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Música

O Mundo Surround Quadrifônico Orgânico Digital e Ao Vivo do Lenine

O cantor pernambucano está lançando os registros ao vivo da turnê do álbum 'Chão' e você assiste “Isso É Só o Começo” com exclusividade aqui no Noisey.

Foto por Beto Figueiroa/Divulgação.

Sabe aquela conversa que é tão cheia de informação que quando acaba você só pensa: "Caralho, eu preciso de um café"? Pois bem, fiquei assim depois de falar com o cantor e compositor pernambucano Lenine. Compondo o amálgama, físico inclusive, entre Dave Grohl e Benito di Paula, o músico une o peso das guitarras do ex-baterista do Nirvana com a característica facilidade de tocar o coração do sambista amigo do Charlie Brown. Enquanto está em estúdio finalizando o seu 11º disco de inéditas, Carbono, ele solta diariamente uns vídeos malucões na rede mundial de computadores. Versões ao vivo do repertório do álbum Chão, de 2011, se juntam a alguns clássicos de sua estrelada carreira como "A Ponte". O material foi gravado com quatro GoPros e mostra diversas visões, como por exemplo, o olhar do técnico de som ou do roadie. E a trip rolou em 130 apresentações, de 80 cidades do Brasil e da gringa. No player abaixo você assiste com exclusividade essa versão de “Isso É Só o Começo”, a última faixa do registro ao vivo. Ouve aí:

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Lenine deu uma pirada também no som dessa turnê e fez questão de montar um show surround, com aquele áudio tridimensional muito comum nos cinemas. “No início, nas quatro primeiras músicas, as pessoas estranhavam muito”, ele explica.

Para além de uma entrevista burocrática sobre lançamento de disco e papagaiadas musicais, no papo abaixo Lenine discursa bonito sobre música concreta, quadrifonia e outras bruxarias, sempre com o maior tesão na porra toda.

Antes de começar a ler a entrevista, dá o play nos outros sons:

Noisey: Por que você decidiu formar um power trio para esse show?
Lenine: A gente não tinha chegado nesse power trio de imediato. O que me estimula para fazer música é o olhar mais do que o ouvir. Ó que loucura. Então é muito do que eu percebo com o olhar e isso é uma constante em minha trajetória. Depois de fazer o Labiata, que é um disco mais rock’n’roll e tal, eu resolvi que queria fazer um disco sem bateria e percussão. Esse foi o estímulo. O porquê, não tem muito porque não, Peu. Eu tô fazendo isso há muito tempo e os estímulos é que movem a gente. Então é basicamente isso.

E qual a importância do JR Tostoi e do Bruno Giorgi para esse trabalho?
Eles foram produtores comigo do disco. No caso do Chão, tem uma pesquisa bem aprofundada do Bruno, por uma grande coincidência e uma conspiração a favor. Quando eu fui gravar a primeira canção “Amor É pra Quem Ama” a porta do estúdio tava entreaberta e vazou o canário da minha sogra, avó do Bruno. E esse canário belga fez um som belíssimo no tom da música e reverberando o arranjo. Ou seja, interagindo com as modulações e tal. Nessa mesma hora Bruno me disse. “A gente tem que assumir isso”. Na mesma hora a gente foi atrás, pegamos o passarinho, fizemos um set para o passarinho e tocamos a música. O que você ouve foi o que ele cantou, não tem edição.

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E essa é uma característica dessa obra, né?
É uma grande característica do Chão. Os sons não foram manipulados. É completamente orgânico. Desde os pássaros, que foram percorridos e andados. Mesmo quando sai do tempo dois pra uma piscina.“Tchá-Tchá e Tchá-Tchá-Tchá-Tchá”. Foi executado, foi andado, foi corrido. Assim como o coração que tem lá. É o coração do Bruno. E o coração humano tem um arritmia, não é um looping. Isso fez com que eu construísse as canções em cima desses áudios. Eu não fiz as canções e depois manipulei os áudios pra se adequarem.

E como isso muda o produto final?
Isso fez toda a diferença. Num primeiro momento, porque a gente percebeu esse diálogo com a música concreta.

E ainda rolou um flerte com a quadrifonia. Doido isso.
A quadrifonia surge logo em seguida. Porque quando eu disse assim. “Pô, a gente pode usar o som do meu cotidiano”, essa coisa íntima e passional que o disco se propõe a ter. Aí eu disse. “Então vão ser os sons daqui”. São as cigarras que cantam aqui na Urca, é tudo. É a máquina de lavar que tá sempre centrifugando roupa, a chaleira do café me avisando a hora de fazer a coagem. Então isso tudo foi norteando. Quando a gente foi descobrindo esse caminho, de imediato percebemos que a gente podia fazer o show surround. A gente podia brincar com essa arquitetura sonora.

E as pessoas não estranharam esse show surround?
No início, as quatro primeiras músicas, as pessoas estranhavam muito. Engraçado, porque qualquer brasileiro médio que vai numa boa sala de cinema não estranha o o 5.1. Mas quando isso tá associado ao bidimensional, que é reconhecido pela gente pelo LR, e você descola isso e brinca com isso, causa um estranhamento. E realmente causou, as pessoas não entendiam. Ainda mais porque essa arquitetura foi feita música e esse eixo mudava. Era de trás pra frente, de um lado pro outro, em cruz, em X, dependendo do que a gente queria dar concretude.

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Beto Figueiroa/Divulgação

Mas essa sua piração de fazer um show quadrifônico funcionou, né?
É uma equação mais difícil, mais cara, mas funcionou e de uma maneira que agora não tem volta. Todo os meus trabalhos agora são quadrifônicos. E o Carbono não vai ser diferente.

Seu violão sempre soou meio envenenado, mas ele tá soando um pouco mais roquista. Faz sentido?
Faz, eu tô usando pouca coisa. É um drive, um delay, um pré, um buster. Pouca coisa.

E quais fora as referências. É viagem falar que tem alguma coisa de Radiohead nesse repertório?
Não é viagem, acho que dialoga muito com a música contemporânea. Mas dizer isso não é dizer muito, não. Eu acho que música é música e não precisa de adjetivo.

O show acaba virando uma piração mesmo, né?
É em tempo real. A gente vai construindo os castelos rítmicos por repetição, copy-paste. E isso faz com que esse repertório se transmute a cada show, porque o risco que se cria não é o mesmo sempre e você quando bota pra copiar ele sai diferente. Aí você vai construindo a canção e todo o relevo sonoro a partir desse dado orgânico acontecido ali, no momento. E isso tem um sabor da porra.

Isso te ajudou a incluir outras canções do seu repertório?
Sim, isso me ajudou muito com as músicas que não eram do Chão, mas que se adequariam a esse universo. Canções como “A Rede”, que já tinha aquele áudio da rede balançando. Uma coisa que tá sempre presente no meu trabalho é esse banco de ruidagem.

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Como funciona isso?
Antes de começar um disco eu faço um banco de ruídos pra ter certeza que aquele banco ninguém tem acesso, só eu. Eu produzo ele.

Como é o seu processo de criação?
Quando eu tô no processo de criar é o único momento em que eu tenho um apego muito grande pelas coisas. Porque elas não são ainda e esse primeiro momento é quando eu saio do íntimo, do solitário e divido essas canções com quem tá produzindo. No caso o Bruno sendo meu filho e essa proximidade, ele foi o primeiro.

No palco você também parece se divertir bastante com o JR e com o Bruno.
Demais. O que eu faço no violão o cara já sampleia e já bota em tempo real. O outro pega a voz, já mete um delay. Tem esse tipo de interação que é muito bacana e prazerosa pra gente.

Beto Figueiroa/Divulgação

E como vocês se dividem no palco com tanta informação?
A gente dividiu nas faixas de frequências. A média e alta são minhas e ninguém entra. Essa baixa frequência ou é JR ou é Bruno num baixo ou num baixo eletrônico.

Como você mantém o tesão mesmo depois de tantos anos na estrada?
Já faz algum tempo que fazer disco pra mim não é juntar algumas canções. Não é uma coletânea de contos. Eu sempre me imagino fazendo um romance.

Como está o processo do disco novo?
Eu tô feliz da vida, mas não posso falar nada pra você. Então eu tô frustrado. Eu tô aqui conversando com você entre dois estúdios. Um tá mixando e o outro ainda estou fazendo algumas coisas.

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