FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Neill Jameson, do Krieg, Fala Sobre Blake Judd, Nachtmystium e as Tristes Realidades do Vício

Neste relato de primeira mão, Neill relembra alguns dos momentos mais sombrios da amizade com Blake Judd, e fala sobre a dura realidade do vício em drogas.

Vocês talvez conheçam Neill Jameson como o frontman/manda-chuva da querida banda de black metal Krieg, que está lançando um LP novo, Transient, pela Candlelight Records, ou como membro do Twilight, o supergrupo encabeçado por Blake Judd, do Nachtmystium, que tem membros como Thurston Moore, Aaron Turner, Jeff Whitehead (do Leviathan), Stavros Giannopoulos (do The Atlas Moth), e outros. Mas o envolvimento de Neill com Blake Judd vai muito além disso. A amizade deles se formou, muitos anos atrás, com base num interesse comum pela música. Neste relato de primeira mão, Neill relembra alguns dos momentos mais sombrios da amizade com Blake Judd, que finalmente o levou a cortar laços com o festejado músico do black metal, e fala sobre a dura realidade do vício em drogas.

Publicidade

A última correspondência que recebi de Blake Judd foi um e-mail com o título "Sobre a Honestidade e o Dinheiro", que foi enviado em algum momento do mês de janeiro deste ano. Não o tinha visto até outro dia, quando chequei um endereço de e-mail que ignorava há meses. No dia seguinte, a Century Media anunciou que honraria todas as pré-vendas que Blake acertara do disco mais recente do Nachtmystium. Não passou em branco a ironia desse e-mail e da decisão da gravadora. Era só mais uma fase da longa jornada de Blake Judd – uma saga que começou parecendo uma novela mas está terminando como um filme sobre os problemas da adolescência.

Para os que não sabem, fico feliz de contar alguns dos fatos: nos últimos dez anos, mais ou menos, a banda de black metal de Blake Judd, Nachtmystium, esteve na vanguarda do sucesso do metal americano. Cada novo disco parecia superar o anterior, e Blake era um queridinho da crítica e da indústria, com toda aquela persona de "gênio atormentado" ao seu dispor. Quando o último disco do Nachtmystium, Silencing Machine, apareceu nas listas da Billboard, Blake passou a receber ofertas cada vez melhores para realizar turnês, gravações, licenciar produtos, etc. Ele comandava uma imensa e raivosa multidão de fãs. A versão resumida: Blake era o dono do mundo, e estava prestes a fazer coisas incríveis. Em vez disso, jogou tudo pela janela devido a um paralisante problema com drogas – e anos de solipsismo muito antes de pegar numa agulha pela primeira vez.

Publicidade

Nos últimos anos, Blake foi acusado de roubo e fraude via Paypal por dezenas, talvez centenas, de fãs. Ele postava, em sua hoje defunta página no Facebook, uma lista de dezenas de vinis raros de black metal a gordos preços de colecionador. Disponibilizava também o novo disco de sua própria banda como parte de um "pacotão de pré-venda", incluindo camisetas e outras besteiras. Blake embolsou milhares de dólares por esses itens. Qual é a pegadinha? Fácil: as porras dos itens não existiam. Quando questionado sobre onde estariam esses itens que as pessoas tinham comprado, Blake entrava na defensiva, deletava os comentários e saía bloqueando, de maneira a não impedir que a próxima rodada de caipiras enviasse um dinheirinho e uma mensagem de apoio.

No outono do ano passado, Blake foi preso e mandado para a cadeia por roubo. Muita gente especulou que seria por fraudar os fãs oferecendo produtos inexistentes, mas a triste verdade é que ele foi em cana porque roubou uma guitarra do cara com quem morava – com o qual ele acabara de retomar contato, e que convencera a deixá-lo ir morar em seu pequeno apartamento – e a vendeu para comprar drogas. Uma das muitas gravadoras das quais Blake arrancara dinheiro desonestamente criou a camiseta "Blakecrush", usando a velha logomarca da Deathlike Silence, contendo no meio a foto de fichamento na polícia de Judd. O fórum da gravadora Nuclear War Now estourou com um tópico imenso em que foram contadas, inclusive por gente da própria NWN, as histórias das falcatruas.

Publicidade

A foto de fichamento na polícia de Blake Judd

Após sair da cadeia, Blake declarou publicamente que não acontecera "nada tão grave assim" e quase que imediatamente voltou a aplicar o mesmo golpe de antes. Ele afirmou que as gravadoras às quais devia milhares de dólares nunca veriam o dinheiro, porque, em resumo, tinham uma atitude "imatura" diante da coisa toda. Blake continuou com seus golpes e teve sucesso, até que algumas semanas atrás surgiu a página "Blakecrush: the Anti Blake Judd & Nachtmystium Page" no Facebook, unindo as pessoas que Blake roubara para reagir de algum modo. Hoje, a página oficial do Nachtmystium e a página pessoal de Blake encontram-se desativadas.

Conheço Blake há quase quinze anos. Ele participou por pouco tempo da minha banda, Krieg, e eu estive na Nachtmystium por um tempo. Ambos participamos do assim chamado "supergrupo" Twilight. Estive na porra do casamento do sujeito. Dá pra dizer que éramos bastante próximos. E é isso o que torna tudo terrivelmente deprimente e terrivelmente irritante (pra dizer o mínimo) para mim. Por quase dez anos vi Blake mentindo e manipulando para abrir seu caminho para o topo, e depois chegar ao ponto que a maioria das pessoas diria ser o mais baixo possível. Esses traços comportamentais – é cada vez mais claro que são eles o seu legado – não são novidade. Estou aqui para compartilhar minha experiência pessoal com ele porque não desejo que aconteça a ninguém o que aconteceu comigo. Se é que a história ensina alguma coisa, ele gozará de um muito bem recebido “momento fênix" dentro de alguns meses.

Publicidade

Não sou nenhum anjo, e em vários sentidos meu telhado é de vidro. Em 2005 eu havia basicamente destruído minha gravadora, minha banda e minha reputação, tudo isso devido a um severo colapso nervoso. Saí do mundo dos fóruns online e conversava com apenas algumas pessoas, sendo Blake uma delas. O disco do Krieg Blue Miasma foi lançado, e as pessoas não me encontravam em canto algum. Então dá para imaginar como me senti quando, anos depois, descobri que Blake dizia a qualquer um que lhe desse ouvidos que ele escreveu o disco todo. Mais ou menos na mesma época, ele fechou contrato com uma gravadora para lançar os dois primeiros discos do Krieg em vinil. Eu sabia disso apenas vagamente, mas o que eu não sabia é que ele vendeu os direitos dos discos e ficou com o dinheiro sem nem mesmo me contar que o dinheiro existia. Fez a mesma coisa em 2009, quando o Krieg assinou com a Candlelight e ele lhes vendeu os direitos de lançar em CD os dois primeiros discos. Direitos que não eram dele. Nunca vi nenhum centavo desse dinheiro. As reedições em CD continuam sem lançamento.

Enquanto eu destruía minha própria gravadora em 2005, nós tínhamos concordado em rachar os custos do picture disc do Archgoat, Angelcunt. Acabei pagando uma quantia bem superior do que a acertada, e até para receber minhas cópias tive que ir de carro até Chicago de modo a enviá-las para mim mesmo pelos correios. Ele nunca mandou as cópias da banda, e ainda jogou toda a culpa em mim. Tive de pagar para mandar as cópias de Chicago. Blake não investiu sequer um dólar no envio, mas levou o crédito. Ele também recebeu o split de Xasthur/Leviathan que eu ia lançar, mas a falta de dinheiro impediu. Paguei pelo lançamento do CD com a promessa de que seria reembolsado quando metade da prensagem fosse vendida. Não me reembolsaram.

Publicidade

Neill (o segundo a partir da esquerda) no casamento de Blake.

Estou mencionando esses exemplos porque preciso que o leitor, seja lá quem ele for, entenda que esse comportamento não podia ser completamente atribuído às drogas, e também não era novo. Enquanto tudo isso acontecia comigo, ele ferrava de maneira semelhante os clientes que faziam compras na sua Battle Kommand Records. Quer fosse por ingenuidade ou só incapacidade de lidar com a vida, continuei a fazer negócios com ele. Em 2007, minha banda Nil gravou um CD, que mandei tanto para Blake quanto para outra gravadora. A outra gravadora demonstrou grande interesse, mas quando Blake ficou sabendo disso, telefonou para eles pedindo que NÃO assinassem com a banda. Ele me convenceu a assinar com a BKR, e disse que pagaria minhas despesas com o estúdio. Mais uma promessa que nunca foi cumprida.

Em 2010, eu estava em Chicago, gravando o disco de "retorno" do Krieg. Tinha feito de tudo para evitá-lo durante essa viagem, mas na noite de ir embora começou uma nevasca terrível. Blake se ofereceu para me hospedar na sua casa até que o tempo acalmasse e eu pudesse pegar o avião de volta, então decidi ir para lá e dormir um pouco. Ele me acordou por volta das três da manhã. Estava sentado no meu peito e me segurando. Eu sabia que ele estava brincando com heroína, na ideia errada de que ela o ajudaria com a música. O fato de que ele idolatrava o Kurt Cobain era muito bem conhecido entre seus amigos. Quando acordei, ele me disse que pegaríamos um táxi (no meio de uma porra de uma nevasca) até a favela para comprar heroína. Disse que eu era um "poser" por gravar um cover do Velvet Underground sem nunca ter injetado. Entramos numa altercação um tanto física, e ele disse: "você precisa disso. Já é hora de uma nova tragédia na sua vida", antes de me chamar de "bicha" e ir embora. Quando voltou para casa com as drogas, eu estava dormindo no chão do aeroporto O'Hare. Foi a última vez que o vi com um mínimo de boa forma física.

Publicidade

Pulemos para 2012. Blake oferece ao Krieg abrir os shows da turnê de verão do Nachtmystium. Ele me conta que só preciso mandar um setlist e pagar meu voo até Chicago. Seria para eu passar um tempo a mais por lá, para podermos trabalhar na composição do terceiro álbum do Twilight, cuja gravação estava marcada para dali a aproximadamente um mês. Ao pousar em Chicago, Blake me informa de que todos os shows da turnê, com exceção de dois, foram cancelados. Perdemos mais tempo esperando, enquanto ele verifica o próprio PayPal para poder ir ao caixa eletrônico, e depois me forçar a acompanhá-lo enquanto procura o traficante que lhe vende as drogas. O casamento de Blake estava em ruínas, e o apartamento deles estava uma podreira.

Ao chegar, descobri que nenhum dos organizadores sabia que os shows seriam cancelados, mas ele os tentava convencer de que a culpa era minha por eu não estar em Chicago. Tive de escrever para cada um deles, individualmente, cancelando e pedindo desculpas em nome das duas bandas. Ele já estava vendendo pela internet produtos "exclusivos da turnê" que não existiam. Acabamos fazendo dois shows: Boise e Chicago. O setlist que eu tinha mandado para ele foi totalmente ignorado, e trocado por músicas que ele lembrava de dez anos atrás. Os outros membros sabiam as músicas que eu tinha listado, mas Blake, que por anos caçoara de mim como compositor, disse que eram "complicadas demais", então tivemos de aceitar a lista dele ou não tocaríamos nada.

Publicidade

Twilight, 2010

No show de Boise, assim que ele desceu do palco, tivemos de pegar o carro e voltar, pois Blake estava sem heroína. Mais ou menos umas quatro horas. Duas vezes em um dia. O Krieg, magicamente, não recebeu pagamento nenhum. O show de Chicago foi parecido, exceto pelo fato de que, quando Blake saiu, logo depois do show, esqueceu de que eu estava hospedado com ele, e me abandonou na casa de shows. Lá ouvi que Blake dissera aos outros que eu era "um veneno da indústria" e que ele estava tentando me retirar do posto de cantor do Twilight, para assim poder ganhar mais dinheiro. Também foi dito que nenhum riff escrito por mim devia entrar no terceiro disco. Ele de alguma forma acreditava que as pessoas para as quais tinha dito isso não contariam para mim.

Decidi fazer o terceiro disco do Twilight simplesmente por causa dos outros músicos da banda. Nesse ponto, eu já estava saturado do circo de merda criado por Blake, mas segui em frente mesmo assim. Quando faltava um dia para eu pegar o avião e ir gravar, Blake me ligou chorando. Ele me disse que o dinheiro que fora enviado para cobrir minhas despesas e minha parte do adiantamento pelo lançamento (um total de US$1.500, aproximadamente) tinha sumido. Ele me contou que havia sido largado pela mulher (não me diga! Essa até a Helen Keller viu chegando de longe) depois de terem uma briga; ele a arremessou, e ela quebrou a perna em diversos pontos. No hospital para onde a levou, exigiram que o pagamento fosse feito em dinheiro vivo, pois eles não tinham plano de saúde. Ele soluçava, e disse que todos em Chicago queriam matá-lo, e que nem podia sair de casa, e também que tinha esperanças de que eu não o odiasse. Que caralhos era pra eu fazer? Já tinha pago pelo voo e estava duro por conta da "turnê" algumas semanas antes.

Publicidade

Quando cheguei em Chicago, o apê de Blake estava um esgoto, meio como o que aparece no início de Trainspotting. Não tive um segundo de prazer, mas estava lá para trabalhar. Toda manhã eu acordava e, no banheiro, tirava as agulhas do caminho para poder escovar os dentes, e limpava o sangue do box para poder tomar banho. Nunca dei importância tão extrema à decisão de levar a minha própria toalha quanto naqueles dias. Tinha vezes que eu saía do banheiro e havia um traficante na cozinha, que sempre tinha a cortesia de me perguntar se eu não queria uma heroína também. Blake quase não fazia outra coisa além de checar o próprio PayPal e fumar os meus cigarros.

Todo dia eu tentava motivá-lo a ir para o estúdio conosco. Todo dia ele ficava em casa. Só ia até lá se soubesse que um fotógrafo estaria presente, e uma ou duas vezes para conversar com Thurston Moore, na maioria das vezes sobre o Nachtmystium e de alguma forma relacionando tudo à banda. A piada virou: "Aliás, Thurston, engraçado você falar isso, porque no Nachtmystium…", o que era meio patético. A ideia é gravar a porra de um disco com o sujeito; você não precisa botar essa máscara toda e tentar impressioná-lo com o que fez no passado. Que os seus atos no presente demonstrem quem você é.

Neill, Jef Whitehead e Thurston Moore

E demonstraram. Todo dia eu acabava "emprestando" dez pilas a Blake, só para ele cair fora e parar de encher o saco. Por fim, decidi que o ajudaria com o meu trabalho diurno na loja de discos, e compraria dele sua coleção. Pedi que meu chefe enviasse o dinheiro pelo PayPal pela coleção, e ele ainda me mandou US$50 a mais, pois tinha ciência da situação e sabia que eu estava fodido em matéria de dinheiro. Em intervalos de poucos minutos, Blake me ligava perguntando sobre o pagamento. Contei que esperava receber em mãos os 50 dólares que tinham ido junto. Ele apareceu mais tarde no estúdio e me entregou 40 dólares. Quando perguntei onde estava o resto, ele respondeu: "mas eu tô precisando de dinheiro!", como se isso fosse uma desculpa aceitável. Ele estava preso num mundo de fantasia, e não compreendia nada do que acontecia em torno dele. Proibiram sua entrada no estúdio até que o dinheiro todo aparecesse. Foi a primeira vez, nos dez anos desde que nos conhecemos, que ele não tentava agir como o macho alfa. Ele estava destruído, e por algum motivo isso me deixava incrivelmente triste.

Publicidade

A contribuição de Blake para o disco foram três músicas. Uma delas ele queria que fosse sobre o próprio divórcio. Ele a chamava de sua "opus", e foi esse o motivo que alegou para não incluir nenhum dos riffs que compus para o disco. Disse que seria a música mais importante e pessoal que faria na vida. Isso também estava atrasando pra caralho o disco, porque, para gravar uma música, a porra da sua presença física é necessária. Pouco me importa a sua lábia. Essa música estava demorando uma eternidade, e ele não tinha sequer uma letra. Nada. Então quem escreveu a letra daquela que seria a música "mais importante e pessoal" de todos os tempos? Euzinho. Escrevi sobre o divórcio dele, da perspectiva dele. Quando lhe mostrei a letra, ele chorou de urrar. Também faltou à sessão em que gravaria o vocal da música. Então isso acabou caindo no meu colo. Daí peguei o avião para casa no dia seguinte, e tomei a decisão de nunca mais trabalhar com ele, e decidi também que me concentraria em mostrar que estava errado aquilo que ele dissera de "veneno da indústria".

Um ano se passa. Nada foi feito no sentido de soltar o disco. Um ano e meio. Blake é o único encarregado de se comunicar com a Century Media. Tive a nítida impressão de que eu era o membro, dentre todos nós, com o qual eles menos queriam lidar. Meu nome é o menos famoso, e provavelmente sou o mais prolixo e irritante. Por volta dessa época foi lançada a reedição de Blue Miasma, do Krieg, e Blake me liga para perguntar sobre ele. Já que ele estava em parte do disco, como vocalista e guitarrista convidado, digo-lhe que vou mandar algumas cópias. Ele responde com: "Ótimo, porque já vendi 15 cópias à Amoeba, então se você puder mandar para chegar amanhã para eu repassar seria perfeito". A ideia era passar cinco cópias para ele. Não mandei nenhuma. Ele nunca se deu conta porque já havia recebido dinheiro para mais cópias do que as que devia. Algumas semanas mais tarde, ele me liga e diz que tenho de assinar um papel para podermos receber o dinheiro do escritório europeu encarregado de nos lançar por lá. Esse papel nunca apareceu. O tempo continuou passando; o disco ainda não tinha data de lançamento.

Publicidade

A gota d'água devia ter vindo anos antes, mas Blake ligou para minha loja um ou dois meses antes de ser preso, enquanto estava no estúdio trabalhando no disco "final" do Nachtmystium. Ele me contou que, enquanto esperava o pagamento pelo disco, não tinha dinheiro nem para comer, e perguntou se eu não compraria uns CDs e vinis do Hate Mediation (seu outro projeto) para minha loja. Ele não parava de falar sobre estar sóbrio e sem usar drogas, e por algum motivo lhe concedi o benefício da dúvida. Fazia pouco tempo que ele estivera na reabilitação, e ao telefone parecia estar mais nos eixos do que eu ouvira dele em anos. Então mandei-lhe cerca de US$50 pelo PayPal, por um pedido para a loja, e esperei. E esperei. Nesse momento eu estava tendo que responder a perguntas sobre por que o dinheiro fora retirado do Paypal da loja sem haver nada em troca. Blake começou a evitar os telefonemas. Por fim, me mandou um SMS dizendo que enviara o pacote semanas atrás, o qual provavelmente foi extraviado, e que infelizmente não tinha mais nada para me mandar. Acabei tendo que arcar eu mesmo com os 50 dólares, porque gosto de ter emprego. Ele tentou arrancar dinheiro de mim mais algumas vezes, mas ignorei.

Quando saíram as notícias de sua prisão, para ser sincero, não fiquei nem um pouco surpreso. Blake tentava freneticamente fazer com que qualquer pessoa das que ainda falavam com ele o ajudasse a pagar a fiança. Foi aí que as pessoas começaram a aparecer e a discutir em público as vezes em que foram ludibriadas por Blake, pelo não envio de mercadorias compradas, ou pelo simples roubo de objetos de suas casas. Foi também quando decidi investigar o que estava acontecendo com o Twilight, e vi quão profundamente ele nos fodeu. Ele me tirou os mais de mil dólares já mencionados, mas também havia ferrado Jef Whitehead, tirando-lhe uma quantia substancial. Blake vendeu à Century Media os direitos de relançamento do primeiro disco do Twilight, e enviou demos instrumentais do Leviathan como "faixas bônus" sem a permissão de Jef. O dinheiro desse contrato de licenciamento, que deveria incluir o dinheiro do lançamento para todos os membros envolvidos, foi enviado diretamente para Blake. Blake fez com que cada dólar para o terceiro disco que não fosse de Thurston ou do próprio estúdio fosse enviado exclusivamente para ele. Ele nos manteve no escuro a respeito de todos os tratos de negócios, mas também manteve a Century Media no escuro sobre a gente.

Publicidade

Eu já planejava encerrar minha participação no Twilight depois desse disco, mas de modo a manter alguma integridade da banda, concluímos que Blake tinha de ser demitido de seu "posto". Quando comecei a me encarregar das mídias sociais, vi que ele de algum modo pusera várias pessoas desconhecidas por todos nós em algum tipo de folha de pagamento para manter a página do Facebook. Vou repetir, dada a escala monumental da imbecilidade disso: ele estava pagando três pessoas para atualizarem a página do Facebook uma vez por mês, geralmente atualizações sobre a Nachtmystium. Deletei todas elas. Ao que parece, Blake lhes devia dinheiro. Mistério.

Enquanto Blake estava na cadeia, escrevi uma carta afirmando basicamente que eu não queria nunca mais ter nada a ver com ele, e que tínhamos chegado à decisão de excluí-lo. Ao ser solto, Blake começou a enviar e-mails ameaçadores para todos os membros falando de como nos processaria e/ou agrediria. Então, essas cartas passaram a falar de como ele era uma vítima nisso tudo, e de como havíamos "partido seu coração" com aquela traição. Quando o assunto "onde está toda a porra do nosso dinheiro" foi levantado, ele afirmou que nenhum de nós entendia coisa alguma sobre dinheiro ou sobre a indústria. Depois de muito vai e vem, chegou-se a um acordo segundo o qual ele removeria suas músicas do disco e ficaria com todo o dinheiro que havia roubado, e o resto da banda ficaria com as mãos abanando. Pensando nisso tudo enquanto digito: um acordo meio ruinzinho, não?

Publicidade

Stavros e eu assumimos como porta-vozes da banda, e as coisas finalmente começaram a andar. Mas quando começou a rodada de imprensa sobre o disco, foi bastante nebulosa em relação ao que aconteceu; no press release, não havia menção a Blake ter sido excluído. Tínhamos a impressão de que não devíamos discutir o caso em detalhes, e de que a gravadora não gostaria de publicidade negativa a respeito do Twilight ou do Nachtmystium. Blake acabara de completar uma gravação muito cara no mesmo estúdio em que eu gravara anos antes um disco do Krieg, exceto que por 200% a mais. Nós cedemos, e lavei minhas mãos em relação ao assunto todo. No final banquei cerca de mil dólares da minha própria grana para as despesas e a gravação do LP, e o que eu tenho para mostrar de todo esse investimento são apenas duas cópias de cada, do CD e do vinil. Blake ganhou vários milhares de dólares por um disco do qual nem sequer fez parte.

Neste ano, há alguns meses, recebi um e-mail perguntando se eu sabia alguma coisa sobre o compacto contendo músicas do Nachtmystium e do Krieg que estava sendo relançado. Não sabia, então contatei imediatamente a gravadora, e fui informado de que Blake venderia seus direitos sobre o Split, de que ele assegurara à gravadora que eu dera sinal verde e, é claro, de que foram instruídos a mandar as minhas cópias para Blake. Ele também estava relançando o split do Nachtmystium com o Xasthur, e entrei em contato com eles para ter certeza de que estavam cientes disso. Felizmente, era tudo legítimo; Blake de fato entrara em contato com o pessoal do Xasthur para tratar do assunto, e tudo parecia mais ou menos genuíno. Mandei suspender o split com o Krieg que estava sendo relançado e decidi que minha página do Facebook seria um lugar apropriado para dar voz às minhas queixas a respeito de Blake mais uma vez tentando vender música que era minha por direito. Foi aí que outros começaram a atentar para a mensagem, e a ventilar suas próprias queixas.

Publicidade

Blake postou, tanto em sua página pessoal quanto na página do Nachtmystium, uma lista de discos raros que estava vendendo, alguns por até US$300. Ele não tinha esses discos, visto que eu comprara pessoalmente toda a sua coleção de discos algum tempo antes. E as pessoas também começaram a perceber isso quando seus pedidos de centenas de dólares por itens raros nunca se concretizavam. Em vez de lidar com a coisa que nem homem, Blake se escondia por trás do computador e bania de sua página quem perguntasse sobre os produtos comprados.

Blake então fez aquilo que acabaria sendo a sua maior cagada pública: os "pacotões". Ele alegava disponibilizar uma pré-venda do vinil e/ou CD do seu novo disco, junto com uma camiseta exclusiva. Ele deu início a essa campanha de pré-venda dois meses antes da data em que seu disco chegaria às prateleiras. Uma quantidade suficiente de pessoas descobriu que estava perdendo dinheiro, e foram às páginas dele – onde outros fãs do Nachtmystium defendiam seu ídolo até que Blake bloqueasse todos que estivessem reclamando do não recebimento das mercadorias. Durante esse fiasco, alguém, em nome da banda Xasthur, entrou em contato comigo para discutir o split. Ao que parece, Blake contatara a gravadora, e pedira que as cópias que cabiam ao pessoal do Xasthur fossem enviadas para ele, que logo as repassaria para a banda. Esse plano foi descoberto rápido o suficiente para ser impedido. E então tudo ficou quieto. Blake excluiu-se da internet. A página "Blakecrush" cresceu para quase mil membros, que começaram a formalizar queixas no PayPal. Ele passou para a Western Union, mas aí começaram a surgir os boatos de fraude eletrônica. O dinheiro parou de entrar. Blake desapareceu.

No auge da popularidade da banda, a página de Facebook do Nachtmystium tinha cerca de 33 mil fãs. Ele só roubou mais ou menos 1% deles, e no processo obteve mais dinheiro do que a maioria dos operários consegue em um ano. Blake vem tentando vender os direitos sobre seu catálogo a várias gravadoras, e dizem que ele encontrou uma disposta a pagar US$17.000. Só que os direitos não são dele. São da Candlelight Records – desde a última vez que ele licenciou seu catálogo – que no entanto não quer nada com ele.

A Century Media está se esforçando ao máximo para reparar o que ele fez de errado com os fãs, e entregar os produtos comprados. Meu problema com isso é ao mesmo tempo mesquinho e um tanto mais amplo. A parte mesquinha vem de perguntar por que o Twilight nunca ganhou porra nenhuma em troca do que tivemos de aguentar por conta dele. Mas a outra parte de mim se preocupa com a possibilidade de que isso ensine a Blake que ele não precisa se preocupar com as consequências dos próprios atos. Sempre haverá quem arrume a sua bagunça. E dentro de alguns meses, quando esse novo contrato lhe render um dinheiro, ele vai surgir por aí de novo e tentar convencer o mundo de que está sóbrio, e que portanto podem voltar a lhe mandar dinheiro. Ele está seguindo o caminho hollywoodiano: refazer o mesmo filme vezes sem conta, com resultados cada vez piores. E as pessoas o receberão de braços abertos. Porque, como eu disse, ele só fodeu com cerca de 1% do total dos fãs. Ainda há 99% de vocês por aí escrevendo merdas como "bom, em mim ele nunca passou a perna, vocês são tudo hater" e etc quando se fala no assunto. E não vão parar de fornecer a Blake os meios para que continue a fazer mal aos outros, prejudicar os outros, e tratar os outros como lixo, pois ele não só é um drogado como também um solipsista. Não se importa com ninguém além de si mesmo, porque para si ele é tudo o que existe nesse mundo.

Alguns meses atrás, ele chegou ao ponto de começar a dizer para as pessoas que seu vício em drogas fora inteiramente causado por Jef Whitehead, jogando para os cães um de seus poucos amigos de verdade de tal forma que nem consigo pensar em nada espertinho para concluir essa frase. E é puro caô. Ele também jogou a culpa na vez em que quebrou a perna e os médicos lhe receitaram opiáceos. Mentira também. Vocês, o público, ou até mesmo o próprio Blake podem discutir o quanto quiserem, mas o fato é que eu estava presente e testemunhei tudo isso. E a causa de tudo foi que ele romantizava o estilo de vida rock and roll e achava que a heroína era o único meio de encarná-lo por completo. Vi Blake injetando na própria mão e dizendo à esposa, cinco minutos depois, que uma caixa havia caído em cima de sua mão, e então mostrar o ponto em que injetara como se de alguma maneira uma caixa de papelão pudesse causar aquilo. Se vocês assim permitirem, é um ciclo que se autoperpetua infinitamente. Blake hoje passa os dias entre as ruas e um famoso motel de drogados, só esperando que aquele cheque bata na conta.

Twilight, 2014

Hoje em dia não posso participar de qualquer conversa sobre música sem que alguém me pergunte sobre ele. Se eu quero que ele morra? Não, não me importo com ele tanto assim. Diria que meu desejo é que ele procure ajuda, mas já o vi passar pelo menos duas vezes por clínicas de reabilitação, e em ambas ele não pagou pelo tratamento e deu no pé antes do que devia. A melhor coisa que poderia acontecer com ele seria a polícia prendê-lo, e deixá-lo na cadeia tempo o bastante para secar e poder refletir sobre todas as pessoas que prejudicou. Ele deveria perder todos os privilégios que tem no mundo da música, pois tudo o que vai fazer é tentar roubar uma nova safra de otários que acreditam mesmo que foi ele, e não outras pessoas, quem compôs a maioria das músicas atribuídas a Blake. Ele devia ser obrigado a verdadeiramente encarar as consequências das próprias ações pela primeira vez na vida. Porque o inverno de Chicago é cruel, e tenho certeza de que a vida na fria realidade é pior ainda.

Neill Jameson é um músico cujas bandas incluem Krieg, Twilight e N.I.L.

Tradução: Marcio Stockler