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Música

Até Mesmo os Deuses Precisam de um Descanso

Lemmy Kilmister, do Motörhead, saiu no meio de um show na terça (1) e vem cancelando diversas apresentações. Com os problemas de saúde aumentando, não seria a hora de uma merecida aposentadoria?

Fotos cedidas pelo Motörhead

“Eu não consigo.”

Estas palavras ressoaram junto ao público como um abalo secundário na noite de terça (1) em um show do Motörhead que rolou no Emo’s, em Austin, Texas. Em vez de quebrarem tudo com seu set como uma máquina bem afinada e acostumada à estrada, os ícones do heavy metal tocaram somente alguns minutos antes de pararem de vez. Lemmy saiu do palco no meio de uma música; um vídeo feito por um fã o flagrou falando “eu não consigo” antes de ir embora, vagarosa e dolorosamente, com auxílio da bengala que passou a usar recentemente. O público, embasbacado, logo retomou sua compostura e começou a gritar – não reclamando, mas torcendo – por ele. Um canto soava por todo o local – “Nós te amamos! Nós te amamos!” – em uma demonstração de solidariedade e apoio que poderia deixar o veterano metálico mais durão em prantos. Algum tempo depois, o frontman de 69 anos ressurgiu, pegando o microfone. “Adoraria tocar pra vocês, mas não consigo. Por favor, aceitem minhas desculpas. Fica pra próxima, beleza?”

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E claro que todo mundo levou na boa. Um amigo presente ali me disse que o público parecia triste – ele até mencionou ter visto fãs chorando depois – porém “muito compreensivo”, o que não me surpreende. Nenhum fã de Motörhead (ou metal em geral) aguentaria ficar ali e ver O Cara falhar daquele jeito e reagir de outra forma. Não foi um ataque de frescura do Axl Rose ou a patacoada bêbada de um Scott Weiland, ou mesmo um surto a la Billie Joe. Foi um cara chegando pra trabalhar e percebendo que não daria conta. Longe do palco, aquela bengala é só mais uma entre as muitas mudanças no estilo de vida que sua saúde exigiu. Ele parou de fumar, mudou do seu clássico Jack Daniels para vinho tinto e então vodca, e por mais que não fale de suas atividades extracurriculares, faz sentido presumir que largou as benditas anfetaminas também. Todas decisões complicadas e necessárias, mas que te fazem pensar o quão feliz Lemmy está. Assim que a graça da vida se vai, qual o propósito de viver?

Amo Motörhead há anos e anos; a música deles tem sido uma constante desde que comecei a ouvir punk e metal 15 anos atrás, e sempre que os vi ao vivo, tem sido foda. Tenho ingressos para o show de Nova York desta turnê, e espero que consiga usá-los. A maioria das minhas bandas favoritas pode traçar suas raízes diretamente a clássicos como Overkill, Bombers, e Ace of Spades. Entrevistar Lemmy segue como um objetivo meu, e estou empolgada mesmo com Bad Magic, seu mais recente disco. Dito isso, espero mesmo que não haja uma próxima vez – não porque não amo o Motörhead, mas simplesmente porque amo demais a banda pra vê-la sofrer.

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Enquanto seus colegas de banda Phil Campbell e Mikkey Dee parecem estar segurando a onda (uma longa vida de farra e rock’n’roll), a saúde de Lemmy tem sido uma preocupação há alguns anos. Este show em Austin não foi o primeiro que ele cancelou este ano por conta de alguma doença: na semana passada ele saiu do palco em Salt Lake City e cancelou o show de Denver na noite seguinte por questões de altitude (o show de San Antonio hoje foi cancelado também, o que a banda afirma ser consequência direta deste problema), e em abril, o Motörhead caiu fora do Monsters of Rock no Brasil poucas horas antes de subirem ao palco, com Lemmy pedindo desculpas logo depois. “Sinto muito ter perdido o show. Tive um problema estomacal e estava vomitando. Não é nada legal. Não consegui tocar”. Ver esta figura lendária admitindo fraqueza – derrota, até – foi chocante para fãs que há décadas tem respondido à pergunta “quem ganharia uma luta, Lemmy ou Deus?” com “pegadinha, Lemmy É Deus!”.

Lemmy nasceu em 1945; ele viu os Beatles tocarem aos 16 anos de idade e passou por algumas bandas locais e uma temporada desastrosa com o Hawkwind antes de bombar com o Motörhead em 1975. Estamos em 2015. É tempo pra caralho pra se fazer qualquer coisa, ainda mais algo que envolve tanta paixão, energia e foda-se ligado como o Lemmy fez; faz sentido que ele esteja cansado. Parte da mística em torno dele se baseia no fato de que ele não tem mística alguma. Nas entrevistas, no palco e na sua biografia – maravilhosamente e verdadeiramente intitulada White Line Fever [Febre da Linha Branca, em tradução livre] – ele abre o jogo; você faz o que quiser com aquela informação e ele não liga. Sexo, bebida, drogas, rock’n’roll, couro, madrugadas – esse sempre foi o lance do Lemmy, sem qualquer arrependimento e com charme o suficiente para fazê-lo parecer ainda mais acessível, um herói folclórico da baixaria com quem você gostaria de tomar umas. Após 40 anos, ele não sabe como ser de outro jeito, e agora que seu corpo e os médicos exigem que ele mude, o cara parece perdido. O show de Austin ontem foi dolorido de se ver; pela primeira vez, ele pareceu velho, mortal.

Tudo que posso dizer pro Lemmy agora é "escuta aqui, parceiro: você não nos deve nada". Não tem nada mais a provar pra ninguém. Você já nos deu tanto e pediu por tão pouco. Tudo que você queria era passar a vida na estrada, tocar todas as noites e relaxar com um pouco de Jack e Coca depois. Se não dá mais pra fazer isso numa boa, é hora de parar. Sei que você não quer viver pra sempre, mas você merece viver bem enquanto ainda está aqui. Mude-se pra Flórida, compre um barco e fique de pernas pro ar, porque você merece.

Nunca vamos deixar de te amar, mas te ver morrendo nos mata.

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Tradução: Thiago “Índio” Silva