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Música

O Ringue da Rima: Colamos numa Gravação da Liga Nocaute

Fomos até uma academia de artes marciais em São Paulo para acompanhar a luta (de produção e poética) da batalha de rima mais fera da internet.

A banca forte da Liga Nocaute.

Num sábado, 26 de setembro, saltei no Metrô Barra Funda, ali no primeiro metro da Zona Oeste paulistana, e caminhei por uns dez minutos até a Rua Turiassu, número 683. O relógio contava quase 13h quando enfim cheguei ao meu destino — a Mavors, uma academia de artes marciais que, sugestivamente, é sede de uma das etapas da Liga Nocaute, a mais legal e internética batalha de MCs do momento.

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Quem vê a fachada da academia, nem imagina o que se passa lá dentro.

Fui pra lá entender como acontecem a gravação das batalhas que são publicadas semanalmente no YouTube e Facebook desde 2013, e que tem atraído cada vez mais adeptos e MCs. Mas como não tem moleza pra juventude, já teve problema no primeiro salve que o Helibrown me deu logo na porta. “Acabou a força. Parece que caiu uma árvore aqui perto. A gente tá ferrado.”

Helibrown pra geral: “não abraça ideia”.

Helibrown é MC, apresentador e um dos organizadores da liga. “A gravação vai acontecer de qualquer jeito. Tem MC que veio de longe. Um menino de Brasília, outro de São José dos Campos”, afirmou.

Nego E.

Aproveitei o tempo sem luz para conhecer melhor a parada. “A gente começou quando o Nego E apareceu com uns vídeos de batalhas decoradas que aconteciam em Portugal. Aquilo era insano. Ao invés de improvisar, os MCs já sabiam quem eram seus adversários e quais seriam suas punchlines”, explicou Helibrown.

Pedro Improvisador foi um dos primeiros a chegar na Mavors.

Nego E, que também organiza a liga, resumiu o desenrolar da historia. “A gente resolveu fazer a primeira edição na minha casa, mesmo com uma equipe bem reduzida. Eu mesmo apresentei”. Mas entre produzir os vídeos e publicar, teve uma questão que incomodou. “A Liga Nocaute é uma batalha diferente. Nós nos inspiramos nos gringos. Foi difícil explicar que uma batalha onde o MC decorava a rima também tinha seu espaço”, disse E.

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Se dependesse do Menezes, a gravação ia rolar mesmo sem energia elétrica.

Quase três anos depois, concluindo a segunda etapa de gravações da terceira edição, o projeto já marcou território. Pedro Improvisador, de São José dos Campos, contou que se sente muito honrado só de poder participar da batalha. “Aqui estão os melhores, o fato de ser selecionado representa muita coisa porque bastante gente com talento queria vir pra cá. Na liga, os MCs são muito valorizados”, relatou.

A arma secreta do Rusty Rom.

Helibrown mostrou sem falsa modéstia o porquê do prestígio da liga. “A maioria dos MCs que estão surgindo se inserem no rap por conta do freestyle. Acontece que as pessoas pensam que improvisar é fácil, que é para qualquer um, mas a Liga Nocaute não é. Trazemos bons improvisadores que escrevem antecipadamente os versos contra seus adversários. Isso traz a carga máxima de qualidade pra uma batalha de rima, mostrando que uma pessoa só com raciocínio rápido não basta, o MC tem que saber o que e como rimar.”

Todo mundo vai pra dentro da gaiola antes das batalhas começarem.

O termômetro da organização, que envolve também a equipe Artefato Produções, composta por Emily Carrijo, Alexandre Menezes e Leandro Valton, está cada vez mais quente em relação ao público. “Imagina que um mano do Amazonas quer vir batalhar. Para a terceira edição, recebemos mais de 170 inscritos”. Por enquanto não rola nem premiação, muito menos ajuda de custo para os MCs. “Meu projeto de futuro para a Liga Nocaute é conseguir um patrocínio. Se o cara for bom, quero pagar pra ele vir até com acompanhante, com hotel e tudo mais”, apontou Helibrown.

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Pra quem nunca reparou nos vídeos — a galera fica mesmo descalça para entrar no ringue.

Alexandre Menezes, diretor de vídeo da Artefato, chegou até a liga por meio do Nego E. “Eu trabalho com músicos, vídeoclipes, por isso já havia trabalhado com o E. Quando o projeto surgiu, eu aceitei participar. É tudo colaborativo. Cada um faz sua parte, e todos discutem as decisões”. Além de acreditar que a liga pode se tornar um trabalho profissional, Menezes tem outra motivação para se manter firme no grupo. “Sinto como se estivesse fazendo parte da historia da cultura hip-hop do Brasil.”

A punchline do Pedro Improvisador fez estrago.

Nego E explicou a logística da Liga. “Cada edição é composta por três etapas. Cada etapa com quatro batalhas e oito MCs. A primeira fase acontece na Blackout, uma festa da Artefato que rola no Morfeus Club. A segunda ocorre aqui na Mavors, onde sempre convidamos os MCs novatos. A última etapa é gravada no Centro Cultural Zapata”.

Rusty Rom tentou, mas nem essa foto escrota fez o KZL perder a linha.

Depois de gravadas, as batalhas de cada fase são publicadas semanalmente, uma de cada vez. “A gente faz isso para manter o público ligado”, esclareceu E. “Desse jeito, as batalhas alcançam até cinco mil visualizações em três dias. O pessoal assiste e já espera a próxima. Isso causa uma interação muito grande”.

A “cartada” do Chaveiro.

Além das rimas muito bem elaboradas, a Liga Nocaute — que pelo nome em si remete a pancadaria — é de temática livre. Vale xingar a mãe, o pai, a avó, o cachorro. Vale investigar a vida do adversário e trazer para as câmeras fotos, desenhos, instrumentos e — um bônus inédito na batalha que aconteceu nesse dia — até malabares.

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Prova desse espaço ilimitado para a treta poética é o Lester, um dos MCs participantes da Liga que foge completamente do estilo tradicional de um MC de batalha ou de improviso. Nego E explica que, antes mesmo de convidarem o Lester, já sabiam o que esperar do cara. “Era fato que ele seria um personagem interessante, justamente por fugir do estereótipo e parecer sem o menor compromisso com as coisas”, contou.

Como o Lester não estava lá na gravação, acabei conversando com ele pela internet uns dias depois. Ele não mede palavras para definir seu estilo na Liga Nocaute. “Eu fui convidado da primeira edição e desde então eles me chamam e eu batalho. Não tenho preocupação em ser lírico e nem sou competitivo como os caras. Só falo coisas que eu acho que serão engraçadas”. Então surgem várias piadas com a mãe e improváveis analogias com dedo no cu dos outros. “Aí tem vezes que eu ganho, tem vezes que eu perco, tem jurado que gosta e tem jurado que não”, lembrou.

Na hora, ninguém entendeu muito bem de onde veio aquela escaleta.

Antes mesmo da energia elétrica voltar, as gargalhadas do Rusty Rom e do Fractal me chamaram a atenção. “Isso aqui vai dar merda”. Antes da batalha, Rom, estava “trocando figurinhas” com Fractal. Os dois trouxeram impressos de fotos e prints de internet de coisas bizarras que seus adversários postaram no Facebook. “A ideia é desestabilizar o MC. Isso é um artifício que pode fazer o adversário abandonar a rima decorada e correr risco com o improviso”, revelou Rusty Rom.

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QUE COMECE A PANCADARIA

Lá pelas 15h a luz voltou e a equipe se organizou o mais rápido possível. Helibrown mandou todo mundo tirar o calçado e entrar no tatame — sim, igualzinho a uma luta, todo mundo descalço. Antes da gravação, ele também advertiu. “Aí, não quero saber de gente que veio pra cá de chinelo voltando pra casa de Air Max. A gente tá de olho”, e as risadas levaram embora a tensão dos MCs que esperaram duas horas para rimar.

Que comece a gravação.

Uma câmera fixada no meio do tatame, duas outras capturando plano detalhe, a plateia atrás dos MCs. Um teste de som, mais algumas brincadeiras e “silêncio, não abraça ideia não mano, a gente vai começar”. Helibrown iniciou, enfim, a apresentação da batalha.

A primeira seção de pancadaria ficou por conta de Pedro Improvisador contra Kevin. Com muitas linhas pesadas, a batalha teve seus altos e baixos. Mas foi numa sequência de rimas destruidora que o público perdeu o controle — inclusive Helibrown e Nego E, que deveriam conter a bagunça.

O segundo espanque rolou entre os MCs Boodskapper e Chaveiro. Tudo ia bem entre uma punchline e outra, até que o Chaveiro decidiu sacar uma foto do Boodskapper. O rapaz, que viajou de Brasília até São Paulo, não perdeu a linha e também mostrou serviço. Surpreendendo todo mundo, do nada — leia-se d-o-n-a-d-a, uma escaleta surgiu nas mãos dele. “Vou te ensinar através das notas musicais” e assim aconteceu mais um tumulto durante a gravação.

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Fractal provocou o máximo possível com suas rimas e malabares.

Na terceira batalha do dia a coisa não foi diferente. Rusty Rom não demorou muito pra puxar do bolso um print de uma foto de seu adversário, o KZL. O público gritou, e gritou e gritou e nada do KZL perder a cabeça. O cara manteve o foco nas linhas que trouxe de casa e revidou à altura com as boas e velhas rimas.

A última batalha começou tensa, parecia até UFC de verdade, com aquela coisa dos adversários se encarando de perto. Helibrown jogou a moeda e Fractal, que assim como Svit — seu adversário — era novato e menor de idade, logo lançou com sarcasmo: “deixa o Svit começar, ele tem cara de mau”. As rimas começaram rápidas, ambos tinham um flow ardiloso. Entre um grito e outro do público, Fractal começou com as fotos. Dessa vez, era uma prova de que o Svit ainda jogava League of Legends.

A ultima batalha que arrematou a gravação e todo mundo foi embora feliz — ou não.

O caiçara não perdeu tempo. Svit puxou também uma imagem, ou melhor, montagem. “Sua mãe me manda nude”, foi a deixa do MC. Isso poderia ser o fim para Fractal se ele não tivesse resolvido trazer na bolsa quatro bolinhas de malabares. Com muito presença, “ganho de você até rimando enquanto jogo malabares”, foi o começo da linha do novato, que acabou de vez com qualquer tipo de ordem que havia entre o público e o apresentador. Assim como todas as batalhas, essa também foi literalmente de arrepiar.

Quando tudo acabou, Helibrown foi bem direto. “Pode mostrar suas fotos, contar tudo que viu aqui. Só não vale revelar quem ganhou as batalhas, isso ai é só assistindo o vídeo depois”. Essa é minha deixa — assistam as próximas publicações da Liga Nocaute.

Lucas Jacinto é repórter e fotógrafo de coisa que ninguém vê no interior paulista. Ele fecha com a SUP Mídia Livre e está no Instagram e no Tumblr.

Você pode conferir os vídeos da Liga Nocaute no canal de YouTube da ATF Produções.