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Música

O Emperor Voltou Para Reinvidicar o que É Seu Por Direito

Apesar da aura de intolerância e violência que foi criada em torno do black metal, conversamos com Ihsahn, do Emperor, que, tantos anos depois, está muito mais maduro e humilde.

De 1991 a 1994, a cena black metal norueguesa contribuiu com tanta profundidade para a história do gênero quanto com aquilo que será sempre associado com este tipo de música (seja justificadamente ou não): intolerância e violência. Ao passo em que os shows do Mayhem e o eventual lançamento de seu álbum De Mysteriis Dom Sathanas são vistos como marcos no gênero, estes momentos são inseparáveis da sombria realidade das coisas, como o suicídio de seu vocalista, Dead, o assassinato do guitarrista Euronymous por um integrante passageiro da banda, Varg Vikernes, um racista fanático de fama bem documentada, e o sem-fim de documentários, ensaios e entrevistas que surgiram na esteira de sua saída da prisão. Tão influente e inovador no escopo de sua música, mas ainda assim ligado a essa apavorante realidade, o Emperor trouxe um tipo de beleza orquestral à outrora carnificina desolada da estética do black metal.

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O integrante mais jovem da banda, o vocalista e guitarrista Ihsahn, tinha 17 em julho de 1993, quando a banda gravou seu álbum de estreia, mas ainda assim soava como uma voz atemporal dos mais obscuros recessos de algum tipo de existência mítica. Não há nada de remotamente inocente ou ingênuo na sonoridade do primeiro disco do Emperor, e os vinte anos desde seu lançamento serviram para solidificar ainda mais seu lugar na história da música extrema. In the Nightside Eclipse é uma obra-prima sem paralelos cuja influência tem mostrado continuamente toda sua amplitude e alcance nos anos após sua chegada. Agora, com a banda reunida brevemente para tocar o clássico na íntegra em alguns festivais europeus, a música do Emperor não é a única coisa que mudou desde a apresentação de seu debut ao mundo. Seus próprios integrantes também se encontram a duas décadas de distância de um ano em que o black metal, junto da imprensa que acompanhava seus artistas, começaram a se deleitar no sensacionalismo das controvérsias derivadas das ações deploráveis e imperdoáveis daqueles que não eram muito mais que marginais e assassinos.

Infelizmente, o começo da cena black metal norueguesa deu muita atenção para indivíduos que investiam pouco tempo na música e muito mais em serem pessoas horrorosas. Não há o que se discutir sobre os detalhes do assassinato de Magne Andreassen em 1992 pelas mãos de Faust, baterista do Emperor, nenhuma desculpa plausível ou relativização que o tempo possa dar para desfazer a terrível realidade. Da mesma forma, não há muito mais que se possa dizer para justificar a importância do In the Nightside Eclipse enquanto obra musical de brilho incomparável, e este fato oferece um tipo de esperança na atemporalidade do disco em si. Ouvir o poder magistral da música criada por muitos artistas cuja vida pessoal desviou de caminhos remotamente compreensíveis ou mesmo redimíveis causa tanto conflito quanto o tempo permite em sua lenta, porém certeira, erosão do insignificante.

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Ao falar com o Ihsahn, cujo trabalho fora do Emperor mostra um artista inabalável em sua produtividade criativa, o retrospecto dado pelo tempo e amadurecimento lhe concederam uma cativante humildade e honestidade. Toda e qualquer percepção sobre uma possível personalidade teatral foi rapidamente eliminada nos primeiros segundos de conversa com um músico agora próximo dos 40 anos e cada vez menos afeiçoado em olhar para o passado e mais focado no que o espera a frente, em termos pessoais e musicais.

Noisey: O Emperor atualmente está com a presença confirmada em diversos festivais e ocasiões, e essas performances são especialmente únicas por conta do 20º aniversário de In the Nightside Eclipse, que a banda tocará na íntegra.
Ihsahn: Acho que desde que nos separamos houve uma demanda mais ou menos constante de “e se” e “você estaria interessado nisso ou naquilo” durante boa parte do hiato. Fizemos alguns shows em 2006 e 2007, que aliás começaram como algo que deveria ter rolado só uma vez e acabou durando bem mais. Agora não é segredo algum que estive relutando em fazer shows de reunião do Emperor, basicamente porque tenho um foco maior em meus próprios projetos, e preferiria gastar meu tempo sendo criativo dessa forma ao invés de voltar aos velhos tempos para ganhar um dinheirinho. [Risos] Mas é o 20º aniversário, o Samoth veio tomar um café comigo – acho que em algum momento de 2012 - e disse: “Está chegando o 20º aniversário. Já são quase 20 anos desde que gravamos o Eclipse. Valeria a pena fazermos algo?”. E é claro que é um disco importante para nós – eu e ele – porque foi meio que nosso primeiro álbum. Digamos que foi quando começamos a levar tudo mais a sério. Também foi quando pudemos ter o privilégio de começar a fazer isso pra viver, contra todas as chances, por 20 anos. Para nós, valia uma celebração, o que também nos deu a oportunidade de não nos repetirmos. Nosso critério, ao menos de minha parte, era não fazer nada disso parecido com o que havia acontecido antes. Queria que fosse algo mais limitado, para não fugir ao controle, e achei muito bacana que pudemos ter Faust na bateria de volta e poder absorver por completo o álbum na íntegra e não fazer algo do tipo best-of como aconteceu no passado. Entrar no clima e celebrar isso por nós mesmos, mas ainda assim entendemos que Eclipse é um disco especial com qual as pessoas se relacionam de um jeito especial. E há também os fãs novos que acabaram curtindo essa coisa que fizemos na juventude, então sabemos do privilégio que é fazer tudo isso. Geralmente cito Ford Fairlane, o detetive do rock’n’roll, que diz “Algumas pessoas se fazem de difíceis. Eu nem preciso”. Era isso que nos movia antigamente. [Risos]. Não fazíamos absolutamente nada pra que gostassem de nós e não tínhamos quaisquer ambições comerciais. Era tudo bem às avessas naqueles tempos. O fato de ainda podermos tocar esse álbum após 20 anos e sermos headliners em alguns destes festivais, é bastante bizarro. Então simplesmente vale o festejo.

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Como você vê a mudança nos fãs no decorrer anos e até mesmo como essas percepções do heavy metal mudaram desde que você começou a tocar esse tipo de música?
Penso que o black metal em particular ficou mais neutro como muitos outros subgêneros do metal ou a música em geral, na verdade. Você surge como um novo fenômeno, e gradualmente surgem novos direcionamentos. Algumas pessoas fazem algo de novo, outras copiam, e a coisa se dilui. Fica neutra. Muitos dos envolvidos com este gênero, originalmente, fazem muitas outras coisas interessantes. O black metal em si mudou, mas acho que a música extrema – é mais uma questão de toda a indústria da música ter mudado. Isso é meio o que há de mais relevante se comparamos o black metal antes e agora. Comparando a nossa situação, diria que quase toda a nossa carreira se construiu nesse tipo de mística. Ninguém sabia porra nenhuma sobre a gente. Éramos só uns noruegueses doidos de um lugar que a maioria das pessoas nem tinha ouvido falar, fazendo esse estilo extremo de música com uma maquiagem esquisita. [Risos]. Ninguém sabia de nada. Enquanto hoje você pode entrar em contato com grandes astros pelo Twitter ou Facebook ou seja lá o que for. Não há mais privacidade. É uma época difícil de ser um artista misterioso do black metal, acho. Seria difícil criar esse nicho novamente, se você fosse uma banda nova começando hoje. [Risos]

Essa mística era obviamente uma das maiores dinâmicas naqueles primeiros dias do black metal, e como você disse, boa parte dela se foi. Isso cria uma espécie de entrave criativo ao menos na estética black metal?
Se você observar a coisa do ponto-de-vista da indústria, a internet é um lixo, mas não há como derrubá-la, há? Existem pontos positivos também. A situação simplesmente mudou. Há muitos benefícios em se descobrir coisas novas, mas é algo que desafia as pessoas dentro deste gênero porque no começo dos anos 90, esse era o jeito natural de encarar tudo, e é claro, há a experiência ávida destas duas extremidades. O metal, como um todo, sempre foi muito teatral e deve ser algo fora do comum mesmo. Foi algo que surgiu já em perigo no começo dos anos 90 com toda a teatralidade do black metal e o movimento grunge que era muito mundano e pé no chão. Hoje em dia não existem mais essas estrelas do rock, não do mesmo jeito. O que, em termos práticos, é muito, muito bom. Mas o mesmo tempo, adoro como ainda temos gente como o Prince por aí, que vivem em seu próprio mundinho de estrelato. [Risos]. Há algo de fascinante nisso. É como quando vejo uma obra de arte, não dou a mínima pro que o cara jantou ou se estava malhando. Mas a ideia é que se se foi uma ilusão antes ou agora, era pra ter sido assim. Eu lembro, enquanto fã de música, quando vi meu primeiro show do Iron Maiden, aquela sensação de estar dentro daquelas mesmas quatro paredes, mesmo sendo um show enorme, eu estava ali, respirando o mesmo ar que o Iron Maiden. Tive o prazer de conhecer alguns dos heróis da minha infância, e eles são pessoas bem legais, mas isso meio que muda a sua perspectiva. Às vezes é bom manter essa distância e ter essa experiência meio fora do comum. Você não precisa de tudo. Quando você faz uma bela refeição em um restaurante, você não quer saber da receita completa. Só quer curtir aquilo. [Risos]

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Como você vê a sua evolução como músico?
No começo, quando se é jovem, acho que você se distancia de um monte de coisas pra focar em uma só do tipo “se não é metal, não presta”, sabe? Esse lance. Parei de me limitar tanto criativamente quanto como ouvinte. Atualmente divido a música apenas em se me conecto a ela ou não, o que deixa um espaço bem aberto para o que me influencia e o que posso fazer com a minha música e o que escuto. É realmente difícil dizer o que, de fato, mudou. Eu poderia dizer que hoje sou menos confiante com o que faço agora, porque quanto mais experiência, maior a autocrítica. Quando gravamos o Eclipse, entramos no estúdio sem experiência nenhuma, mas 110% de segurança. O jogo vira um pouco com o tempo quando você começa a analisar tudo e ver seu trabalho de forma diferente e se torna mais crítico, o que é bom. Claro que a minha expressão mudou muito, minha abordagem. Por alguma razão, acredito, ao menos é como me sinto, mas especialmente nos meus últimos três álbuns [solo], tenho tido uma maior consciência de que a energia e a fonte de inspiração é praticamente a mesma de 93 ou até mesmo antes. Soa até banal, de verdade, que cada disco que eu tenha feito pareça ser uma interpretação diferente desse tipo de fonte primordial. Acho que é algo que foi engatilhado desde que eu era um moleque, ter esse tipo de necessidade. E você falou disso na questão anterior, sobre a “necessidade” de fazer isso, e é algo que tenho muita sorte em fazer. Ser da Noruega e ter uma carreira na música de alguma forma reconhecida é algo irreal e ainda mais com o black metal. [Risos] Ao mesmo tempo, parece que eu não tive muita escolha. Isso me afeta. Se eu não puder tocar e entrar em estúdio pra criar, me afeta física e mentalmente. [Risos]. É uma motivação muito, muito forte.

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Lembrando daqueles meses ou anos que levaram a compor e graver aquelas músicas, você vê o processo criativo da banda como algo consciente ou foi puramente instintivo em que cada integrante estava explorando seu próprio inconsciente primordial?
Você provavelmente suspeita que foi meio que uma mudança súbita em toda a nossa atitude quando começamos a compor este disco, mas ao mesmo tempo pareceu tudo muito natural, se é que isso faz sentido. O black metal em 93, quando gravamos o álbum, não era nada. Tínhamos muitas ambições artísticas de fazê-lo um disco grandioso e com todas estas imagens, mas não havia nenhuma ambição comercial porque não tinha nem como. [Risos] Esse gênero não era bem uma escolha de carreira. Em 1991, quando começamos o Emperor, entre as melhores escolhas de carreira, provavelmente esta estaria bem lá embaixo. [Risos] Para nós era só parte de um amadurecimento, de trabalhar com nossa música e no estúdio, parte da coisa toda.

No processo de fazer este relançamento, Samoth e eu ouvimos dezenas de fitas, de ensaios e tudo mais, e ouvir estas fitas – tudo que se pode ouvir no disco – era assim que ensaiávamos. São os mesmos andamentos, os mesmos fraseados. Foi tudo praticamente criado nos ensaios, bem diferente do que fazemos agora. E também, quando o disco saiu, era tudo muito underground. Algumas pessoas nos perguntarão como lidamos com o sucesso da noite pro dia do Eclipse, e nós pensamos: “Por que não estivemos lá?” [Risos]

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Como é o seu processo criativo da gênese de uma ideia até o produto finalizado? É muito diferente de quando você tinha 19 ou 20 anos?
Não acho que seja tão diferente. Eu tento fazer diferente, mas sempre volto ao mesmo lugar, ao fato de que quando era mais novo, não tinha a mesma experiência, então quando compunha algo em minha guitarra, focava em como soava e que sensação dava. Claro que quando você toca e compõe ao longo de 25 anos na guitarra, a memória muscular dos meus dedos, o ato de me ver tocando, me farão sentir como se estivesse me repetindo. Então a minha abordagem continua mais ou menos a mesma, mas agora tento enganar minha mente além do lado analítico em que digo “já fiz isso antes? Estou me repetindo? Entrei num loop de não-expansão?”. Agora eu venho compor, e por isso gosto de ter comigo uma guitarra de oito cordas, porque ela fodeu completamente minha experiência de lidar com guitarras de seis e até mesmo sete cordas. Porque não dá pra tocar os mesmos acordes em uma guitarra de oito cordas, ou então eles ficam uma bosta, no mínimo. Você tem que tratá-la como um baixo, então se você afina em fá maior, há uma série de oportunidades nas partes superiores com cordas soltas e todo o resto. Mas basicamente tento enganar minha cabeça para agir como se não tivesse experiência. Vou direto à fonte e escuto como a coisa soa e como me faz sentir ao invés de ser prático demais com tudo a respeito do som e se já foi feito, se isso faz algum sentido.

Vocês deixaram bem claro que estes shows comemorando o 20º aniversário do In the Nightside Eclipse são exclusivamente com esse propósito. O futuro guarda alguma possibilidade de uma reunião de verdade do Emperor e novas músicas?
Não mesmo, não mesmo. Não consigo ver um motivo para isso. Não que acho seria algo natural ou criativo, e não digo isso em desrespeito aos outros caras que tocam comigo. Mas se você parar pra ouvir o que Samothy faz agora, há uma diferença enorme entre o que ele faz e o que eu faço. Acho que, musicalmente, podemos nos juntar e tocar as coisas que criamos quando essas diferenças musicais eram construtivas. Se dependesse de mim, o Emperor de agora soaria como meu trabalho solo. Não que eu fosse chamá-lo de Emperor, porque aí não seria Emperor mesmo. Pra mim seria só uma marca diferente na frente porque já me expresso da forma que quero com o metal. Gravar um novo álbum seria tentador, claro, em termos financeiros. Trata-se de uma marca conhecida e provavelmente muito poderia ser feito em termos de merchandising, mas ao mesmo tempo, é algo que não queremos comprometer. Acho que tanto com o Emperor quanto o que fizemos além dele, estou muito consciente sobre o acordo mútuo com meus ouvintes, que pegam meu disco e o escutam e tornam isso possível. Não quero me enganar, e não quero sacanear ninguém. Então sempre que gravo um disco tento sinceramente fazer o meu melhor, e não acho que faço o meu melhor quando começo a pensar no que as pessoas querem ou esperam de mim e por aí vai.

Se fizéssemos isso com o Emperor ou fora dele, as pessoas farejariam a desonestidade. Também não é uma questão de ego. Claro que é muito egoísta da minha parte, de um jeito bom, fazer exatamente o que quero, mas ao mesmo tempo acho que é a forma mais honesta de lidar com isso. Se as pessoas querem fazer música que outras esperam ter e que o mercado quer, esse é outro gênero e outra indústria. [Risos] Quem quer que o Emperor volte, não sei se sabe bem o que está pedindo. Que tipo de disco seria? Seria algo que poderíamos fazer de forma honesta em 2014 e 2015? Seria fácil para nós fazermos um disco que soasse como os antigos na pegada do Eclipse ou Anthems ou o que fosse, mas quem iria querer isso? Não faria sentido, e acho que no final das contas, as pessoas respeitam isso. Como quando você envelhece e algumas pessoas passam a pensar “Poxa, queria ser jovem de novo”. Não vai acontecer, mas é algo bom de se pensar. Mas ao mesmo tempo, se você fosse jovem mais uma vez, você não gostaria de passar por toda aquela merda de novo. [Risos] É tipo isso, e penso que isso cria um pouco de confiança entre nós, artistas, e o público.

Jonathan Dick mora na escuridão e/ou Alabama. Siga-o no Twitter - @steelforbrains

Traduzido por: Thiago “Índio” Silva