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Música

Só há uma Ná Ozzetti

Segunda artista a passar por nossa coluna ‘Mulher do Dia’, a paulistana Maria Cristina Ozzetti fala sobre a beleza de “surpreender-se consigo próprio”.

Em março, na coluna Mulher do Dia, vamos diariamente parar por um minutinho o torno informacional para respirar e pensar sobre quantas vezes nós levamos realmente a sério o fato de que muitas das nossas artistas preferidas são, todos os dias, mulheres.

Forte e doce, era assim que a voz dela ressoava pelas dez faixas de Thiago França. Foi com a ajuda do disco do Passo Torto que me reconectei à voz da Ná Ozzetti, que não se ofuscava mesmo contra os instrumentais duros e mórbidos do grupo paulistano.

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Depois de ouvir o disco, com um pouco de pesquisa, descobri que aquela não tinha sido a primeira vez que ouvia Ná cantar: a cantora foi parte do grupo Rumo, cujo disco infantil Quero Passear, de 1988, eu ganhei do meu pai quando devia ter meus sete anos. Esse disco carrega uma versão da canção “Garota Solitária”, de Adelino Moreira, na qual Ná canta as inseguranças muitas vezes esperadas das mulheres, (“Um amor todo mundo tem / Eu, porém, vivo sozinha / Muito triste sem ninguém / Será que eu sou feia?”) e, ao fim, brada um sonoro “droga!!!!”.

Ouvindo a música hoje em dia, essa última palavrinha me parece ironizar toda a indignação da personagem. Mesmo em uma performance um tanto teatral, a cantora parecia cavar seu próprio caminho, colocar um pedaço de sua personalidade em cada música que interpretava.

Tendo sido quase sempre a única mulher nos projetos de que participou, a voz açucarada e o comportamento tímido de Ná Ozzetti não impediram (ou talvez contribuíram para) que ela se tornasse um dos maiores símbolos femininos da MPB paulistana.

Nascida em uma família de músicos, Ná começou sua carreira de cantora com o grupo Rumo. Nessa época, participou do projeto “Cantoras de Maio”, evento que reunia as intérpretes femininas da Vanguarda Paulista, “movimento” que surgiu em meados dos anos 1970 e 1980. Durante sua carreira solo, que se iniciou com o disco NÁ OZZETTI, de 1988, Ná fez questão de prestar homenagens a figuras femininas que lhe eram importantes; tendo lançado, em 1996, um tributo a Rita Lee chamado LoveLeeRita, e regravando clássicos de Carmen Miranda em seu disco de 2009, Balangandãs.

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A grande intérprete citou as duas mulheres como inspiração quando conversou comigo sobre como a percepção da mulher é diferente nos muitos campos da prática musical — como cantora, compositora e instrumentista.

NOISEY: Como você começou a trabalhar com música?
Ná Ozzetti: Já cantava em algumas formações amadoras quando conheci os integrantes do grupo Rumo, formado na época por oito rapazes, e eles me convidaram para entrar. Eles tinham uma proposta estética muito definida, dois projetos paralelos que me interessaram muito, o Rumo (com canções autorais baseadas no canto falado) e o Rumo aos Antigos (com canções dos anos 1930 de compositores como Noel Rosa, Lamartine Babo e Sinhô). Foram minhas primeiras apresentações profissionais, com temporadas em teatros pequenos. Depois gravamos discos independentes e seguimos por mais uns 10 anos produzindo muito. Depois de um tempo no grupo, comecei a desenvolver meus primeiros trabalhos solo.

Você já sofreu algum preconceito no meio musical por ser mulher?
Se houve preconceito, não percebi. No Rumo não havia isso. Era um grupo de meninos, e eles sempre me deram a maior força em tudo o que eu propunha. Na minha carreira solo, passei a comandar o projeto. Então também nunca senti que havia lugar para preconceito por eu ser mulher. Acho que por ser intérprete, depois compositora dos meus próprios trabalhos, enfim, eu acabava centralizando. Os homens que trabalharam comigo sempre foram parceiros. Sinto muita diferença em relação às mulheres instrumentistas, estas sim sofrem preconceito, já presenciei, infelizmente.

Que mulheres você tem como influência/referência?
Carmen Miranda, Rita Lee, Pina Bausch….

Você vê melhorias na indústria musical? Acha que está surgindo mais espaço para mulheres?
De uns tempos pra cá sim! Com relação às intérpretes, mulheres continuam tendo muito destaque. Mas tem surgido cada vez mais compositoras e instrumentistas. Isso era raro. Poucas se aventuravam.

Você tem dicas para mulheres que estão começando agora na música?
Difícil dar dicas… a coisa básica é ir fundo em tudo o que fizer. Tanto na cultura geral, conhecer o que já foi produzido antes e o que andam produzindo. E no desenvolvimento de seu próprio caminho, sua personalidade artística. Ter personalidade é fundamental. Não há regras nesse quesito, cada um tem algo próprio a desenvolver. Estar disponível para surpreender-se consigo próprio.

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