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Música

Dez anos atrás, ‘Loose’, da Nelly Furtado, devorou a música pop

Em 2006, a luso-canadense deu uma guinada na carreira e convidou Timbaland para ajudar a criar uma das pérolas do pop do novo milênio.

Provavelmente já faz um tempo que você não ouve e nem lembra do disco Loose, da Nelly Furtado. A cantora canadense hoje em dia parece levar uma vida bem discreta, e seu terceiro LP, cujo lançamento completou 10 anos neste mês, ainda não é antigo o bastante para ser objeto de uma redescoberta nostálgica, como o Tragic Kingdom, do No Doubt ou o Jagged Little Pill, da Alanis Morissette. Mas, ao celebrar seu primeiro aniversário de dois algarismos, parece que chegou a hora de refletir sobre como e por que Loose se tornou um dos discos de música pop definidores de sua era.

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Na verdade, a própria Furtado faz um bom resumo em um dos interlúdios de fala no disco. Ao contar para o Timbaland, o principal produtor de Loose, o porquê, na opinião dela, da parceria dar tão certo, tropeçando nas próprias palavras, ela diz: “Eu sempre disse que se a gente se juntasse… é uma coisa muito louca, porque com as suas batidas, com, tipo, um vocal cheio de emoção? Massa, tá ligado?” Talvez não seja um pensamento muito bem articulado, mas é bastante preciso. Timbaland, é claro, já era um produtor lendário do hip-hop — graças ao trabalho que fizera com Aaliyah e Missy Elliott — muito antes de ser procurado por Furtado; mas, junto com FutureSex/LoveSounds, de Justin Timberlake, que foi lançado alguns meses depois, Loose foi o disco que fez dele a primeira opção de artistas pop que estivessem procurando um som revigorado e mais respeitável. No ano seguinte, ele trabalhou com todo mundo, desde Rihanna até Ashlee Simpson e Duran Duran, e em 2008 foi a vez de Madonna, dessa vez, estranhamente, subindo no bonde um pouco atrasada.

Com seus pupilos Danja e Jim Beanz, Timbaland coproduziu nove das 13 faixas de Loose. Nenhuma delas chegou a morrer na praia, mas, como acontece com a maioria dos discos de música pop, as faixas que tiveram mais destaque foram as que se tornaram grandes sucessos. Tanto o diálogo de “Promiscuous”, de estilo sedutoramente econômico, quanto a estranhamente melancólica balada/batida “Say It Right” chegaram ao primeiro lugar do Billboard Hot 100, ao passo que “Maneater”, perfeita para a pista de dança, fez um enorme sucesso internacional. “All Good Things (Come to an End)”, uma faixa mais lenta, com um sabor de folk, em coautoria com Chris Martin, também fez muito sucesso no exterior, e na época pareceu muito significativa. Agora, ninguém chega sequer a piscar o olho quando Beyoncé faz um dueto com Jack White ou Kanye cola no Paul McCartney, mas, em 2006, a ideia de juntar num mesmo estúdio o cara do Coldplay com o sujeito responsável pelas melhores batidas da Missy Elliott parecia, no mínimo, um pouco exótica.

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“Promiscuous” também fez de Timbaland uma estrela de brilho próprio — lembra do clipe, com ele cantando num celular flip, muito 2006? Foi a primeira faixa com participação dele a se tornar um verdadeiro sucesso pop, e ele a usou como trampolim para o grande sucesso Shock Value, disco lançado no ano seguinte, no qual fez parceria com Elton John, The Hives, Keri Hilson, Nicole Scherzinger e Fall Out Boy, além de um repeteco da parceria Furtado/Timbaland. Por algum tempo, a sensação era de que Timbo e seus bíceps gigantescos estavam em todos os lugares.

Mas seria simplista e totalmente sexista lembrar de Loose como um triunfo só do Timbaland. Foi também um golpe de quase gênio da parte de Furtado, uma talentosa cantora-compositora, que já soltara grandes sucessos como “I'm Like a Bird” e “Turn Off the Light”. Apesar do sucesso logo no início da carreira, Furtado era estranhamente subestimada antes de Loose, e não parecia ser o tipo de artista que se tornava o ídolo de alguém. Mas ela se deu conta, antes de praticamente todo mundo, que juntar as batidas do Timbaland com melodias mais assumidamente pop poderia ser uma coisa “massa”, e teve a esperteza de reinventar sua imagem, para complementar seu som novo e mais cool. Na época, algumas pessoas afirmaram que ela estaria “se vendendo” ou apelando para o mais básico, ao tentar exibir um lado mais sexual de sua persona; mas essas acusações claramente passaram muito longe de acertar o alvo. É verdade que Furtado abraçou a própria sexualidade nessa época, mas foi de um modo que pareceu autêntico para ela mesma, não determinado de fora. Observem Furtado nos clipes de “Promiscuous” e “Maneater”; ela está mostrando a barriguinha sarada, não o traseiro ou o decote.

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É verdade que “Maneater” tem alguns versos que não caem muito bem em 2016. Quando ela canta “move your body around like a nympho” (“mexa o corpo como uma ninfomaníaca”), trata-se, na melhor das hipóteses, de uma escolha infeliz de palavras, e a referência à prostituta vietnamita de Nascido Para Matar, com o refrão “love you long time”, agora também parece questionável. Mas, em outros pontos, a política sexual de Loose é um tanto mais sensata. Em “Promiscuous”, quando Timbo joga um verde, Furtado dispara: "You expect me to just let you hit it / But will you still respect me if you get it?" [“Você espera que eu deixe você deitar e rolar / Mas se conseguir, será que você ainda vai me respeitar?”]. Enquanto isso, um dos destaques do disco, “Glow”, é uma celebração sutil da cunilíngua, e “Do It”, uma faixa que quase parece uma reformulação feita pelo Timbaland de uma música antiga da Madonna, é cheia de uma sexualidade feminina positiva. “I've changed my mind / I'm ready for you this time” [“Mudei de ideia agora / Estou pronta, chegou a sua hora”] canta uma Nelly em chamas.

Vale a pena lembrar também que Loose estava cheio de músicas que não eram de modo algum sobre sexo. “No Hay Igual” é uma delirante música de amor cantada em espanhol; em “Wait For You” vemos Furtado lutando para salvar um relacionamento, e “In God's Hands” lida com o momento em que você aceita que não restou nada para ser salvo. “All Goog Things (Come to an End)” é tão completamente atemporal que é difícil acreditar que ninguém a tenha escrito antes. E “Afraid” é uma jam de auto-empoderamento com a qual ainda podemos nos identificar nessa época de mídias sociais. "You're so afraid of what people might say / But that's OK, you'll soon get strong enough” [“Você tem muito medo do que os outros vão dizer / Mas sem problemas, sua força logo vem”], Furtado canta, nos reconfortando.

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Nem Furtado nem Timbaland conseguiram igualar de verdade os auges que alcançaram na época de Loose. O disco seguinte de Furtado, todo em espanhol, Mi Plan, pareceu um esforço consciente de não competir com o sucesso arrasador de Loose. Ela não lançaria um outro disco pop cantado em inglês antes de The Spirit Indestructible (2012), em que seu maior colaborador foi Rodney Jerkins, uma escolha interessante, e do qual Timbaland não participou. Enquanto isso, Timbo ficava cada vez mais preso na hiper-exposição do seu som, embora tenha desfrutado de um semi-ressurgimento com os singles de 20/20 Experience, do JT, e com as faixas que fez para a série de TV Empire. Mas nada disso tira o mérito do que eles conseguiram com Loose: batidas do Timbaland. Vocais cheios de emoção. Massa, tá ligado?

Nick Levine vai deixar esse disco no repeat pelos próximos meses. Sugerimos que você faça o mesmo. Ah, e ele também está no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler

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