FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Kendrick Lamar Até Agora: Tudo que Aprendemos Com ‘To Pimp a Butterfly’

O álbum usa a história da lagarta e da borboleta para ilustrar uma luta eterna e o desejo de mudança.
Ryan Bassil
London, GB

A Interscope lançou o terceiro disco de Kendrick Lamar, To Pimp a Butterfly, nas primeiras horas da segunda-feira (16). Como good kid, m.A.A.d city e Section 80, há muito conteúdo a ser desbravado – o disco merece inserções repetidas no crânio para melhor compreensão de suas narrativas entrelaçadas, mas agora, enquanto estamos sentados na proverbial poltrona, relaxando e celebrando um dos lançamentos mais esperados do ano, vamos dar uma olhada nas mais imediatas peças-chave de informação do álbum.

Publicidade

O LANÇAMENTO ANTECIPADO PROVAVELMENTE NÃO FOI UMA HOMENAGEM A 2PAC

Como tantos outros discos, To Pimp a Butterfly foi lançado às pressas no iTunes e Spotify antes de seu lançamento físico, mas na manhã passada alguns moleques no Reddit discutiam haver mais por trás da mudança na data de lançamento do que sair na frente dos torrents. Os temas dos terceiros discos de 2Pac e Kendrick, que tratam da perda da inocência, paranoia e autodepreciação, levaram alguns fãs a crerem que o lançamento apressado havia sido planejado para coincidir com o 20º aniversário do 3º álbum de 2Pac, Me Against the World, uma data que Kendrick chamou de “um dia especial” e havia tuítado sobre alguns dias antes. A faixa de encerramento do disco, “Mortal Man”, conta com Kendrick dialogando com 2Pac, não com o auxílio de um holograma, mas sim trechos de uma entrevista de 1994 de 2Pac realizado com o programa de rádio sueco P3 Soul.

Mas a maioria das decisões tomadas na indústria musical são cínicas e não conceituais. Drake lançou sua última mixtape #IfYoureReadingThisItsTooLate direto no iTunes, vendendo 721.000 cópias nas primeiras quatro semanas, destruindo no streaming. Parece-me que To Pimp a Butterfly segue o mesmo caminho, com a Interscope querendo lucrar e compensar a falta de sons radiofônicos no disco por meio de streaming instantâneo.

Se o lançamento ocorreu por razões monetárias ou não, pouco importa, porque ao que parece a Interscope deixou o pessoal de Kendrick no escuro. Logo após o lançamento do álbum, Anthony “Top Dawg” Tiffith, CEO do selo de Kendrick, Top Dawg Entertainment, tuítou o seguinte:

Publicidade

GOSTARIA DE AGRADECER AO PESSOAL DA @Interscope POR TER CAGADO NOSSO LANÇAMENTO… ALGUÉM TEM QUE PAGAR POR ESTE ERRO !!!! #TOP

Não que Kendrick esteja ligando muito para o lançamento antecipado…

Fiquem calmos. Está tudo bem.

A CAPA

A capa do disco é uma fortíssima declaração visual. A imagem conta com um grupo de homens, mulheres e crianças negras festejando do lado de fora da Casa Branca. Há caras de provocação e alegria, dinheiro e bebida representando o sucesso material, um juiz branco com os olhos riscados, e uma criança mostrando o dedo do meio, obscurecido por pixels. A arte, divulgada há uma semana, sugere que a temática do disco se daria em torno de alguma revolução.

Mas impressões iniciais sugerem que trata-se de uma revolução individual, interna.

KENDRICK ESTÁ SEGUINDO O HYPE DA LAGARTA

O primeiro álbum de Kendrick Lamar, Section 80, preparou o terreno para o lançamento de good kid, m.A.A.d city, um disco que relatava a vida do rapper em Compton. Ambos são peças na construção de To Pimp a Butterfly – um álbum que mostra onde Kendrick se encontra dentro do mundo que criou. Se já não ficou claro no título, Kendrick retraça a narrativa central da história da lagarta que vira uma borboleta, só que, você sabe, junto com uma análise sombria da América do Norte negra, imagens religiosas pesadas e uma reimaginação básica do conto de lixo ao luxo que tem feito parte da história do hip hop desde sua criação.

Publicidade

A faixa de abertura do disco, “Wesley’s Theory”, traz sua primeira teoria – a “cafetinagem” de artistas negros de sucesso pela indústria de entretenimento. “When the four corners of this cocoon collide / You’ll slip through the cracks hoping that you’ll survive” [Quando os quatro cantos deste casulo colidirem / Você deslizará pelas rachaduras torcendo para sobreviver] – descreve o momento em que um artista deixa o gueto. Kendrick fala no passado, dizendo que quando conseguir um contrato vai “agir sem pensar”, “pegar uma secretariazinha vadia” e conseguir “platina em tudo, platina numa aliança de casamento”.

Ele referencia uma mentalidade comum – a de que uma lagarta pode se tornar uma borboleta, assim colhendo benefícios. Mas não é só o sucesso que importa; e sim fazer as coisas do jeito certo, amadurecendo e aprendendo. Não sendo cafetinado.

A faixa conta com um interlúdio feito por Dr. Dre que diz:

“Remember the first time you came out to the house?

You said you wanted a spot like mine

But remember, anybody can get it

The hard part is keeping it, motherfucker”

[Lembra da primeira que vez colou em casa?

Você disse que queria um canto como o meu

Mas lembre-se, qualquer um consegue

O difícil é manter, filho da puta]

A borboleta é descrita na última faixa, “Mortal Man”, como uma representação do talento, ponderação e beleza da lagarta. Enquanto isso, a lagarta é descrita como “prisioneira das ruas que a conceberam”. Ele é esquivo e “tem uma visão dura da vida”, mas percebe que as borboletas são valorizadas. Ao ver uma borboleta como “fraca, [ele] descobre um jeito de cafetiná-las para seu benefício."

Publicidade

No decorrer do disco, há uma frase repetida como um mantra. “Lembro que você vivia em conflito. Usando de forma errada sua influência. Às vezes eu fazia o mesmo. Abusando de meu poder, cheio de ressentimento.”

Esta frase é usada para introduzir a personagem de “Lucy”. Na faixa “For Sale (Interlude)”, ela é descrita como uma pessoa que não dará preocupações a Kendrick, encherá seus bolsos, tirará sua mãe de Compton. Mas ela não existe – ela é um objeto de tentação. De algumas formas, “Lucy” representa “Lúcifer”, o diabo. Ela diz ter ouvido algumas orações no primeiro disco de Kendrick e sabe que Kendrick ama seu pai, mas não se importa porque no final das contas ele irá atrás dela.

Lucy é uma representação das forças destrutivas pelas quais a lagarta tem que passar para sobreviver em m.A.A.d city. Mais adiante no disco, aquela frase descreve os males de Lucy que estão em torno de Kendrick, fazendo-o querer ficar louco e se autodestruir, e explicam porque ele crê estar abusando de seu poder, sucumbindo ao desejo da lagarta de dar uma de cafetão com a Borboleta, ao invés de agir como o ponderado e belo talento que pode ser.

Diversos ensaios poderiam ser escritos sobre algumas músicas essenciais: “Black the Berry”, o amor e ódio próprios de “i" e “u”, e mais. Mas parece que a temática do disco mesmo é a luta eterna que se dá durante a mudança de lagarta para borboleta – porque “por mais que elas sejam completamente diferentes, são uma só”. Enquanto Snoop Dogg rima em “Institutionalized”, "you can take your boy out the hood / but you can't take the hood out the homie" [você pode tirar o cara do gueto / mas não tirar o gueto do mano], que significa que não importa quanto dinheiro a borboleta ganhe, ou quão famosa fique, ela nunca esquecerá das lições aprendidas quando era apenas uma lagarta. Mas “nada muda até você se levantar e mexer esse rabo”. Este é um tema centrado em uma revolução interna antes de que esta possa acontecer a nível global, ecoando os comentários controversos de Kendrick a respeito de Ferguson, em que ele disse que a mudança não deveria “começar com uma passeata, nem saques – tem que começar por dentro”.

Publicidade

ELE MANDA UM SALVE PRO KILLER MIKE

Em “Hood Politics” Kendric diz: "Everybody want to talk about who this and who that / Who the realest and who wack / Who white or who black / Critics want to mention that they miss when hip hop was rappin’ / Motherfucker if you did, then Killer Mike'd be platinum / Y’all priorities are fucked up, put energy in wrong shit / Hennessy and Crown Vic, my memory been gone since." [Todo mundo quer falar quem fez isso e aquilo / Quem é de verdade e quem é escroto / Quem é branco ou preto / Críticos querem falar de como sentem saudade de quando o hip hop rimava / Cuzão, se fosse assim Killer Mike teria sido platina / As prioridades de vocês são cagadas, dispendendo energia no lance errado / Hennessy e Crown Vic, minha memória se foi desde então]

Killer Mike, sempre muito gracioso, respondeu no Twitter:

Sincere thanks. Salutes @kendricklamar. #RTJ

— Killer Mike (@KillerMikeGTO) March 16, 2015

Agradecimentos sinceros. Um salve @kendricklamar. #RTJ

ELE NÃO MANDA UM SALVE PARA TAYLOR

Mas ela deu uma de louca do mesmo jeito.

KENDRICK PUT HIS ALBUM OUT EARLY. NO ONE TOUCH ME. @kendricklamar

— Taylor Swift (@taylorswift13) March 16, 2015

KENDRICK LANÇOU SEU DISCO ANTES. NINGUÉM ME TOQUE. @kendricklamar

OUTROS MÚSICOS PARECEM CURTIR MESMO O CARA

jesus christ….is he interviewing the ghost of 2pac?!?!?!?!?!?!!??!?!?!?!!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!

— Questlove Gomez (@questlove) March 16, 2015

Publicidade

jesus cristo… ele está entrevistando o fantasma de 2pac?!?!?!?!?!??!!?!??!?!??!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?

God help us, this outro is @kendricklamar speaking w/ 2pac from beyond the grave. All of the hair on my body is standing on end. #Kendrick

— G L K (@GASLAMPKILLER) March 16, 2015

Deus nos ajude, este final é @kendricklamar falando c/ 2pac da tumba. Todos os pelos do meu corpo estão de pé.

He gets no credit for being a producer but he had a vision for this album. Dude gets involved w the whole process.

— FLYLO (@flyinglotus) March 16, 2015

Ele não ganha crédito por ser produtor mas ele tinha uma visão para este álbum. O cara se envolve com todo o processo.

O SOM ESTÁ CHEIO DE FUNK

As poucas faixas liberadas antes do disco – “i”, “King Kuntah” e uma faixa “Sem Título” tocada no Colbert Rebort, especificamente – sugeriram que Kendrick experimentaria com uma nova sonoridade. To Pimp a Butterfly é um amálgama de instrumentação p-punk, piano de jazz e vocais amanteigados, que contribuem para que soe como se um disco perdido do Prince tivesse feito amor sensual com o material antigo do Parliament e o Stankonia, do Outkast. Você já sabe disso, né? Digo, você já deveria estar ouvindo o disco pela quinta vez agora.

OS CRÉDITOS DO ÁLBUM INCLUEM…

As participações no disco são foda. Beleza, não tem ninguém da TDE aqui, mas isso importa? Em meio aos produtores temos Pharrell Williams, o novato Knwxledge e Flying Lotus. George Clinton desceu da Mothership para participar em “Wesley’s Theory”. Snoop Dogg rima em “Institutionalized”. Rola até um Sufjan Stevens – que, apesar de não confirmado se foi uma composição direta ou sample, surpreende, mas reparando bem como a carreira de ambos os artistas sempre teve referências fortes à religião, não é tão absurdo assim.

Agora dá pra todo mundo me deixar na boa? Quero ouvir esse disco sem ter que pausar a cada cinco segundos. Quero me trancar em um armário e não falar com ninguém por três dias seguidos. Quero quebrar alguma coisa. To Pimp a Butterfly talvez seja o disco mais importante da última década – serão necessárias incontáveis audições para compreender sua amplitude e densidade, com certeza – e por ora, vou cortar contato com o mundo exterior e hibernar para descobrir.

Siga Ryan Bassil no Twitter: @RyanBassil

Tradução: Thiago “Índio” Silva