FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Lincoln Olivetti É um dos Pilares da Música Pop e Black Brasileira

Nossa humilde homenagem ao maestro morto nesta quarta (14) e que levou o game da black music para o alto e além.

É mais fácil ganhar na loteria do que um ser humano que tenha vivido ou passado pelo Brasil nos últimos 40 anos não ter ouvido algo que tenha relação direta com o mestre Lincoln Olivetti. Saca aquela batida transante de “A Fim de Voltar”, do Tim Maia? É do cara. E a suada “Estrelar”, do Marcos Valle? Também. E a dançante “Festa no Interior”, da Gal Costa? “Chega Mais” e “Lança Perfume” da Rita Lee? Rapaz, do céu, é só bolão. Se ligou? Parte da produção do final dos anos 70, passando por grande fatia das novelas da TV Globo, entre elas Dancin’ Days , de 1978, e Baila Comigo, de 1981, são obras-primas da obra do carioca de Nilópolis.

Publicidade

O maestro é diretamente responsável por uma grande mudança comportamental da música brasileira. Ele foi uma das figuras chave na ascensão do nível técnico da produção brasileira e era, como escreveu um emocionado Ed Motta, “o cara que fazia os discos ficarem bem gravados, arrancar leite de pedra dos músicos”. Passaram por suas talentosas mãos nomes como Roberto Carlos, Ronnie Von, Tony Bizarro, Fafá de Belém, Banda Black Rio, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor, Fagner, Antônio Marcos, Robertinho do Recife, Wando, Sérgio Reis, Chitãozinho & Xororó. No cenário mais recente trabalhou com Sandy & Júnior, Fat Family, Patrícia Marx, Karametade, entre muitos outros. Seu último trabalho foi na TV Globo: era ele o responsável pelas trilhas e arranjos no programa The Voice.

Lincoln Olivetti morreu na terça-feira (13), vítima de um infarto, aos 60 anos. O velório do Maestro será realizado na quinta (15) no Cemitério São João Batista, Rio de Janeiro.

Ele fez tanta coisa que é difícil não cair na cilada de transformar este triste obituário em uma sequência de name droppings e história rasteira da música pop brasileira. Para tentar quebrar essa lógica perversa, pedimos para que você dê o play abaixo e abra o coração para uma das experiências musicais mais recompensadoras e boogie criadas sobre o solo deste país.

Robson Jorge e Lincoln Olivetti

Robson Jorge e Lincoln Olivetti é uma das grandes obras da música (mundial?). Lançado em 1982 pela Som Livre, que foi a casa, escritório e laboratório do Lincoln durante quase toda sua carreira. Olivetti conheceu o guitarrista Robson Jorge na época da Black Rio, turma carioca liderada pelo saxofonista Oberdan Magalhães, pelo trompetista José Carlos Barroso e é o grupo seminal do funk samba brasileiro. Ambos estreitaram um relacionamento de amizade ao longo dos anos 70 e foram refinando a fórmula do boogie brasilis até o ápice da forma/conteúdo no álbum homônimo. “Jorgea Corisco”, faixa que abre o trabalho da dupla, é uma obra-prima da música black, um dos grooves mais potentes que seus ouvidos e cintura sentirão. Até aposto uma grana nisso aí.

Exímios arranjadores e músicos, os caras realmente elevaram o nível do jogo da pop music brasileira da época para o patamar de monstros sagrados do suingue como Earth, Wind & Fire, Quincy Jones dos anos 70, Stevie Wonder e outros, mas de forma alguma deixando de lado a síncope sambística e ensolarada da música do Rio e da Bahia. Já escorreu uma lágrima quando coloquei o fone de ouvido bonzão para prestar atenção na forma como os caras construíram os ataques e frases de metais de “Aleluia”, “Pret-À-Porter” e a própria “Jorgea Corisco”, criando ricos climas de jazz de verão, harmonias e melodias de complexidade técnica indiscutível, mas que soam límpidas e musicais ao ouvido, treinado ou não. Um trabalho artístico de grandeza maior mas que, justamente por isso, soa natural e desencanado. Um rolê pela orla no meio de um dia de semana, você de bermuda e chinelo fumando um cigarrinho, vivendo o amor e o flerte, cantando no falsete os maravilhosos scats que a dupla não se furta a colocar em uníssono com as frases de guitarra.

Disco essencial para quem curte a vida.

R.I.P. Lincoln Olivetti. Graças a Deus os seus discos nunca vão morrer.