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Música

O maquinas abraçou a imperfeição humana em ‘lado turvo, lugares inquietos’

O primeiro disco do quarteto cearense é regido pela inquietude, angústia e desconforto — no melhor sentido possível.

​Arte por Helena Lessa, do coletivo Osso Osso.

Parte de jovens músicos e artistas brasileiros vêm, há algum tempo, fazendo das suas faixas e projetos um retrato da juventude que soa muito representativo de toda uma nova geração. Bandas como Amandinho, gorduratrans e, principalmente, Lupe de Lupe, têm bem representado temas comuns como paixões à distância, imaturidade e certo deslumbramento, tudo com uma dose de insegurança e impotência. Desde que ouvi “zolpidem”, primeira faixa divulgada do disco de estreia do quarteto cearense maquinas, porém, tive a impressão de que todos esses sentimentos foram por eles levados a um outro patamar de profundidade.

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“Acho que a vontade de expulsar sentimentos negativos, ou falar de temas como solidão, repulsa, e autodepreciação era comum pra todo mundo da banda”, diz o guitarrista Roberto Borges. A densidade emocional foi a primeira coisa que me ficou clara, mais tarde, ao escutar o primeiro álbum do grupo, lado turvo, lugares inquietos. Isso porque, talvez, nada seja muito tangível na música do maquinas — fazendo juz à descrição “noise romântico”, o quarteto mergulha em sonoridades profundas e barulhentas no seu disco de estreia.

E a sensação é que, nesse mergulho, você está sendo também lentamente puxado para baixo; durante as “quarto mudo” e “mal-agradecido”, o vagaroso instrumental construído pela banda e os vocais um tanto ininteligíveis — que vez ou outra emergem com frases tão desoladas quanto honestas — o introduzem ao disco. É quando a angústia do quarteto atinge seu auge na faixa mais bela do álbum, “contramão” — talvez pelo sax tocado por Gabriel de Sousa, membro do trio de música eletrônica de Fortaleza Chinfrapala, ao final da faixa.

maquinas: Allan Dias, Ricardo Guilherme Lins, Samuel Carvalho e Roberto Borges. Foto por Taís Monteiro.

Apesar de admitir a influência do meio na concepção do disco, o maquinas parece se afastar um tanto da atuação dos conterrâneos cearenses: “Fortaleza tem influência direta com a sonoridade final dessas músicas, mas com uma interpretação diferente porque falta aquela pegada regional e litorânea que a maioria das bandas daqui buscam. Acho que gira mais em torno de um sentimento de desilusão e desconforto”, pondera Roberto. A influência da terra natal talvez se faça mais presente em “drive by”, faixa mais longa do disco, em que o grupo emerge da escuridão em que esteve afundado. Um grande respiro antes da volta à melancolia na última música, “heitor”, eleita a favorita do quarteto.

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A experimentação é intrínseca ao som do maquinas e se prova indispensável ao grupo em diversos momentos do disco, seja no noise ao final de “mal-agradecido” ou no instrumental ligeiramente reggae que termina “drive by”. “As nossas maiores inspirações sempre nos mostraram esse caminho da experimentação do tentar algo fora da curva, ser o outlier, então meio que foi natural que a gente também tentasse algo”, diz o baixista Allan Dias.

lado turvo, lugares inquietos é um disco extremamente ambicioso às suas próprias maneiras; que fala sobre e interage com a imperfeição humana não só em seu conteúdo, como também em sua construção: “Gostamos de como podemos transformar o erro em algo que é parte da música em si. Sei lá, apenas entender que a música é um processo de criação que não deveria prezar pela perfeição, pelas produções caras altamente maquiadas, acho que elas devem ser mais humanas, aceitar que você é imperfeito e logo o que você cria também será”, conclui Allan.

Ouça lado turvo, lugares inquietos, que sai pela Bichano Records:

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