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Música

Just Blaze Abre o Jogo Sobre Como Compôs Seus Maiores Sucessos

Como alguém seria capaz de lembrar em tantos detalhes como surgiu cada uma de suas batidas compostas há mais de uma década?

Acabo atropelando bastante o tempo que tinha com Just Blaze, mas como tentar manter as coisas breves com um cara que tem um catálogo de 15 anos com alguns dos maiores hits da história do pop e do hip-hop?

Em partes, eu não esperava que Blaze, cujo nome verdadeiro é Justin Smith, seria capaz de lembrar em tantos detalhes como surgiu cada uma de suas batidas – muitas das quais compostas há mais de uma década. Mas talvez isso não seja tão surpreendente levando em conta sua dedicação e obstinação com sua arte. Como ele me relatou, costumava passar madrugadas em claro nos estúdios The Cutting Room após terminar seu expediente lá. Mesmo muito tempo depois, com o luxo de ser dono de seu próprio estúdio, Just Blaze fala sobre como é incapaz de passar um dia sem criar ao menos uma batida.

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Recentemente, ele retomou suas raízes de DJ. Antes de se mudar para Nova York para buscar uma carreira como produtor, Just Blaze era mais conhecido por seu trabalho como DJ, tocando em festas do colegial e casas noturnas combinando hip-hop e dance music. Esta última, aliás, ele cita como uma influência significativa em seu estilo de produção – ele se sente atraído pelo tempo e sonoridade do jungle e drum and bass britânico, em particular, algo que casava perfeitamente com seus interesses em rave e hip-hop. Mas mais do que qualquer outra coisa, a energia dos primeiros discos de breakbeat ajudaram a definir sua sonoridade. “Alguns produtores você aborda quando quer algo para uma casa noturna, outros você aborda quando quer algo realmente forte e enérgico. E aí tem os caras como eu, que você aborda quando quer um disco com uma energia lá em cima”, ele diz, ao telefone, falando de seu estúdio em Nova York.

Noisey: Queria começar falando das primeiras batidas que você produziu – acho que no Cutting Room em Nova York – “Heavy Weighters”, do Buckshot, em 1999.
Just Blaze: Foi um estágio inicial da minha carreira, quando ainda tentava definir o que seria meu som. Havia largado a faculdade na época, e estava estagiando no Cutting Room. Havia produzido essa batida originalmente para um amigo meu chamado Matt Fingaz. O Buckshot tinha um amigo chamado Swan que participava do disco do Fingaz, então ele colou no estúdio enquanto o Swan gravava a parte dele. Ele curtiu a gravação e caiu em cima, o que achamos ótimo pra Matt e pra sua gravadora porque o Buck era bem grande na época. De repente a gravação aparece no disco do Buckshot sem a parte do Matt. Então foi um negócio meio esquisito pra todo mundo. Ele nem nos deu nenhum tipo de compensação, nem sabíamos que aquilo entraria no disco. Foi um puta estresse na época, mas no final deu tudo certo. Eu e Buckshot nos damos bem agora, tá tudo bem, mas na época foi tenso.

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Li que naqueles tempos você nem dormia, só ficava direto no estúdio.
Sim, eu trabalhava o dia inteiro lá, de 10h às 19h, e das 19h às 09h aproveitava pra treinar.

Vamos falar de "Streets Is Talking", que é importante por dois motivos: primeiro por ter sido a sua primeira faixa com o Jay-Z e segundo por ter sido a primeira faixa que você produziu usando o Pro Tools.
Pode crer, essa faixa foi toda sampleada e produzida com o Pro Tools, e naquela época não era tão fácil como hoje, que é só abrir o programa e fazer. Havia muitas configurações envolvidas. Na época ninguém nem usava o Pro Tools direito. Era meio que um experimento para tentar descobrir uma forma de trabalhar mais fluida, e aquela batida surgiu daí. Mas quando Jay a ouviu, curtiu tanto que rimou em cima dela na hora.

Como foi o salto do The Cutting Room pra Roc-A-Fella?
Resumindo, eu tinha uma reunião com um cara chamado Dino Delvaille – que também é o mano que descobriu o Cash Money e trouxe ele pra dentro – pra mostrar uns sons pra ele. De cara, não deu em nada, mas algumas semanas depois ele se encontrou com outro cara, Gee Roberson, assistente de A&R na Roc-A-Fella, e ele tinha um artista lá chamado Bathgate. Na época, o Bathgate não tinha uma demo, então rimava pro pessoal de A&R ao vivo. Dino queria ouvi-lo rimando sobre uma batida ao invés de mandar um freestyle a capella, e meu CD com os beats calhou de ser o que ele botou pra rolar. Gee curtiu tanto o som que me ligou no Cutting Room pra marcar uma reunião no mesmo dia, mais tarde. Achei que era zoeira; não acreditei que o pessoal de A&R do Jay-Z estariam interessados em mim. Desliguei na cara dele. Achei que era trote mesmo, mas ele ligou de novo, e nos encontramos naquela noite mesmo, o resto é história.

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Graças a Deus ele te ligou de volta. Uma de suas produções da época que eu vivo ouvindo é “We Get Low”, de Memphis Bleek. É uma colagem incrível de sirenes, samples de soul, gritos de James Brown e diversos tons que me lembram do techno das antigas.
Soul e techno foram duas coisas que cresci ouvindo, cresci junto com a música eletrônica – house, techno e rave – tanto quanto com o hip-hop e o soul. Eu diria que meu estilo é uma amálgama desses dois sons. Sabe aquilo que no EDM chamam de drop? Li uma resenha interessante de um show meu uns meses atrás em que o autor percebeu que eu fazia aquilo no hip-hop há um bom tempo. Também gosto de construir os climas, fazer os instrumentos crescerem, e de repente largar a batida pesadamente. Acho que isso rola por dois motivos: fui DJ durante muitos anos antes de começar a compor música, e o tipo de dance que eu tocava influenciou a forma como estruturo minhas gravações. Então eu venho tanto do mundo hip-hop quanto do mundo do house e techno. Combinar estas sonoridades nas minhas criações foi algo instintivo.

Na época em que você era DJ imaginava se tornar um produtor de house ou techno ao invés de hip-hop?
Poderia ter rolado. Sempre fiz os dois, mas eu simplesmente não existia profissionalmente até recentemente, depois de ter passado pelo circuito como DJ. Então, de certa forma, voltei pro meu ponto de origem.

Que discos de dance te inspiraram?
Tem um zilhão deles, dava pra passar o dia falando só disso, alguns dos meus favoritos foram Anasthasia do T99, Trip II The Moon do Acen, The Nightmare do Holy Noise. Eu curtia muito o drum and bass e o jungle dos primórdios – quando tudo era só breakbeat. O que me chamava atenção nesse estilo mesmo é que eram batidas de rap muito rápidas. Naqueles dias redescobriram o break do Amen Brother, aí os produtores pegavam aqueles samples de rap e botavam a 140 bpm. Era o mundo perfeito pra mim porque combinava a energia do techno com o feeling hip-hop.

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Você mencionou estar meio que à frente do tempo nesse lance de Pro Tools, mas em “Song Cry” do Jay-Z parece que você queria voltar às suas raízes com samples.
Era uma época em que eu tentava fazer as coisas um pouco mais soul, mas não foi algo completamente intencional. Aconteceu que muitos de nós estávamos criando batidas naquela pegada. Jay-Z chegou no estúdio uma sexta e disse “alguém tem alguma batida pronta aí? Tô afim de rimar”. Por mais que ele estivesse escalado para a gravação do disco só dali a oito meses. Daí que eu tinha umas batidas ali, Kanye tinha outras, e a mágica aconteceu no decorrer daquele final de semana.

Depois de gravarmos “Streets Is Talking”, a Roc-A-Fella fechou o estúdio por tempo indeterminado. Eram duas salas lá, uma delas era a que Jay usava, e a outra era menor. Ele basicamente me disse “esta aqui é sua sala; vai trabalhar”. E três anos depois eu era dono do lugar.

Você prefere trabalhar assim, com artista no mesmo ambiente que você?
Depende da música e da situação. Varia. Tem vezes que é ótimo ter a pessoa por perto, e em outras é um pé no saco porque – do jeito que trabalho ao menos – faço muitos experimentos até achar que algo se encaixou. Às vezes você não quer ter o artista perto nessa fase experimental porque é tipo tentar passar um filme para um público enquanto você ainda está filmando ele.

Outro momento muito importante da sua carreira foi “Oh Boy”, do Cam’ron. Aquilo é a definição perfeita de um sucesso instantâneo. Ouvi dizer que foi para as rádios logo que foi finalizada..
Isso, exatamente assim. “Oh Boy” teve algumas versões, na verdade. Ela ficou parada por um tempo, e Jay-Z amava aquela faixa, mas ela não combinava com o álbum na época, então ele me pediu para guardá-la para ele. Daí que ele a tinha em um CD junto com um monte de outras gravações minhas. Cam começou a trabalhar em seu disco, e quando ele chegou na Roc-A-Fella mostraram o CD pra ele, que amou de cara. Então me ligaram pra perguntar se Cam poderia usar a batida de “Oh Boy” e eu falei “mandem bala”. Quando cheguei no estúdio já tinham gravado a demo, ido embora, e já estava rolando na rádio. Cheguei no estúdio, e eles estavam ouvindo o som no escritório. Imaginei que fosse um CD ou fita, daí percebi que estavam ouvindo rádio. E eu digo “bicho, cê gravou isso faz tipo uma hora”. Esse que era o lance com as rádios de Nova York na época: se você conhecesse as pessoas certas, podia literalmente chegar com uma música e botar pra rolar. E foi basicamente o que eles fizeram.

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E que tal aqueles seus samples menos comuns? Me refiro ao do Supertramp em “Breathe”, do Fabolous.
Pra mim não importa o gênero do sample – seja rock ou soul ou música clássica – contanto que possa trabalhar com ele. Já tinha aquele disco comigo há um tempo e sempre amei aquele sample. Fiz a batida num dia muito devagar no estúdio, num dia que não tava rolando muita coisa. Quando o Fabolous apareceu, algumas semanas depois, mostrei pra ele um monte de coisa que ele não pareceu curtir muito até chegar essa faixa, daí ele me pediu uma cópia. Ele não parecia lá muito empolgado, achei que pediu a cópia só pra não dizer que foi no estúdio de graça e tal. Dois dias depois acordo com uma caralhada de ligações do pessoal dele dizendo que precisavam lançar aquilo o quanto antes, que aquela faixa seria a primeira. Eu não achei nem que ele tivesse curtido. Foi a primeira vez que Nova York tinha um hino pesado das ruas com aquela sonoridade. Era um álbum muito pesado, passava um peso, não esperava que aquela música fosse seu primeiro single.

"Touch The Sky" talvez seja um exemplo do completo oposto – com um sample instantaneamente reconhecível. Você teve alguma ressalva quanto a usá-lo?
Na verdade não – se soa bem, soa bem. Eu estava ouvindo Curtis Mayfield na época, e curtia demais aqueles sopros. Eu sabia que trabalharia com o Kanye logo, e estava ali no estúdio, nada estava dando certo, então tentei aquele sample. Daí quando Kanye chegou e lhe mostrei algumas batidas, essa foi a que ele pirou.

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Você trabalhou com o Kanye antes como produtor. Rolava alguma competição entre vocês na época?
Não da minha parte. Não sei se ele me via como rival também, algumas pessoas, como Jay-Z, achavam que era algo competitivo, mas eu não. Pra mim, ainda mais naquela época, fazia muito mais trampos em produção que o Kanye porque o lance dele era se lançar como artista. Ele usava a produção como meio para se estabelecer como músico, então não era uma competição mesmo. Quando ele fazia algo foda, isso me inspirava a fazer algo tão bom quanto, ou até melhor. Do lado dele, provavelmente era a mesma coisa.

As metodologias de trabalho de vocês eram muito diferentes? Li que a data de lançamento de College Dropout foi adiada três vezes porque Kanye era muito perfeccionista.
Sim, mas ao mesmo tempo acho que todos nós da Roc-A-Fella – que se tornaram produtores de renome – temos coisas que gostaríamos de mudar mesmo em nossos melhores trampos. Então, por mais que haja uma parte de mim que seja perfeccionista, há um ponto em que você tem se afastar da música senão nunca deixará de trabalhar em cima dela. Uma coisa que sempre gosto de me lembrar é que Marley Marl criou alguns de seus melhores discos em seu apartamento, em sua cozinha. Por mais que os discos não tivessem uma qualidade técnica absurda, eram ótimas canções. E pra mim, é isso que importa mais.

Tem algo que você já fez que gostaria de voltar no tempo e editar?
Diria que todas as minhas músicas têm algo que eu poderia ter feito melhor ou me dedicado mais. Mas claro que o ouvinte nunca saberia porque é tudo coisa da minha cabeça.

Houve algum momento em específico que você sentiu que Kanye poderia dar certo como artista e produtor?
Acho que foi tudo meio que uma progressão, da mesma forma que poderia te mostrar algumas demos minhas dos anos 90 que talvez não soassem tão bem assim. Então como qualquer outro, nem todo seu trabalho inicial será o seu melhor. E isso valia pro Kanye, mesmo que alguns de seus primeiros registros não sejam incríveis – também não eram péssimos – vi ali o potencial. Mas não foi até ele me mostrar a demo de “Hey Mama” que botei fé, ali eu vi que ele daria em alguma coisa.

Finalizando com uma de suas produções mais recentes, como foi isso de ceder “Lord Knows” pro Drake? Na minha cabeça, o Drake não necessariamente seria a primeira pessoa que pensaria ao ouvir aquela batida, que acabou sendo o ponto alto de Take Care.
Grandes álbuns enérgicos são coisas com as quais as pessoas me associam. Sinto que me associam mais a um sentimento do que um ritmo, pessoalmente. Alguns produtores você procura quando quer algo para uma casa noturna, outros quando quer algo forte e enérgico. E tem outros como eu, que se busca quando quer um disco com a energia lá em cima, seja 70 ou 130 bpm. Sabia que era algo especial logo que a fiz e tinha alguns artistas em mente. Era uma lista bem curta: Ross, Jay-Z, Drake, ou Pusha T. Acabou que dois deles foram parar nesse disco. Foi tudo muito orgânico. Quando o Drake colou no estúdio mostrei um monte de sons pra ele, e foi esse que ele escolheu.

Como você escolhe seus projetos? Obviamente você chegou ao ponto de poder escolher com quem trabalha. Mas você mantém um ouvido aberto para novos artistas? Kendrick Lamar, por exemplo?
Na maioria das vezes os caras chegam em mim, apesar de que Kendrick não fez isso logo de cara. “Compton” era uma gravação que eu estava fazendo para o Detox do Dre, em que Kendrick participaria. E com o passar do tempo foi ficando cada vez mais claro que aquilo deveria ser um disco do Kendrick, então caiu no colo dele. Eu e Dre nos conhecemos há muito tempo, e claro que ele é alguém que respeito muito, então é demais ver um ícone como ele me respeitando de volta. Tem épocas em que ele me arruma um estúdio e me leva pra Los Angeles, independente se farei algo que ele irá usar, ele me paga. E aquele disco saiu num desses momentos. Eu estava em LA por um mês trabalhando, e ele chegou e disse “é aquele, quero aquele ali”. Na real, essa foi primeira vez que Dre e Kendrick trabalharam juntos em um disco.

Tradução: Thiago “Índio” Silva