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Música

O Que a Mixtape do Kurt Cobain nos Diz Sobre Ele

Montage of Heck tem uma compilação de sucessos do rádio, diálogos de desenhos e os sons de alguém (o Kurt?) fazendo diversas coisas com um vaso sanitário.
Emma Garland
London, GB

Frenesi maior não há que o da blogosfera quando descobre alguma novidade (mais ou menos) sobre Kurt Cobain. Já atacamos seus lados B e seus diários, tentando ter uma experiência completa de Cobain por meio das coisas (e das pessoas) que ele deixou para trás; mas, na semana passada, tornou-se universalmente conhecido o fato de que ele, em algum ponto de sua vida, fez uma mixtape. Naturalmente, ela se tornou o grande alvo da punhetolândia coletiva da internet, por motivos de aimeudeus.

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A mix, chamada de "Montage of Heck", foi lançada pelo Dangerous Minds no Halloween, mas a maioria das pessoas estava demasiado ocupada dia-das-bruxando para se dar conta. Depois que a ressaca universal arrefeceu, ela foi reproduzida em todos os cantos e classificada como uma "nova" mix. Naturalmente, não é nova coisa nenhuma. Ela se encontra disponível no Live Nirvana desde 2006, e ao que parece eles a herdaram de um post de 2002 no digitalnirvana, então tecnicamente tem peregrinado pelo fórum público durante os últimos 12 anos. Tão a cara da internet! Ainda assim, só um verdadeiro cínico destruiria toda a nossa diversão usando uma arma trivial como os fatos. É justo dizer que a maioria das pessoas não passa o tempo vasculhando arquivos do Nirvana por aí, então fodam-se todos os corta brisa – tratemos a coisa como se fosse nova mesmo.

Ao que consta criada por Cobain por volta de 1987 (de acordo com a ex-namorada Tracy Marander), Montage of Heck tem uma compilação de sucessos do rádio, diálogos de desenhos e os sons de alguém (o Kurt?) fazendo diversas coisas com um vaso sanitário. Talvez pareça bizarra a quem só conhece o Nirvana pelos discos, mas para todos que tenham cavado um pouquinho mais fundo – lido seus diários, assistido a todos os documentários, sem exceção (inclusive o questionável Kurt & Courtney) ou gastado tempo debatendo o significado das letras – a mix simplesmente parece a extensão de alguém que eles já reconhecem; alguém que era igualmente fascinado por vômito e pelos Flintstones.

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Feita com um gravador two-track (novamente segundo Marander), a mixtape é irritante pra caralho, já que só toca tipo uns dez segundos de cada coisa, mas é esse o motivo dela ser brilhante pra caralho. Costumamos usar as mixtapes como uma maneira de nos apresentar, criar um vínculo, flertar… colocamos uma faixa depois da outra como passos que pisam um caminho reto. A natureza frenética e dinâmica da mix de Cobain sugere um nível de cuidado e criatividade que muitos de nós jamais teriam o menor saco de dedicar. Ele basicamente pegou a técnica "copiar e colar" de William S. Burroughs e a aplicou ao som.

Por sua própria natureza, as mixtapes são inerentemente pessoais. Montage of Heck é um álbum de recortes abrasivo, quase psicótico, e hilário, que proporciona um vislumbre quase desconfortável da vida de Kurt Cobain naquele tempo. Não é algo de natureza comercial, nem muito bem pensado; é um tipo diferente de projeto criativo, empreendido quase que apenas para desfrute pessoal. Caso as datas estejam corretas, ela teria sido montada durante os preparativos para o primeiro disco do Nirvana, Bleach, lançado em junho de 1989.

Bora dar uma olhada no que esconde por trás de algumas de suas escolhas, ao menos para mostrar à minha mãe que aqueles dois intensos anos da adolescência que passei rabiscando letras pelo meu quarto inteiro com giz de cera e relendo Mais Pesado Que o Céu não foram um completo desperdício de tempo.

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The Beatles - “A Day In The Life”

Talvez o maior mito a respeito de Kurt Cobain seja o de que ele não queria ser famoso. Isso é besteira. Ele totalmente queria ser famoso. De acordo com a [biografia de Christopher Sandford](http://books.google.co.uk/books?id=jxojuLe8pkC&pg=PT27&lpg=PT27&dq=kurt+cobain+requested+own+song+radio&source=bl&ots=DJ1qsTKssH&sig=W7GQ84jsydc5mzRxi3PKa10r5gc&hl=en&sa=X&ei=fkdaVNAA_iNsQT8vIGYAw&ved=0CEAQ6AEwBQ#v=onepage&q=kurt cobain requested own song radio&f=false), ele era o tipo de pessoa que ficava horas sentada no carro esperando que "Love Buzz" tocasse no rádio e então dava um chilique quando tocava. Ele queria vender discos sem virar um vendido. Faz todo sentido, então, que odiasse Paul McCartney mas amasse os Beatles pra caralho. Embora o Nirvana tenha surgido na cena grunge de Seattle, o que diferenciava a banda de Melvins, Mudhoney, Alice in Chains e outras foi ter mantido toda a agressividade visceral do grunge mas reestruturá-la na forma de canções pop. As melodias, os ganchos, refrões do Nirvana… são todos puro pop, e você pode em grande parte dar graças aos Beatles por isso. Tendo ganhado discos dos Beatles de presente de suas tias, a música deles se tornou uma influência pioneira e duradoura, em parte por causa de sua simplicidade. Cobain mais tarde confessaria ter escrito "About A Girl" depois de passar três horas ouvindo _Meet The Beatles!_

The Barbarians - “Are You a Boy or Are You a Girl?”

É possível falar de Kurt Cobain sem falar de sua sexualidade? Provavelmente não. Tem gente que acha que ele era gay, outros defendem a opinião controversa de que usar vestidos regularmente não significa absolutamente nada além de "ei, tinha um cara lá usando umas roupas". Independentemente de qual seja a sua opinião, o debate a respeito da "masculinidade" e da aparência foi algo que teve uma presença bastante pesada em sua vida (ele conta, no documentário About A Son, ter sido zoado no colégio por supostamente ser gay), seja por usar várias calças jeans ao mesmo tempo para parecer "maior" ou por rejeitar o visual da Camiseta de Hockey Perpétua dos anos 90 em favor de um vestido de boneca. Kurt estava tão metido com feminismo e riot grrrl quanto a Kathleen Hanna do Bikini Kill (infamemente responsável por pichar com spray "Kurt Smells Like Teen Spirit" na parede de um camarim, e criar as palavras que assombrariam o Nirvana por todo o sempre). Levando tudo em conta, essa faixa de rock garagem dos anos 60 é uma escolha bem carregada. Ou, sei lá, vai ver é só uma música maneira mesmo ¯\_(ツ)_/¯

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Queen - “Get Down, Make Love”

Isso não é bizarro e nem surpreendente. O amor de Kurt pelo ABBA foi bem amplamente documentado, e claramente o Queen é um passo lógico para o lado, numa direção de maior bom gosto. Deixando para lá o fato de que todo filho da puta nesse mundo ama o Queen, não me diga que você não consegue ver uma similaridade glamurosa entre Freddie Mercury e Kurt Cobain chegando para entrevistas vestido como se tivesse acabado de sair de um desfile de carnaval.

"Tema do The Andy Griffith Show"

Kurt Cobain era obcecado pelo clássico da TV dos anos 60, The Andy Griffith Show, e por seu retrato da idílica América das cidades pequenas. Sua música "Floyd The Barber" imaginou alguns dos personagens do programa – Floyd, Barny, Opie e Tia Bea – como assassinos completamente psicóticos que torturavam qualquer um que aparecesse para fazer a barba. Um boato cult: quando o corpo de Cobain foi encontrado, a televisão estava ligada num canal que reprisava The Andy Griffith Show.

Butthole Surfers - “The Shah Sleeps in Lee Harvey’s Grave”

Essa é a minha favorita das três faixas do Butthole Surfers que aparecem na mix, principalmente pela cataclísmica massagem do próprio ego no final. Eles podem não ter alcançado as mesmas alturas comerciais que o Nirvana (quando você faz um show completamente pelado, atrás de você passando um vídeo de cirurgia de pênis e tendo consumido todo o carregamento de ácido do universo, a MTV tende a manter distância), mas, sem eles, não haveria Nirvana. Não que as duas figuras sejam inteiramente semelhantes (embora ambos tenham ido para a clínica de drogaditos juntos), mas até mesmo essa mix é cheia do mesmo humor nojento e do ruído implacável que são a base de absolutamente todas as coisas que o vocalista Gibby Haynes já fez. Na verdade, essa mixtape toda parece um pesadelo injetado nos seus ouvidos, vindo direto da aterrorizante imaginação de Gibby. Fato cult: uma vez vi o Gibby Haynes DJeizar um set inteiro de Dolly Parton no Brooklyn Bowl, e foi excelente.

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Mande brasa e explore a lista com todas as faixas e a mix abaixo:

"Montage of Heck" – lista de faixas (não está na ordem)

“The Men In My Little Girl’s Life”, Mike Douglas
“The Sounds of Silence”, Simon & Garfunkel
“Being for the Benefit of Mr. Kite!”, The Beatles
“A Day In The Life”, The Beatles
“Eruption”, Van Halen
“Hot Pants”, James Brown
“Gypsies, Tramps and Thieves”, Cher
“Go Away Little Girl”, Donny Osmond
“Rocky Mountain High”, John Denver
“Everybody Loves Somebody”, Dean Martin
“The Candy Man”, Sammy Davis, Jr.
“In A Gadda Da Vida”, Iron Butterfly
“Wild Thing”, William Shatner
“Taxman”, The Beatles
“I Think I Love You”, The Partridge Family
“Are You a Boy or Are You a Girl?”, The Barbarians
“Queen Of The Reich”, Queensryche
“Last Caress/Green Hell”, cover do Metallica
“Whole Lotta Love”, Led Zeppelin
“Get Down, Make Love”, Queen
“ABC”, The Jackson Five
“I Want Your Sex”, George Michael
“Run to the Hills”, Iron Maiden
“Eye Of The Chicken”, Butthole Surfers
“Dance of the Cobra”, Butthole Surfers
“The Shah Sleeps in Lee Harvey’s Grave”, Butthole Surfers
“New Age”, The Velvet Underground
“Love Buzz”, Shocking Blue
Música orquestral do filme 200 Motels, de Frank Zappa
“Help I’m A Rock” / “It Can’t Happen Here”, Frank Zappa
“Call Any Vegetable”, Frank Zappa
“The Day We Fall In Love”, The Monkees
“Sweet Leaf”, Black Sabbath (intro)
Tema de The Andy Griffith Show
Mike Love (do Beach Boys) falando sobre "Meditação Transcendental"
Excertos de Jimi Hendrix falando no Monterey Pop Festival
Excertos de Paul Stanley do Alive!, do KISS
Excertos de Daniel Johnston gritando sobre Satanás
Excertos de gravações de efeitos sonoros
Diversos discos infantis (Curious George, Sesame Street, The Flintstones, Star Wars)

Siga a Emma no Twitter: @emmaggarland

Tradução: Marcio Stockler