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Música

Elza Soares não é santa

No Dia da Mulher, falamos com a Mulher do Fim do Mundo.

Em março, na coluna Mulher do Dia, vamos diariamente parar por um minutinho o torno informacional para respirar e pensar sobre quantas vezes nós levamos realmente a sério o fato de que muitas das nossas artistas preferidas são, todos os dias, mulheres.

Foto: Divulgação

Elza Soares se recusa a subir no pedestal que construímos pra ela. “Eu sou apenas uma mulher”. Foi assim que ela me respondeu quando lhe perguntei quem era Elza Soares. Na maior humildade, me chamando de “meu amor” e “querida” o tempo inteiro, ainda completou: “Nós somos nada. Eu sou nada. Sou só um ser humano”.

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O meu primeiro contato (de verdade) com a obra dela aconteceu em 2015, com o lançamento de A Mulher do Fim do Mundo. Antes, com meus 22 anos, eu só conhecia todos os clichês desgastados que já foram ditos sobre ela imprensa a fora. Mas, depois de ouvir o disco, acabei me apaixonando pela Elza. Rolou uma identificação quase imediata com a sua música porque, pra mim — e pra várias outras jovens feministas por aí —, é libertador pra caralho ouvir essa mulher cantando sobre violência de gênero no trecho “Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim”, em “Maria da Vila Matilde”. Ou berrando sobre tesão na faixa “Pra Fuder”. Como se ela tivesse tirando o grito de revolta que tá entalado na garganta de muitas mulheres (e na minha também — mesmo eu sendo mulher branca de classe média) e escancarando por meio da música.

E por tudo isso que ela representou e ainda representa como mulher e como artista no Brasil, Elza foi a escolhida para ser a nossa “Mulher do Dia” do 8 de março. Mas, a real é que, ao telefone, esse puta mulherão se revelou muito mais humana e mulher comum pra mim do que a imagem endeusada que tinha feito dela na minha cabeça.

Foi justamente rejeitando os títulos que recebeu pela sua carreira (“Eu não sou ‘Rainha do Samba’. Sou só uma cantora que canta tudo, ué”) que ela falou comigo sobre a sua dificuldade de ser racional e sobre sua vontade de “cantar até o fim”, na coluna desta terça-feira. Leia a entrevista abaixo:

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NOISEY: Quando você começou, como foi pra você ser mulher na música?
Elza: Difícil. Muito difícil. A mulher não tinha vez. Tinham muito medo de mim. Quando eu chegava numa festa, sempre ficava aquele clima de “cuidado com a Elza”. Mas nós (mulheres) fomos entrando, fomos entrando (na música)… e, graças a Deus, dominamos.

Você acha que a cena musical mudou para a mulher da época que você começou pra agora?
Muito, muito, muito, muito. Na minha época, era muito difícil. Se uma mulher entrasse na rádio e quisesse ser cantora, ela era fichada. Agora tá “free”. Tá livre, sabe?

Quais mulheres você admira do mundo da música?
Todas. Todas as mulheres. Todas elas são bem-vindas.

Você passou por muitas dificuldades e todo mundo sempre fala que você é uma mulher muito forte. Como é isso, pra você?
Se eu te falar que não sei como é isso, você acredita? Só sei que essa força existe. Existe, mas não sei de onde ela vem. Acho que é porque Deus existe.

O que te motivou a nunca parar de cantar, nesses 62 anos de carreira?
A música. A música é tudo. Sem ela, a gente não é nada. Cantar é remédio bom, é ser feliz. É uma necessidade. O palco é a minha vida. “Me deixem cantar até o fim”.

Pra você, como foi envelhecer?
Eu não sei se eu envelheci. Tô inteira. Em pé. Com vida. Não sei o que é envelhecer. Envelhecer é quando você não tem mais jeito de andar, de falar… Aí, sim. Enquanto você tá viva, tá com saúde, tá cantando, é meio difícil falar em envelhecimento.

O que você diria pra Elza mais nova?
Qual Elza mais nova? Eu não sei o que diria pra ela, não… “Cuidado”, “atenção”, “respeito”, “cuidado”, “dignidade”, “cuidado de novo” [risos]. E ”Cautela, muita cautela”.

Li numa entrevista que você se considera uma pessoa muito mais emocional do que racional…
Eu sou, infelizmente.

Por que “infelizmente”?
Porque, quando você é emocional, não acha muito jeito de pensar. Você usa muito o coração. E a mente fica pra trás. Queria saber usar mais a cabeça, mas não sei fazer isso. Sou emocional demais.

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