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Música

Uma entrevista com o rapper norte americano chamado Mozzy

Além de um nome muito bacana, o rapper de Sacramento está fazendo barulho na Costa Oeste dos EUA com um rap de mensagem papo retíssimo.

Fotos por @tstrongvfx, cortesia de Mozzy

Tudo o que você precisa saber sobre como o rapper de Sacramento chamado Mozzy se apresenta pode ser entendido nos primeiros 90 segundos de seu sucesso “Bladadah”. Ele começa com um refrão sobre como sua música se relaciona com sua vida concreta: “If niggas know me then niggas know.” [“Se os manos me conhecem então os manos sabem”]. Explica seu método de alcançar o profundo através da sinceridade: “It’s deeper than a punchline and trying to sound lyrical / you don’t want to live like this my life difficult.” [“É mais profundo que uma piada e que tentar ser poético / você não quer viver desse jeito, minha vida é dureza”]. E então ele demonstra o que está dizendo com um rap inegável, seus acordes firmes e descritivos caindo um após o outro como num complexo padrão de peças de dominó enfileiradas: “Pour baking soda in the pot and let it marinate / Snitching is the style now, niggas want to narrate / Dope spot barricaded / Task force Tuesday / Macintosh hanging from an Air Force shoelace.” [“Põe bicarbonato de sódio na panela e deixa marinar / Dedurar está na moda agora / Os manos querem é narrar / Biqueira bloqueada / Terça da Força Tarefa / Macintosh pendurado num cadarço de Air Force”]. Repetindo: tudo isso acontece num intervalo de 90 segundos. Nos últimos nove meses, Mozzy soltou quatro discos com músicas do mesmo nível.

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Surfando nessa regularidade, Mozzy vem tendo um ano e tanto — talvez, inclusive, “a melhor carreira de 2015”, como afirmou recentemente a Complex. “É tipo, para qualquer canto que eu vou na região da Baía (de São Francisco), em todos os shoppings gritam o meu nome, em todo lugar tiram fotos de mim, pedem autógrafos, qualquer produto novo que eu compre todo mundo fica louco e a parada esgota em uma semana”, Mozzy me contou por telefone, Liguei para ele querendo descobrir um pouco mais sobre seu clipe para “Word Up”, faixa do disco Yellow Tape Activities, que estreamos abaixo. Talvez eu devesse ter imaginado que Mozzy — cujas músicas são cantadas num flow implacável e claro, com minutos inteiros de letras e uma quantidade mínima de refrões — teria muito a dizer sobre a própria vida, mas ainda assim não demorei para receber bem mais do que uma curta sinopse de seus trabalhos recentes. Da mesma maneira pé no chão que suas letras constroem truísmos das ruas e fazem declarações brutais sobre a política das gangues num nível hiperlocal, ele desenrolou a história da própria vida e suas ideias sobre música sem poupar detalhes, e sem precisar de muito estímulo.

O rapper de 28 anos, cujo nome real é Timothy Patterson, tem uma perspectiva complexa sobre a vida — que, repetindo, fica claríssima em sua música, em que uma faixa como “Love Slidn” pode pegar uma batida suave, quase espiritual, guiada por um saxofone, e transformá-la em um hino sobre ordenar atentados a tiro e igualmente sobre ver os amigos “morrerem à bala”. Nem tudo desce com muita facilidade, mas ouvir Mozzy falar, numa música ou pelo telefone, é hipnotizante.

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Noisey: Para você, quando foi que a música decolou de verdade? Você soltou quatro discos no ano passado. Foram eles que fizeram a coisa acontecer, ou era algo que já vinha sendo construído antes disso?
Mozzy: Nem, a coisa vem sendo construída. Faço rap desde criança. Quando digo criança, estou falando de nove, dez, 11 anos. A coisa sempre foi séria pra mim. Eu tinha sonhos de virar um Bow Wow, um Lil Romeo. Fiz 16, 17, me dei conta de que não conseguiria de jeito nenhum, já era tarde demais, vou me focar em quando fizer vinte. Então, como eu disse, mudei os meus sonhos, meio que baixei a intensidade, e disse: “quero ser como o The Jacka”. Descanse em paz, Jack. E sinto que agora consegui. Sinto que estou vivendo o sonho, tipo, com todo o amor que a Baía me dá. Tudo o que eu queria era o amor das ruas. Eu nem ligava para o resto do mundo. Só queria ser amado nas ruas, e consegui. E é tipo, o resto do mundo é só um extra.

Mas a coisa decolou de verdade pra mim — fiz uma colaboração com o Philthy Rich, que chama “Just Being Honest”. A Baía começou a me dar reconhecimento quando fiz “The Truth”. Depois de fazer “The Truth”, a outra pessoa que participou do clipe — era só eu e outra pessoa —, ele foi assassinado. Então teve muita comoção por causa disso. Tipo, o noticiário começou a prestar atenção na coisa, e muita gente nas ruas, eles começaram a gravitar nessa direção. Então eles vieram com um clipe em resposta, e a gente fez “Just Being Honest”. E quando fiz “Just Being Honest” a parada ficou insana. Sacramento, aquele clipe veio depois de provavelmente uns 22, 25 tiroteios em Sacramento. E foi aí que ele estourou. Fui pro tribunal, e me mandaram pra cadeia por formação de quadrilha, e a parada realmente estourou a partir daí. Tipo, quando eu estava na cadeia os fãs ficaram frenéticos nas cartas, os guardas da cadeia ouviam a minha música. Os inimigos estavam ouvindo a minha música, e ao mesmo tempo me dizendo 'foda-se'. Mas eles ainda memorizavam os versos e riam da parada.

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Quando saí, fui ver e tinha provavelmente uns US$7.000 no iTunes. Peguei e investi tudo na música. Nunca tive tipo CDs físicos de verdade e essas porras, então peguei tudo e coloquei na música, nos clipes, e os fãs já tavam ligados desde “Just Being Honest”. E eu estava soltando música ainda dentro da cadeia, tipo Next Body on You, Next Body on You Part 2. Minha equipe E Mozzy e CellyRu, eles continuaram disparando, e foi bem o impulso que eles tavam esperando, isso de eu sair da cadeia. Então, quando saio da cadeia, quando solto um disco menos de um mês depois disso, eles piram, eu tava com tanta fome e sem um puto no bolso que falei tipo 'foda-se, vou sair despejando mesmo, porque preciso da grana”. E a partir daí a coisa pegou ritmo, e nesse momento é tipo: qualquer coisa que eu faço a galera cai em cima, devora mesmo.

E como eram as coisas antes disso tudo acontecer? Você é nascido e criado em Sacramento? Como foi crescer lá?
Sim, sou de Sacramento. Oak Park, mais exatamente. Cresci lá minha vida inteira. Meu pai passou 15 anos na penitenciária, minha mãe fumou heroína a maior parte da minha vida, sou total um bebê do crack, fiquei na incubadora, essas porras todas. Minha vó foi quem me resgatou. Minha avó ficou com a minha guarda e está comigo desde quando eu tinha uns dois anos. Ela tem um monte de propriedades em Sacramento, especificamente em Oak Park, e eu fui criado nelas. Ela tem tipo umas cinco casas, e fui criado em cada uma dessas casas. Ficava pulando de casa em casa. Fiquei nos mesmos colégios, estive em todos os colégios de Oak Park. Minha vida foi agradável. Foi uma coisa linda até eu entrar na adolescência.

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Eu topava com a parada no meu caminho para o colégio. Via as outras pessoas não indo pro colégio, arrombando casas. Estou vendo que os outros têm tênis novos, gente de 14, 15 anos com carros e tal, e tento ficar igual elas. Então começo a participar desse tipo de atividade, disso de arrombar casas, socar os outros e levar o dinheiro deles, até o ponto que a gente começou a vender maconha, e depois começou a vender heroína. O nosso lance era tipo 'foda-se o colégio', tipo não dava nem pra dizer que a gente faltava. Aí acabei me matriculando num colégio supletivo, e ficava lá só uma hora por dia, então tinha todo o resto do dia para tipo vender heroína, vender maconha. Aí começou a surgir a nova moda, os caras começaram a virar cafetões, tipo pelo Craigslist e pelo Backpage.

Eu me metia em tudo que via meus conhecidos se metendo, mas sempre fiz rap. Costumava ficar em casa depois do colégio e escrever raps, ficava em casa depois do colégio e aí ia pro estúdio. Vendia heroína, ia pro estúdio. Eu era um garoto fazendo essas coisas. Dezesseis, 17, a gente começa a dar tiros, a fazer drive-bys e tal, roubando as armas das nossas avós, roubando as armas das casas que a gente arrombava, mas na época eu estava escrevendo e fazendo rap sobre essas paradas. Muita gente da galera que fazia rap comigo e que estava fazendo as mesmas merdas acabaram indo pra cadeia, foram condenados por homicídio, ou muita gente foi assassinada também, então era tipo — tive que aguentar muita merda dos meus companheiros de equipe até agora. Para mim foi uma carreira. Entrando e saindo da cadeia desde que tinha 18 anos. Foi tipo, para a minha família sou um fracasso, mas sinto que todas as lutas que passei e todas aquelas merdas, essas porras não fizeram outra coisa além de me dar a criatividade e me dar a munição para escrever essas paradas maneiras pra caralho, e fazer as pessoas sentirem de verdade de onde eu venho, porque eu lidei com a coisa pessoalmente.

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Você estava dizendo que em Sacramento tinha uma porrada de tiroteios. Qual era o lance? Por que existe tanta tensão em Sacramento? O que está rolando em Sacramento atualmente?
As pessoas têm que entender, Sacramento é o coração da Costa Oeste. A Costa Oeste é conhecida pelas suas gangues, ponto. A Costa Leste e vários outros lugares são conhecidos pelo hip-hop e um monte de outras paradas, mas a gente é conhecido pelas nossas paradas de gangue. Todo maluco da Costa Oeste que entrou na vida do rap participa de alguma coisa de gangue.

As pessoas que migraram para Sacramento e tinham a ver com gangues trouxeram a mentalidade das gangues pra cá. A gente já tinha as nossas paradas de gângster, mas os caras de LA migraram cá pra baixo e trouxeram essa porra de Crip e Blood [Nota do Tradutor: Crips e Bloods são as duas gangues mais famosas dos EUA, ambas de Los Angeles]. E a gente entrou com tudo nesse negócio. Essa parada virou parte da gente. Já na Baía de São Francisco, o esquema é totalmente diferente. Em San Jose, na Baía Sul, é Crips e Bloods, mas o principal pra eles não é isso de Blood/Crip. O principal pra eles é família. É a mesma mentalidade. A diferença é só que eles não ficam usando o vermelho e o azul [Nota do Tradutor: Vermelho e azul são as cores oficiais, respectivamente, dos Bloods e dos Crips]. A gente adotou a marra do vermelho e do azul, mas na Baía, rola a mesma coisa. Os caras piram na Baía, maluco vem pra Sacramento achando que é moleza, mano, você vai pirar em Sacramento.

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Bem, a parada caótica com os tiros em que uma porrada de cara estava morrendo, isso era só — até onde o noticiário dizia e na maneira que pintavam o quadro, era coisa de gangue. Era um toma lá dá cá. Se você tava dentro, acompanhava a parada, então sabia exatamente o que tinha rolado. Foi tipo, um vídeio acabou gerando o nosso clipe. O nosso clipe acabou dando em um dos meus parças sendo espancado no shopping. Foi uma reação em cadeia. Era um toma lá dá cá, toma lá dá cá, e é simplesmente assim a cultura das gangues. Mas eu sou só um rapper. Não estava metido em nenhuma dessas merdas.

Mas é dessas coisas que falo no meu rap. Faço rap sobre essa vida. E não fico só na parte glamourosa. Eu conto que a parada fica feia. Meus manos, eles estão lá naquele curral frio pra caralho, encolhidos, com uma condenação de homicídio na ficha. Estou dizendo. Esses manos acham que é brincadeira; você se fode como cúmplice de homicídio só por estar dirigindo o carro, ou por estar no local, ou por saber da coisa. Os manos tão sendo assassinados mesmo, tipo os manos param do seu lado e enchem o seu automóvel de tiros enquanto a sua filha está no veículo, tá ligado? Essa parada é séria. As pessoas morrem por conta dessa porra, e os malucos tão prontos pra matar por conta dessa porra. É só isso que tô colocando na minha música, e tô dizendo pra todo mundo que tipo, nem tudo é glamouroso. Eu não sou rico.

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Em Sacramento, os caras não fazem ideia. Em Sacramento a parada rola mesmo, e isso não é de agora. Essa porra não começou comigo, sou só a primeira pessoa que sabe como colocar essas porras em forma de verso e cantar de uma maneira que você pode tipo digerir a parada, em que você não tem que ficar dissecando nem nada assim. E é por isso que os outros estão começando a respeitar. No final das contas, resumindo, todo mundo tá tentando achar uma saída. Ninguém quer ficar preso nessa porra em que o mano tem que criar a filha dele atrás de um vidro grosso pra caralho, ou que a filha de alguém vai ter que dizer Descanse em Paz, Mozzy. Essa porra não é legal.

Teve alguma cena local de música, de rap, que documentava essas coisas e que você admirava, ou isso sempre rolou mais na Baía mesmo?
Eu não sou o primeiro de lá, fui só o que pegou mais pesado. Teve outros manos que mandaram, tipo C-Bo, Brotha Lynch, X-Raided, mas eles são Crips. Eles tudo são do lado azul da bandeira. Eu sou o único mano do lado vermelho da bandeira que realmente tipo chamou a atenção das pessoas. Eu gostava muito do The Jacka, aquela é mesmo tipo, a história da minha vida. Aquele mano tava contando a minha vida. Então era essa a minha onda.

O que no The Jacka atraía tanto você?
Ele nunca ficava falando de coisa chique. Estava pouco se fodendo pros carrões, pras joias, pros Lamborghinis, nada dessas porras. Ele não estava nem aí para essas paradas. Ele era pé no chão. Ele colava no teu bairro sem seguranças na cola dele. O mano era real. Dava pra perceber na música dele. Ele tá falando de coisas que eu passo na vida. Tipo, nunca nem conheci esse mano, nunca vi ele nem uma vez na minha vida, nunca passei pela residência dele, e tá lá ele se identificando com o que rola comigo. Então isso fechou pra mim. E ainda tá pra surgir outro cara que possa dizer isso. Descanse em paz, Pac, mas aquele mano Jacka, ele é a própria história negra.

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Tem algum som que você procura na sua música?
Eu procuro pelo que vai tocar na alma do sujeito. Se a parada não toca a minha alma e eu ainda assim dou continuidade, é tipo, eu tô ramelando, só zoando. Ou estou mandando um verso para alguém, ou tou dizendo alguma merda nada a ver, ou, tá ligado, tô só chapado pra caralho e só na zoeira. Muitas batidas são só isso, nego só na zoeira. Quando procuro o meu som, a parada tem que me tocar. Tem que se identificar com coisas que eu tô passando. Pode mandar o que quiser, se aquela porra fizer cócega na minha alma, é disso que eu preciso. Deixa eu entrar nessa. Pode ser um saxofone, pode parecer música de igreja. Se fizer cócega na minha alma, eu quero, e acabou.

E, quando você está escrevendo, parece que é nesse estado de espírito que você quer escrever, é uma coisa que vai mandar a real e que é emocionalmente poderosa.
Essa foi a melhor descrição que tu poderia dizer: emocionalmente poderosa. Total.

Tem alguma música específica que atingiu esse alvo mais que as outras, ou que foi mais difícil de fazer por causa disso?
Todas elas, cara. Todas as músicas me tocaram. Quando fiz aquela “Just Being Honest”, foi uma música poderosa, com emoção. Eu tava derramando a minha alma. Só dizendo pros manos o que tá rolando, tipo, mano, isso aqui tá acontecendo, e essa é a real. E eu vou fazer você sentir o que eu tô dizendo. Mas praticamente todas as minhas músicas, cara, qualquer uma que tenha uma vibe meio estilo do Jacka, tipo uma linhazinha triste de baixo, ou qualquer momento que uma música chora, eu tô derramando a minha alma. Meus lances são emocionalmente poderosos. É por isso que elas fodem comigo.

O que você quer fazer a seguir? O que você vê acontecendo nesse próximo ano?
Tô querendo formatar um novo plano. Não é necessariamente novo, é só que que os caras não estão usando-o. Bora continuar soltando música, bora continuar botando pressão, bora continuar enfiando pela goela deles, só continuar mandando a real.

E tô deixando pra trás um monte de mano com base nisso de mandar a real. As pessoas ouvem a paixão, as pessoas ouvem a sinceridade, uma coisa que você sente no coração e que quebra o seu coração. Esses manos tão sentindo a minha vibe. As pessoas ouvem a criatividade. Nas minhas paradas o lance é criatividade. Não estou dizendo palavras normais. Não estou utilizando o que todo mundo está utilizando. Eu invento coisas. Bladadah. Quem é que vai inventar Bladadah, porra? Os manos não têm criatividade, então vou continuar brilhando mais que eles.

O que eu vejo é que alguém vai ter que assinar o cheque. Não estou precisado de grana, não estou quebrado. Financeiramente está tudo top pra mim, mas preciso que eles assinem o cheque, porque é o que vale. Nesse momento, está valendo um cheque. Mas vou fazer minhas parada de maneira independente. A gente tá aí tocando o terror até agora de maneira independente. Por que vou precisar de alguém? Já cheguei até aqui, então cada espacinho que me derem, eu vou fazer sucesso, porque não planejei chegar tão longe. Eu não sabia que essa música ia encontrar um caminho.

Tradução: Marcio Stockler

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Kyle Kramer é um editor do Noisey. Siga-o no Twitter.

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