibrantes e estilos ousados que se espera dos Harajuku. Estas duas fotos são de uma coleção da revista Zipper.

Os fãs também tinham seu próprio lance de moda. A maioria dos estrangeiros com que conversei morava no Japão, de modo que eles estavam bastante em dia com os estilos locais. As garotas, especialmente, fizeram um esforço para replicar o look Harajuku.

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O que chega bem perto do original…

As pessoas se pavoneavam mais no shopping a céu aberto em frente à entrada, onde DJs tocavam batidas electro-pop em um palco menor. Esta área também foi usada pelos grupos idol menos famosos do event, para fazer uma social com o público e atender os fãs. Grupos como Predia promoveram eventos para cumprimentar os fãs que haviam comprado alguma coisa no estande de produtos com a marca do grupo.

Este grupo, Luce Twinkle Wink, estava autografando fofinhos peixes dourados infláveis que os fãs haviam colhido em um tanque, numa versão do tradicional jogo "matsuri" (de festivais) de "kingyo-sukui".

Fui ver o show do Luce Twinkle Wink mais tarde, e foi genuinamente horrível. Mas aqui está um consumidor satisfeito.

Para falar a verdade, tudo o que vi no palco intermediário foi horroroso. Eram bandas de pop-idol realmente de quinta categoria, que são desconhecidas no Japão e provavelmente vão continuar a ser. Depois de tanto esforço para atrair um público estrangeiro, pareceu um pouco estranho agendar um elenco com tão poucas chances de interessá-lo.

Este grupo é chamado Camouflage, presume-se que por usarem trajes tão sutis que passariam despercebidos em qualquer ambiente.

E também, apesar da atmosfera de festival, havia uma sensação forte de que eles estavam apenas nos vendendo produtos. Patrocinadores como a Live DAM Karaoke tiveram longos segmentos no palco principal, ao passo que muitos dos estandes pertenciam a marcas que usam Kyary Pamyu Pamyu em suas propagandas. A Live DAM Karaoke é uma destas, na verdade, e também uma empresa agenciadora de empregos e esta marca de pasta de dentes.

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Ainda assim, o show de Kyary foi bastante bom. Ela tocou apenas três ou quatro músicas, incluindo a obrigatória "Fashion Monster", que é um exemplo corajoso de produção de house music misturada com uma melodia pop pura, e que ficou excelente no sistema de som com presença pesada do baixo. Vi Kyary em dois outros festivais neste verão, mas o Moshi Moshi Nippon teve um público mais caseiro, e por isso ela pareceu estar mais à vontade.

Então, o que acharam os estrangeiros que estavam no público? As opiniões foram variadas.

Max (dos EUA, aqui à direita): "Posso ser sincero e dizer que achei isso um desastre? É um puta de um desastre, do início ao fim. Todos os estrangeiros que estão aqui já moram no Japão, mas ainda assim todos estão sendo tratados como turistas no primeiro dia de viagem ao país. A música aqui não é pior do que a música pop americana, mas é o tipo errado de música para um público estrangeiro. O Japão tem um monte de bandas maneiras, fazendo música interessante, de vanguarda, e nos shows delas você já vê uma mistura de japoneses e estrangeiros. Aqui estou vendo basicamente bandas idol, não muito diferentes entre si."

Anthony (da França, no meio): "Vim aqui para ver Kyary Pamyu Pamyu. Tem só cinco meses que moro no Japão, então essa é a primeira vez que venho vê-la. O resto da música é meio diferente… Diferente no bom sentido, acho. Entramos de graça, o que é meio esquisito, porque os japoneses tiveram que pagar. Por quê? Eu me sinto culpado com isso. Também não gosto de ficar em uma área exclusiva para estrangeiros."

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Ashiya (Rússia): "Eu vim porque era de graça, e achei que parecia interessante. Gosto de Kyary Pamyu Pamyu, mas todos os outros artistas vi pela primeira vez. Achei divertido. Mas não fui para a área dos estrangeiros. Acho que não é necessário, porque é como uma discriminação. Acho que é mais legal se os japoneses e estrangeiros puderem ficar juntos.”

Simon (Inglaterra): “Acho que eles estão tentando promover a cultura japonesa ao redor do mundo, mas é um pouco esquisito realizar o evento no Japão, porque todo mundo aqui já está no Japão, e já conhece a cultura japonesa."

Undrakh (Mongólia): "Gostei de entrar gratuitamente, e também de uma seção privada para os estrangeiros, porque é a única ocasião em que recebemos um tratamento especial no Japão. Foi tipo estar em um país estrangeiro."

Quanto a mim, acho que parte do que os organizadores fizeram foi útil para gerar interesse em um público estrangeiro, mesmo que estes já estejam morando no Japão. Tudo, desde o nome dos artistas até as informações sobre o espaço em que foi realizado o evento, estava disponível em inglês, o que facilita para os estrangeiros que não falam japonês, e, é claro, a entrada grátis foi essencial para atrair aqueles com apenas um interesse passageiro pelo J-pop.

A segregação das áreas, porém, foi uma ideia terrível, e deu uma sensação bastante sinistra. A ideia de que você convidaria 3.000 estrangeiros sem ter um bar que vendesse álcool em nenhum lugar do evento é insana – os organizadores poderiam ter lucrado mais do que com o dinheiro dos ingressos apenas com a venda de bebidas, e a atmosfera com certeza teria sido menos formal. E oito horas de idol pop é o suficiente para testar os nervos de qualquer um.

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Mas, como festival de espetáculos, foi um sucesso. Espera-se que a Asobi System abandone algumas de suas práticas mais bizarras se o Moshi Moshi Nippon acontecer de novo no ano que vem.

Ah, e não para me gabar, mas finalmente pude conhecer Kyary Pamyu Pamyu em carne e osso. Bom, tipo isso.

Daniel Robson é o especialista em música japonesa do Noisey – dando uma atenção incansável à cultura pop verdadeiramente peculiar da ilha. Aê! Siga-o no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler