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Música

Mapeando a Música, o Estilo e o Tiquinho de Feminismo em ‘10 Coisas que Odeio em Você’

Não tem jeito, irmãs são diferentes. Das suas escolhas de cores a suas silhuetas, uma pode ser a rainha da superfeminilidade e a outra, líder da contracultura -- até que elas percebem que podem coexistir numa boa.

Kat Stratford disse bem: “Acho que nessa sociedade em que vivemos ser homem e babaca te faz digno do nosso tempo”

Ela está certa. Mas o que faz 10 Coisas Que Eu Odeio Em Você digno do nosso tempo nem são os personagens masculinos babacas, e sim seu senso de estilo atemporal. (Além de, claro, seus diálogos afiados). Lançado pouco antes que o exibicionismo grunge e arrumadinho da primeira década do século chegasse ao seu limite, 10 Coisas trouxe uma combinação perfeita entre duas estéticas muito diferentes: de um lado, vemos Kat, uma garota alternativa de crop-top de manga comprida sem sutiã, enquanto de outro, a irmã de Kat, Bianca, veste uma saia cor-de-rosa de tule pro baile de formatura. (E nós presumimos que foi isso que inspirou a abertura de Sex and the City, inclusive). Suas roupas contam uma história: essas irmãs são diferentes. Das suas escolhas de cores a suas silhuetas, uma é a rainha da superfeminilidade e a outra é líder da contracultura -- até que elas percebem que podem coexistir numa boa. Tipo aquele adesivo religioso de carro (também já foi avistado em tatuagens).

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Aquele casamento entre dois mundos contrastantes resume bem os looks da coleção outono-inverno [do hemisfério norte] deste ano. Os anos 1990 têm sido o apoio da indústria da moda nas últimas duas estações, e este verão viu tanto crop-top que até a Kat ficaria assoberbada. Entretanto, os looks mais brilhosos e femininos apareceram nas coleções da Kristina Ti (as calças verdes são tudo) e Shiatzy Chen, provando que, abordados como mais um termo genérico do que uma tendência específica, os anos noventa têm mais a oferecer do que somente estereótipos. Assim como a mensagem por trás de 10 Coisas -- e, obviamente, sua heroína.

Kat Stratford representa a rebelião, tanto em termos de estilo quanto em sua existência. Ela não é o que as pessoas esperam que ela seja. Ela arranca pôsteres do baile de formatura das paredes da escola. Ela sua como um porco (“e você não?”), chuta o saco dos abusados e denuncia professores. Ela foi um farol de esperança pra pessoas de 12 anos como eu que, ao ver um filme para maiores de 13 no cinema, percebeu que o feminismo era uma coisa real e palpável, e que é possível combinar uma blusinha camuflada com um colar de pérolas.

A missão de 10 Coisas Que Eu Odeio Em Você era simples: mesmo que você nem ligasse de perder as grandes tiradas de gente como Joey “Mauzão” Donner, você ainda conseguia se divertir. Você podia beijar rapazes em cenários de paintball ficcionais, ser aceita de primeira na Universidade Sarah Lawrence e realizar seus mais loucos sonhos de possuir uma Fender Stratocaster. Ou então instalar rádios em carros – tanto faz.

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Mas uma coisa de cada vez: quantos estudantes colegiais cantaram Barenaked Ladies depois de 1992? A Kat está certa de olhá-las com desdém – se você vai cantar uma música do Barenaked Ladies é melhor que seja “If I Had A Million Dollars”. Aquelas meninas tinham mesmo que ficar com vergonha.

MS. PERKY

Mas não vamos passar o carro na frente dos bois. Sim, só conseguimos ver Ms. Perky atrás do conforto do seu laptop e a história do membro trêmulo do Reginald, mas o estilo dela é bem pensado e cheio de propósito. O 10 Coisas certamente tem uma mensagem encoberta: você pode usar pérolas, um cardigã rosinha e uma caneca de gatinho, mas você não será definida por sua estética ou afinidade por um estilo conservador. Até os mais ardilosos linguistas usam rosinha. E se você tem um problema com isso…

Exatamente.

Todavia, enquanto as personagens femininas de 10 Coisas possuem uns guarda-roupas mais metafóricos (que são discutivelmente mais impactantes: se você nos julga por causa das nossas roupas, você tá perdida), garotos como Cameron, Michael e até mesmo Patrick literalmente são o que vestem. Cameron, o rapaz comum, realmente se parece com qualquer garoto que você conheceria em 1998 –

talvez qualquer garoto que você conhecesse em 1996 porque aquela camisa de botão é meio exagerada – ao contrário da turma do Michael, que com certeza inspirou o “normcore”. (Cameron percebeu isso e está de luto, vide a sua cara de pesar.)

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BIANCA

Bianca é a anti-Kat. A primeira vez que a vimos, ela é a típica garota da capa da revista Seventeen: moderna, floral e apaixonada pela sua mochila Prada. (O que é absurdo pra uma estudante colegial -- francamente, não me interessa quantos bebês o seu pai traz ao mundo, vai trabalhar e comprar uma dessas com o seu dinheiro.) Ao contrário da Kat, a Bianca gosta de ser bajulada, obrigada, e, também ao contrário de Kat, ela não nos é apresentada por uma letra de música. A primeira cena de Kat nos ofereceu “Bad Reputation”. A primeira cena de Bianca nos oferece “qualquer música que esteja na cabeça de Cameron quando ele a vê”. Nasce uma estrela.

KAT STRATFORD

Sim. Em última análise, Kat Stratford é a Rainha Mãe do mantra tô-de-boa-das-suas-merdas. E ao contrário da crença de Joey Donner e Cosmo, o look Rambo dela não é caído – principalmente quando ela está usando camuflagem pra chamar a atenção pra incidências de misoginia e machismo não só entre seus colegas de classe, mas também de todo o sistema escolar. Que é como somos introduzidos à Kat: como uma mulher que chegou pra brigar e está vestida pras trincheiras. Adoraria ter sido como ela na adolescência e eu até hoje tento ser como ela.

E então chegamos à casa de Kat ao som de “Sunshine on My Window” do Spiderbait. Isso nos diz algo. Primeiro: a mansão que ela vive explica a mochila Prada da Bianca. Segundo: nenhuma outra personagem é digna de músicas com letras. E terceiro: Kat não está nem aí pras suas músicas água com açúcar. Ela está lendo A Redoma de Vidro às quatro e meia da tarde, o que a faz imensamente superior aos seus colegas de escola maletas ignorantes. Você tem um problema com isso? Pergunte à Bianca quem a levou pra casa. Falando nisso, elas não conseguiriam ser mais diferentes nem se tentassem. Provavelmente porque Kat é loser e Bianca é uma estrela.

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Por falar em forças opostas…

PATRICK VERONA E JOEY DONNER

Nada misterioso aqui: Patrick Verona se veste incrivelmente bem (como a Kat) porque ele é incrível (como a Kat). Joey Donner se veste como uma pessoa que a maior parte de nós evita na noite. No entanto, o que é mais interessante (de acordo comigo que analiso esse filme todos os dias há 15 anos) é como as escolhas de cores de Bianca e Kat nessa cena se alinham com seus possíveis pretendentes: Bianca e Joey estão de branco e Patrick e Kat de preto. E você deveria ter avisado sua irmã sobre as pérolas, B.

Enquanto isso, lá vem nossa primeira dica oficial de que Katerina Stratford curte música. (CDs! #vintage) A abundância de Letters to Cleo está explicada.

Comentário à parte: alguém me explica como eu também posso bater nos carros das pessoas que eu odeio e não ser cobrada por isso.

O que sai disso é uma importante lição: Bianca tem um estilo bastante limitado. E por “limitado” quero dizer que suas primeiras cenas a mostram vestindo azul, e quando não está de azul, está de rosa, vermelho ou branco. Podemos também vê-la em um vestido floral, e então um cardigã rosa, um casaquinho vermelho, uma blusa branca, outro casaquinho vermelho, tudo isso seguido pela peça azul lá do começo.

É oficial: Bianca representa o “romance” e as “cores do amor” (seu casquinho no fim tem até um anjo nas costas) – o que se opõe diretamente à sua irmã, que se mantém firme em tons como preto, cinza, roxo e azul. Mesmo seus vestidos de baile seguem esse esquema individual de cores. Na verdade, a única vez que vemos Kat de vermelho é quando ela mostrar os peitos pro professor pra liberar Patrick da detenção – um gesto romântico. Sacou?

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Em qualquer outra escola, Kat teria sido expulsa e possivelmente presa.

Mas estou aqui viajando. Antes de mostrar os peitos pro professor, antes de Patrick recusar-se a beijá-la porque ela estava muito bêbada, antes de Kat dançar “Hypnotize” do Notorius B.I.G., fomos ao Club Skunk. O que, em retrospecto é… um bar pós-Riot Girrrl? Uma balada lésbica? Algo que assustou Patrick, que, por um momento ficou obviamente inseguro em sua posição como homem já que ele se recusa “a ser visto no Club Skunk”. Relaxa, amigo, esse pico é o que há de moderno.

Inclusive, o barman conhece o Patrick, o que indica que Patrick já esteve lá antes, talvez até demais, e já tenha formado uma ideia sobre o ligar. Inclusive 2: uma pausa para as calças de couro do Patrick, por favor, que oficialmente comprovam que ele era muita areia pro caminhão de qualquer uma de nós. (Uma tristeza? Que apenas duas músicas do Letters to Cleo foram incluídas na trilha sonora e nenhuma delas é a que toca no Club Skunk. Por favor, junte-se a mim se você faz parte do time que só foi saber que Letters to Cleo era uma banda massa anos depois de ter visto o filme.)

Então corta pra festa do Bogey (anunciada por um flyer e uma música do Air, também não incluída na trilha), e nos encontramos com uma representação muito fiel de estilo pessoal. Bianca está trajada com um enchimento falso de grávida (e com pérolas ainda por cima, porra, Bianca), e a Kat está de roxo, cinza e preto, e Gabrielle Union (sim, com nome e sobrenome) está vestindo um pouco de cada. Isso é interessante porque – contém spoiler – ela vai embora da festa com o Joey, com quem ambas das irmãs Stratford tiveram um lance. Já devíamos ter percebido isso. Fora que eu odeio aquelas listras Adidas no vestido dela e fico chocada como alguém pode ter permitido uma coisa dessas.

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Por outro lado, Cameron optou por vestir um blazer e camisa pra uma festa adolescente por motivos que ninguém compreende, e por estes mesmos motivos também pudemos ouvir “Atomic Dog” do George S. Clinton no fundo. Muitas escolhas parecem ter sido feitas nestes poucos minutos, e em comparação com as escolhas de vestuário e trilha de Kat Stratford, eu entendo porque ela odiava eventos como estes. (Menos o Biggie. Ela estava certinha em dançar Biggie.)

Também está correta: minha teoria sobre Bianca, azul, e Cameron. (Me contrata, CIA.) Depois de beijar Cameron no carro, ela manda um “eu gosto de você, Cameron!”: com uma blusa azul e ao fundo um cover de “Can’t Get Enough Of You Baby” do Smash Mouth. (Sim, em 1998 as bandas faziam cover dessa música.) A única vez que a vemos usar vermelho ou rosa outra vez é quando Joey está de alguma maneira associado ao tema da conversa ou o que ela está fazendo (debatendo sobre ir ou não ao baile). Assim que ela bate nele, ela começa a migrar pras cores que Kat usa, representando o quão próximas elas estavam.

O indicador de romance vermelho e rosa dá as caras outra vez quando Mandella conta à Kat que ela quer ir ao baile (acompanhada por “Wings of a Dove” do Madness – super shakespeariano quando você pensa em “When Dove’s Cry” do Romeu + Julieta de 1996).

E então ela aparece de vermelho outra vez quando está propriamente trajada de uma personagem shakespeariana. (Porque quem é que não ama um cara que magicamente sabe suas medidas, manda fazer um vestido e então se veste como Shakespeare? Resposta: provavelmente a maioria das pessoas. Mas essa não é a nossa luta, amigos.)

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Mas vamos falar mais sobre o baile. O Cameron está lá todo comunzinho no baile. A Bianca parece uma princesa cor-de-rosa. O pai da Bianca parece o Michael amigo do Cameron com roupa de sábado.

Kat está de azul e pérolas – as pérolas, outro indicador da proximidade de Kat e Bianca. O Patrick se parece com o Patrick mesmo (apesar não conseguir acreditar que ele não tenha usado as calças de couro), e então oferece a ela, atenção!, uma rosa vermelha. O amor está no ar, amigos. E também a violência: quando Bianca dá um soco em Joey e não é carregada pelos ombros dos estudantes que ela acaba de libertar.

No entanto, não podemos deixar de falar da melhor parte: uma aparição não somente de Letters to Cleo, mas uma participação do Save Ferris, cuja presença apenas prova que o ska não só era uma forma musical aceitável nos anos 1990 (“I Know” é uma boa canção, não negue), e era tão aceitável que foram convidados pra tocar num baile. Olha aqui pra mim com sinceridade e me diga que você não amou isso.

Coisas que também amei/talvez nunca ame tanto quanto isso: “Even Angels Fall” da Jessica Riddle tocando enquanto Kat desce pelas escadas mais lindas do mundo depois de descobrir que tudo era nada menos que uma aposta. Podem parar de produzir filmes agora mesmo, por favor – nada nunca vai superar a profundidade do olhar desapontado de Bianca para Patrick. (Estou chorando.)

O que nos traz ao grande final, em que nos deparamos com a nova Kat que está tão forte quanto aquela que vimos no começo. (Indicado não só por sua determinação em entrar na Sarah Lawrence – imagina se ela largasse a faculdade por causa do namorado? – mas por seu gosto musical e até mesmo suas roupas.)

Mas, ao contrário de quando a vimos pela primeira vez, Kat está um pouco menos combativa (veja: sua camisa de botão e saia versus o look estampa de camuflagem), e não só por causa de um rapaz. Ela faz as pazes com Bianca e seu pai, e só então Patrick tem a chance de provar que vale algum vintém. A fofa chama ele na chincha no meio da sala de aula e então ele faz uma coisa que apenas um rapaz digno do tempo dela pode fazer no mundo: apoia seus sonhos e compra uma guitarra pra que ela possa começar uma banda. (Enquanto Letters to Cleo toca na escola.)

É por isso que 10 Coisas Que Odeio Em Você é tão incrível. E quando você acha que não pode melhorar, Letters to Cleo toca “I Want You To Want Me” enquanto Kat e Patrick dão uns amassos e você vai embora dizendo a si mesmo “ah, foi provavelmente assim que aquele casal foda se conheceu”.

Anne T. Donahue é uma especialista em filmes adolescentes dos anos 90. Siga-a no Twitter: @annetdonahue.