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Música

A Língua do Intrigante e Estranho Mundo Setentista da Laura Groves

A inglesa lançou o maravilhoso EP Committed Language em fevereiro e desde então talvez eu esteja um pouco apaixonado, sim.

O meu primeiro contato com o mundo virtual global hiperconectado e ultrasensível quando voltei de um ótimo feriadão de Carnaval no litoral paulista foi dar de cara com quatro recém-lançadas musiquinhas cheias de solidão, ricas harmonias e climão de bom gosto retrô setentista, mas tudo bem lo-fi e feito em casa. Era o Committed Language, da Laura Groves. Ela tem 27 anos, é natural de uma biboca chamada Shipley, no norte da Inglaterra, mas hoje ela vive e dá longas caminhadas em Londres.

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O leitor que acompanha com lente de aumento o confuso e lotado noticiário musical underground internacional já deve ter lembrado que Laura foi/é parte do trio indie pop Nautic, ao lado do Bullion (chefe da DEEK Recordings) e do Tic Zogson, co-fundador da Young Turks e um dos caras que meio que descobriu a Adele (!!!). O Bullion também mixou e produziu o Committed Language, que logicamente saiu pela DEEK em 18 de fevereiro.

Lá em 2012, o trio emplacou um Best New Track na Pitchfork com a faixa “Fresh Eyes” e atraiu aquela breve e fugaz atenção que Best New Tracks da Pitchfork costumam alimentar. Em 2014 eles se reuniram novamente para um também bonito e oceânico EP, o Navy Blue, mas a essa altura do campeonato a mágica midiática talvez tenha desvanecido em outras modas e baboseiras.

De qualquer forma, cada um dos três foi viver a vida do jeito que achou melhor. Laura lançou em setembro de 2013 o Thinking About Thinking, EPzinho que já dava indícios de que a inglesa queria mesmo flutuar no zeitgeist que colocou a Kate Bush e o indie pop anos 2000 “lado-a-lado”. Mas em Committed Language ela conseguiu atingir uma invejável maturidade cancioneira. Melancólico mas sem afetação, o EP me ganhou grandão e eu passei dias o ouvindo sem parar, triste/feliz ao perceber que aquela inclinação soft rock que eu vinha percebendo no mundo desde os primeiros momentos pré-japa-fusion do Dorgas em 2011 (ou foi 2012?) não era simplesmente uma viagem minha por estar ouvindo muito a Saudade FM (rádio mais ouvida do Estado de SP, diga-se de passagem). Laura também tem admiração pelas belas lições de melodia, harmonia e coração do Todd Rundgren, Elton John, Robert Wyatt, Robert Fripp etc. Os grandes, bixo. Era algo que vinha apontando, tanto no seu trampo solo quanto no Nautic, mas agora a coisa tem uma cara forte e saudável, apesar de precisar de um bronze.

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Curti muito o disquinho e comprei no Bandcamp. A confirmação veio do próprio Bullion, então não hesitei e meti-lhe um pedido para uma entrevista por e-mail com a Laura, que obviamente aconteceu. Ouvi ainda mais uma par de vezes o EP, refleti aqui e ali, demorei a mandar as perguntas, ela também devolveu devagar e fofo. Tentei conversar com ela sobre essas minhas impressões do Committed Language e da, hmmmm, cena indie rock, além de mandar um humilde PLEASE COME TO BRASIL pra mostrar o quanto eu fiquei fã do trampo dela.

Ah, e ela fez uma singela e ótima playlist de referências que exemplificam em som o papo:

Noisey: Oi Laura! Antes de mais nada, nos conte a história de como você virou musicista.
Laura Groves: Eu cresci ouvindo meus pais tocando jazz no saxofone e clarinete. Minha mãe costumava me levar para seus ensaios de big band e me deixar sentada no canto a tarde toda. Meu pai ouve basicamente jazz e minha mãe é fã de Joni Mitchell, Judy Collins e mais um monte de coisa que ela cresceu ouvindo durante os anos 70. Meu irmão mais velho é um músico erudito e tocava muito piano em casa quando eu era criança. Lembro que o som do piano sempre teve essa aura de misterio e romance. Eu também queria tocar e fiz aulas, mas estava dentro do meu mundinho, na verdade – eu não tinha a disciplina necessária. A magia da música para mim estava em outro lugar, bem escondida na minha imaginação. Sempre senti que cantar era muito natural e acho que sempre presumiram que eu acabaria envolvida com música de alguma forma, mas só depois dos 17 anos, quando consegui alguns softwares baratos de gravação, que comecei a compor e gravar canções.

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Como você teve a ideia para o EP?
As músicas mesmas foram escritas durante um período muito longo, mas a mais recente, “Commited Language”, amarrou e deu o nome ao EP. Fiquei pensando em como podemos usar a linguagem para sair de uma situação, contornar assuntos que deveríamos enfrentar de frente. Queria que a musica soasse como um reflexo direto disso. Existem outros temas no disco também, mas no geral ele lida com as diferenças entre viver dentro de nossas cabeças e o “mundo real”, e reconciliar os dois.

O disco soa maravilhosamente lo-fi. Como você gravou essas músicas?
A maior parte foi feita na minha casa. Comecei a trabalhar sozinha na gravação e produção, deixar bem perto do que eu queria, daí o Buillon me ajudava a amarrar as coisas. Gosto de trabalhar sozinha no começo para tentar captar a essência do que está rebatendo dentro da minha cabeça. Desta vez também chamei alguns amigos – Fabiana Palladino na bateria, Ben Reed no baixo e Joe Newman na guitarra, então foi algo mais social se comparado com Thinking About Thinking, que era literalmente apenas eu no meu quarto.

Como o EP é tocado ao vivo?
Tenho muita sorte de ter uma banda de músicos extremamente talentosos comigo. Me faz abrir um sorriso imenso quando eu penso nisso! Sou constantemente inspirada por eles e aprendi muito tocando as músicas ao vivo. É um set up bem tradicional – nós tocamos tudo ao vivo e eu adoro ter uma banda grande com percussão extra esse tipo de coisa. É uma experiência comunal verdadeira.

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Você pode pontuar algumas das músicas que inspiraram a composição do EP? Talvez uma lista de cinco canções, algo assim.
Não existe referência direta, mas aqui vai uma lista de algumas coisas que eu gosto:

O programa “Pipe Down” da rádio NTS

Na sua entrevista para a Dazed você mencionou que adora a composição dos anos 70. Pode falar mais sobre isso? Para você, o que é uma composição setentista?
Eu acho que os compositores era mais ousados com a harmonia – os acordes que eles usavam costumavam ser bem influenciados pelo jazz e, apesar das canções saírem simples, elas tinham certa profundidade e complexidade. Mas fora as questões formais, muitos de meus artistas preferidos dessa época são bem diferentes e cada um tem sua voz distinta. Todd Rundgren, Kate Bush, Joni Mitchell, Robert Wyatt – são os nomes óbvios que vem à mente, mas existem muitos outros escondidos. Você pode ouvir seus progressos durante suas vidas artisticas, você pode ouvir que eles saíram e descobriram coisas novas e nós podemos ouvir o resultado desse processo alimentando suas imaginações, e eles se expressando de seu jeito particular. É tudo filtrado por suas próprias experiências com pessoas e vida e relacionamentos, e isso ressoa e realmente significa algo para você, pessoalmente. Para mim é isso que é música; tem muito da coisa toda que é inexplicável, mas eu amo quando um artista consegue criar esse estranho e intrigante mundo próprio e me puxar para dentro dele. Isso se aplica à música de qualquer época também. Pode ser uma canção pop fora do padrão nos anos 70 ou uma longa e trambolhuda improvisação. Não conseguiria tirar muito de uma música que soa como uma cópia em papel carbono, como se fosse apenas pelo estudo ou pelo valor nostálgico. Ela precisa ser de coração e alma e a fagulha de alguém que está sendo muito sincero e seguindo seu próprio caminho.

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Eu amo a música dos anos 70 também, especialmente quando se trata da sensibilidade pop que os grandes compositores da época tinham. Muitos deles eram músicos muito proficientes também, emprestando técnicas da música clássica, não-ocidental ou folk, para trabalhar em suas composições. Você estudou música formalmente? Você tem alguma influência clara fora do pop?
Tem tantas! É importante continuar aprendendo e usar a sua imaginação. Eu estudei música em um conservatório e fiz algumas aulas de canto erudito e piano. Aprendi teoria até certo ponto, mas ela não vem naturalmente para mim. Passei a confiar mais nos meus ouvidos agora para compensar.

Ainda sobre as influências dos anos setenta: acho que muitas bandas indie pop começaram a dar atenção para essa década nos ultimos três anos. Você acha que isso é verdade? Que existe certo zeitgeist setentista no indie pop contemporâneo?
Bom, como costumo dizer, posso realmente entender porque as pessoas tem conexão emocional com a música daquela época, e ela vai continuar tendo forte influência por causa de sua qualidade. Pessoalmente acho muito interessante quando é possivel detectar as influências musicais mas a música continua inequivocadamente sua… Eles levam algo deles mesmos e tudo se funde para se transformar em algo novo.

Eu nunca havia ouvido o Nautic até agora, e amei o EP Navy Blue. Inevitavelmente, minha cabeça começa a fazer comparações. Para você, o que mudou desde os dias do Navy Blue?
Nós não tinhamos muita coisa planejada quando começamos, então era bem livre e autêntico. Era muito novo para mim apenas improvisar na frente de várias pessoas – eu era bem tímida no começo, mas sou grata pela experiência porque ela me deixou muito mais aberta para compartilhar. A combinação de Tic [Zogson] ou eu vindo com uma progressão de acordes, alguém tocando uma frase de teclado ou guitarra, e Nathan [Nathan Jenkins, o Bullion] capturando essas performances e acrescentando sua produção, significava que as coisas aconteciam rápido e nós costumávamos estar bem empolgados, ouvindo uma música tomar forma na hora dentro do quarto e depois construindo a partir dela.

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Esteticamente, existia uma esforço claro de distanciar seu trabalho solo do som do Nautic? Qual você acha que é a diferença principal entre uma coisa e outra?
Não é um esforço consciente da minha parte – acho que a diferença ocorre naturalmente pelo método do trabalho.

Estava ouvindo o Thinking About Thinking e percebi que a sua música mudou muito desde então. No Bandcamp diz que essas foram as primeiras canções que você compôs “desde que saiu de sua cidade natal para Londres”. Como viver na capital afetou seu trabalho recente? Qual sua relação com um ambiente cinza ultra urbano?
Eu tenho certeza que afetou… Me mudei de um lugar onde me sentia muito confortável, quer estivesse socializando ou sozinha. Já tinha alguns amigos em Londres, mas é fácil se sentir alienado. É meio sobre isso que a música “Mystique” fala – esse sentimento de estar perdendo algo, pensando sobre o que está acontecendo “lá” porque deve ser melhor do que o que você esta vivendo “aqui”. Para mim esse sentimento era muito mais forte em Londres. Mas na verdade, é muito melhor estar confortável com você mesmo e lidar com as coisas conforme elas acontecem – você acaba sendo muito mais aberto dessa forma.

Eu amo andar em Londres. Saio para longas caminhadas pela cidade ou ao lado do rio. É divertido sair sem muitos planos.

Quais são os planos para o futuro? Um disco solo, mais coisa do Nautic, shows ao redor do mundo? (se sim, por favor, venha para o Brasil! hahahaha)
Estou compondo e gravando algumas canções novas no momento, que vão virar um álbum eventualmente. O Nautic provavelmente vai ter uma nova aparição. Quanto ao Brasil, eu ficaria honrada!

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