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Música

Trocamos uma ideia com a M.I.A. sobre o clipe de “Borders”

Na entrevista, a cantora conta por que está recebendo ameaças legais por usar uma camisa de time de futebol.
Ryan Bassil
London, GB

O clipe de “Borders”, da M.I.A, é um grande espetáculo visual. Lançado em novembro do ano passado, o clipe dirigido pela própria artista relembra imagens da crise dos refugiados – na qual pessoas de diversos países estão fugindo da violência em busca de segurança e abrigo, muitas vezes carregando apenas uma muda de roupas, um celular e a esperança de que seu barco chegará até o destino final.

No clipe, M.I.A apresenta diversas formas de migração – cruzar o deserto, escalar cercas de arame farpado, nadar por mares e rios. Não só a própria música é uma declaração política inovadora sobre adversidade em um momento atual de crise maciça, como o clipe é também uma demonstração de solidariedade da M.I.A (a artista também foi uma refugiada, tendo trocado o Sri Lanka por Londres aos nove anos de idade) em relação aos cidadãos do mundo afora. Ou ao menos foi isso o que a gente sacou.

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No começo de janeiro, a artista revelou que o time de futebol francês Paris Saint German – em uma carta datada de 21 de dezembro de 2015 – ameaçou tomar medidas legais por conta de uma camiseta remendada que ela usa no clipe, alterando o emblema do patrocinador oficial do clube “Fly Emirates” por “Fly Pirates”. Entre outras coisas, a carta de quatro páginas alega que: “Ela tirou uma vantagem ridícula da nossa popularidade e reputação para enaltecer sua beleza enquanto arista e, consequentemente, os lucros de sua empresa”. Você pode ler a carta na íntegra publicada no Twitter da M.I.A clicando aqui.

A maioria das pessoas ficou de cara com essa revelação. Como eles são capazes de pedir para a M.I.A tirar do ar um clipe que destaca e humaniza a crise migratória só porque ela aparece vestindo uma camiseta do clube remendada? Eles não têm ações judiciais mais interessantes para lidar? Hoje de manhã nós ligamos para a M.I.A (que já está mais do que familiarizada com casos em tribunais, depois de ter se envolvido numa batalha judicial com o NFL por conta daquele dedo do meio infame que ela mandou no Super Bowl) para trocar uma ideia sobre essa situação, seu novo disco e as ideias e sentidos por trás do clipe de “Borders”.

Noisey: Então, essa treta toda com a camiseta. Você de fato descolou uma camiseta do Paris Saint German num mercado no Catar?
MIA: Sim, mas fui eu que confeccionei o “Fly Pirates”. Eu que coloquei o “P” ali. De fato, escolhi uma camiseta oficial que tinha Fly Emirates escrito, mas poderia ser uma camiseta do Arsenal, Real Madrid ou qualquer outro time que eles patrocinam. Mas escolhi a de Paris porque tenho amigos lá e pensei que poderia ser uma boa forma de ligar as duas coisas. Nem passou pela minha cabeça que eu poderia estar me metendo numa encrenca ao escrever “Fly Pirates”.

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Alguém te alertou que eles poderiam reagir mal?
Fiz o clipe de forma muito consciente, porque foi muito difícil ir até lá, acreditar nesse projeto e fazer este clipe sabendo que se passava numa fronteira; poderia sair qualquer coisa daquilo ali. As pessoas provavelmente achavam que eu ia fazer um clipe sobre piratas somalianos correndo armados por aí. Várias pessoas me ligaram [quando eu estava filmando na Índia]: pessoas criativas, diretores, revistas e tudo mais, mas eu realmente decidi ir lá e fazer acontecer. Não mostrei o tratamento para ninguém. Muita gente me provocou dizendo, “Ah, o que você está pensando em fazer? Um clipe com africanos famintos e essa vibe meio ‘Sou-um-refugiado-por-favor-me-ajude’?”.

Então, conscientemente decidi fazer uma divisão entre o que é descolado: armar essas pessoas que depois viram piratas e separá-las de seres humanos pacíficos e sem armas, como os migrantes e os refugiados. O projeto como um todo e o clipe serviam para esclarecer a diferença entre essas duas coisas. Quando vesti aquela camiseta eu realmente achei que era um aceno para — sim, eu poderia ter feito um clipe ‘descolado’ sobre piratas e poderia ter sido legal e todo mundo estaria feliz com aquela vibe ‘cool’. Mas escolhi fazer algo que precisava ser dito, que é o fato de que essas pessoas estão sendo mal interpretadas. Elas não são violentas, não estão armadas e revoltadas. É muito importante deixar isso claro e foi exatamente isso que me motivou a fazer este clipe.

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A divisão fica clara no clipe. Ele humanizou uma questão que é demonizada quase que diariamente, especialmente na imprensa britânica.
Não queria ser a pessoa que os obriga a fechar esta lacuna entre eles e as pessoas que representam uma ameaça na sociedade. Este era o problema. Nós constantemente precisamos lidar com pessoas que colocam estas duas coisas no mesmo patamar – mulheres, crianças e pessoas necessitadas, que são associadas a grupos de conflito armados, milícia e piratas. Então aquela camiseta foi um alô para todos os meus amigos que falavam, “Por que você não está fazendo um clipe massa com piratas somalianos?”. Não é disso que precisamos agora. Mas é bizarro que agora eu me enfiei numa enrascada por causa de uma camiseta. Pelo que eu sei, é algo bem comum – migrantes usarem camisas esportivas. O que eles vão fazer? Reescrever aquilo? Se é esse o caso, eles precisam parar de transmitir suas partidas de futebol na televisão desses países.

Algumas histórias sobre a carta que você recebeu, inclusive a nossa, sugerem que você escolheu o Paris Saint-German de propósito por causa de seu patrocínio do Catar e dos Emirados Árabes.
Não, de forma alguma. Eu estava pensando no contexto geral, que é o fato de que muito mais pessoas morrerão no mar se não fizermos algo em relação a isso. Estamos nos aproximando do inverno. Claro, 1.200 pessoas morrerem no estádio [em Catar] é uma coisa, mas tenho certeza de que muito mais do que 1.200 pessoas já morreram no mar — e nós podemos ajudar. Isso aconteceu com o povo tâmil que deixou o Sri Lanka em 2009 ou 2010, eles ainda estão presos, e vários deles morreram na Ilha do Natal enquanto tentavam chegar na Austrália. Para mim, é muito maior do que isso.

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Uma coisa que você escreveu no Instagram — e que eu concordo totalmente — é como o clube Paris Saint-German estava disposto a eliminar qualquer associação com a crise migratória apesar de muitos de seus próprios jogadores serem de uma segunda geração de migrantes.
Exatamente! Eles têm jogadores da Angola, Haiti e alguns outros países. Como eles conseguirão ignorar o fato que possuem jogadores de lá?

E então, o que acontecerá agora?
Eu não sei. Só acho extremamente arrogante eles tentarem policiar algo dessa natureza. Você não pode controlar quem, como e quando vestem a camisa. Se você está representando um tipo de pessoa e está fazendo um filme sobre samurais japoneses, você terá que vestí-los com uma indumentária de samurai. Acho que se o caso são migrantes, refugiados ou pessoas vivendo em zonas de conflito em geral, infelizmente roupas esportivas e camisas de futebol são parte do uniforme. Como você policiará isso? É claro que eu não tenho condições de ir para o tribunal. Já passei quatro anos seguidos lá. Se precisar passar mais um, não sei o que vou fazer.

Isso deve ter sido exaustivo pra cacete.
É exaustivo pra cacete quando você é uma mãe solteira e está tentando fazer música ou qualquer coisa criativa. É realmente muito difícil dedicar tempo a isso, especialmente quando é irrelevante. Eu preferiria mil vezes ir para Calais, inventar um time de futebol composto só por imigrantes e fazer o Paris Saint-German pagar por isso, já que eles se importam tanto, em vez de ir para o tribunal por causa de uma bendita camiseta.

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Você consegue imaginar uma possível solução?
Acho que nós dois precisamos falar: você se importa e eu me importo, sacou? Porque o que estamos fazendo é censurar o produto final, que é a arte. Também sinto que é um pouco tarde, que já está feito. Não acho que [o clipe] teve uma crítica negativa [por parte da imprensa] – exceto aquele artigo que eles mencionaram, e só Deus sabe se eles pagaram alguém para escrever aquilo, diga-se de passagem – porque nunca vi um comentário negativo sequer sobre a camiseta.

Nas últimas 20 horas, vi pessoas tuitarem que elas queriam sua própria versão da camiseta.
Sim, e ao mesmo tempo, de todas as imagens que vi na internet, tanto no Instagram como em stills do clipe, é a única cujos franceses se referem. Se eles procuraram um still do clipe para dedicar seu tempo falando sobre, não importa se é um cartaz, um blog ou uma conta do Instagram, é para isso que o público dará atenção. Um grande número de pessoas me perguntou sobre a camiseta e coisas do tipo, e eu não explorei, não comercializei, não fiz nenhum dinheiro. Meu clipe está na Apple, então não é como se eu estivesse ganhando uma bolada ou algo do tipo. Vendi o clipe, eles me pagaram e foi isso. Se ele traz algo de bom e ajuda as pessoas necessitadas, estou mais do que satisfeita. Então voltar no tempo e defender essa camiseta é meio difícil. Tenho que descobrir qual é o lado positivo. Preciso focar na minha situação pessoal, que é precisar ir ao tribunal com… pessoas. Outro clube gigantesco. Eles não saem da minha cola! Não sei o que vou fazer. Talvez eu devesse me casar com um jogador de futebol!

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Deixando a tal camiseta de lado, “Borders” foi uma declaração e tanto sobre a crise humanitária que está rolando atualmente. Você vai continuar levantando essas questões no seu próximo disco, Mahtadatah?
Tudo tem um efeito cumulativo e esse assunto definitivamente estará presente no próximo disco. Conceitualmente, queremos que se espalhe para além das fronteiras — se acontecerá geograficamente, psicologicamente, emocionalmente, tanto faz, o importante é que continue a se espalhar. É interessante lançar alguma obra e observar quando irão te reprimir e, dessa vez, eu definitivamente não imaginava que viria dessas pessoas.

Recentemente você disse que, “a galera achava que a M.I.A ia fazer um clipe descolado sobre piratas ou algo do gênero”, mas você foi lá e aproveitou a oportunidade para ressaltar a importância de uma questão que não tem nada a ver com estilo. Queria saber se você acha que outros artistas não abordam tópicos mais sérios como imigração por medo de serem acusados de apropriação de algo extremamente sério.
Acho que as pessoas têm muito medo de parecerem entediantes. A galera não quer falar sobre “questões” porque não é sexy. Se eu fizesse um clipe onde estou nua ou usando pouca roupa e, do nada, vestisse uma camiseta do Paris Saint-German, tenho certeza de que seria diferente. Mas levanto questões que não são muito sexy — pelo contrário, são assustadoras, eu acho — misturadas. [*faz uma vozinha de zuera*]. Zero sexy e assustador, isso não é muito legal — me tirem desse território!

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Ano passado você disse no Twitter que fez um clipe na África que acabou não tendo autorização para lançar por terem alegado que tratava-se de apropriação cultural. Levou isso em conta quando estava fazendo “Borders”?
Ele ajudou. O que eu fiz e foi banido — em todas as plataformas, aliás — era de uma faixa chamada “Platforms”. Na verdade, era para testar plataformas. Fizemos um clipe e ele foi banido em todos os lugares: Apple, YouTube, Vevo… Porque era real demais. Em “Borders”, nós tivemos que misturar o que era real com ficção.

Como assim?
No sul da Índia há 132 acampamentos com refugiados tâmeis e eles estão lá desde sempre. As pessoas que estão no meu clipe, aquele grupo de crianças nos acampamentos, na verdade são de uma segunda geração de refugiados, eles nasceram e foram criados ali - não chegaram de barco, e sim seus pais. Faz realmente muito tempo que estão lá. Mas ainda sofrem com uma série de restrições: têm hora para voltar para casa, precisam de um passe diário para sair, arrumar trabalho, mas não são cidadãos de verdade. Então não era tão fácil colocá-los no clipe. Inicialmente, queria filmar ali, para que as crianças refugiadas tâmeis se tornassem algo maior e contribuíssem e comunicassem ao mundo inteiro o que estava acontecendo — tudo através deles. Achei que seria algo muito lindo. Mas legalmente falando havia tantos problemas envolvidos e eu não conseguia ter acesso a eles por causa das restrições que eu simplesmente não poderia passar por cima. Também era o dia da independência indiana e os tâmeis do Sri Lanka ainda inspiram medo. Quando estávamos filmando, nós literalmente tivemos que sair do estado de Tamil Nadu e ir filmar em Pondicherry porque eles reforçaram a segurança antiterrorista.

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No fim das contas, acabamos chamando crianças das ruas. Ainda era comovente poder dizer, “consegui essas crianças”. Elas vinham das favelas, do ghetto, ou eram menores trabalhadores, e levá-las para representar alguém que está numa situação ainda pior do que elas… Foi uma experiência incrível para elas, sou muito grata e o que elas fizeram foi fantástico.

Parece óbvio para mim, porque quando você está falando coisas que realmente precisam ser ditas, algumas pessoas querem te calar. Mas você acha que essas grandes empresas – NFL, PSG, ou o que for – estão atrás de você especificamente?
Não sei. Tenho pessoas ainda mais importantes que me odeiam. Volta e meia sinto a força delas. Mas o que eu acho que torna isso tudo interessante é que eu não tô nem aí pra essas coisas. Queria que eles soubessem administrar melhor seu dinheiro. Quantas coisas ruins saem sobre jogadores de futebol na imprensa? Todas essas paradas que eles estão envolvidos. É bizarro que eles estão arrumando problema comigo. A carta é tipo – [*faz uma vozinha de zuera de novo*] “Por que ela está fazendo isso com a gente? Por que ela está nos arrastando para isso aqui?”. Quando na verdade é tipo, “Alô-ou! Olha para o seu time!”. Eles fazem umas paradas bizarras.

Não é só isso. Você disponibilizou a carta e, ao menos para mim, pegou mal para eles. Eles parecem meio cuzões, basicamente.
Não é legal mesmo. Ainda mais porque eu já tive que lidar com esse outro clube que é tipo, 20 vezes maior, saca? O NFL inteiro. Não apenas um time ou o Giants. O NFL inteiro veio atrás de mim. E eu ganhei. Então se eles vêm encher meu saco por causa de uma camiseta, para mim parece loucura. Nem é uma briga importante para mim esse ano.

Tradução: Stefania Cannone

Você pode seguir o Ryan Bassil no Twitter: @RyanBassil

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