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Música

Julgando meus discos: Juninho celebra os 15 anos de hardcore d'O Inimigo

O ilustre straight edge fala sobre a saída do vocalista Kalota e repassa os melhores momentos dos discos do grupo.

Foto por Mateus Mondini

Em comemoração aos seus 15 anos, a banda de hardcore-punk O Inimigo vai relançar o disco de estreia com um evento especial. Cada Um Em Dois (2003) ganhará sua primeira versão em vinil pela Nada Nada Discos, e os caras prepararam um show com o repertório completo do álbum. Para quem não está ligado, a obra é um clássico do punk brasileiro da virada do século. A festa rola na próxima quinta, dia 24 de março, no SESC Pompeia. O rolê será de celebração, mas também de despedida. O vocalista Kalota anunciou que deixará o grupo após o show, que contará com a participação dos ex-integrantes de todas as fases d’O Inimigo. No dia do show, inclusive, os 50 primeiros que comprarem o LP levam um disco em vinil branco (tiragem limitada) e, de brinde, o pôster do show em silk screen, feito pelo artista Guilherme Bacellar.

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A notícia da saída do Kalota não deixa de ser uma coisa chata para quem curte O Inimigo, já que ele tem um estilo inconfundível e difícil de se superar. "Ele está cansado. Tem muitos anos que acorda às cinco da manhã pra trabalhar. Daí, toda vez que tem show ele está com sono e nunca aproveita muito o rolê. Por isso desencanou", explica o guitarrista Juninho Sangiorgio. Deve ser uma merda para qualquer vocalista de hardcore lidar com o peso de substituir o Kalota numa banda. "Vamos esperar passar esse show e ver o que rola", diz Juninho. De qualquer forma, O Inimigo acaba de voltar de uma extensa turnê pelos Estados Unidos, que terminou em Washington, D.C., e aproveitando a estada por lá, gravou seu próximo álbum com o produtor Don Zientara, no lendário estúdio Inner Ear — o mesmo por onde passaram bandas como Bikini Kill, 7 Seconds, Foo Fighters, Bad Brains, Minor Threat, Fugazi e a maioria das bandas da Dischord.

O Inimigo acumulou uma discografia bem consistente nesses anos de atividade. Os integrantes vieram de bandas como Ratos de Porão, I Shot Cyrus, Againe, CPM22 e Kangaroos in Tilt, formando uma espécie de “supergrupo” do underground paulistano. Por isso a identidade musical é tão redonda e variada de influências: uma sonoridade melódica e agressiva que mistura o hardcore clássico de Washington (Minor Threat, Dag Nasty, Rites Of Spring) com elementos do rock alternativo surgido do punk americano (Dinosaur Jr, Lemonheads), combinando energia e refrões grudentos.

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Peguei a deixa do show comemorativo para trocar uma ideia com o guitarrista Juninho sobre o legado d’O Inimigo até aqui. A seguir, ele comenta o novo trabalho e também faz um ranking das coisas que gravou com a banda, em ordem de preferência. Se liga aí:

1. Inner Ear Session EP (2016)

Noisey: Este é o único disco que não está no Bandcamp d’O Inimigo. Trata-se do novo trabalho, produzido pelo Don Zientara?
Juninho Sangiorgio: Exatamente! Fizemos uma tour nos Estados Unidos em novembro de 2015 e programamos um day-off para marcarmos uma sessão com o mestre Zientara. Foram dez horas seguidas. Fizemos tudo num dia só, o instrumental todo ao vivo, e depois vocal. A produção do tiozinho pega na mixagem. Ele pilota aquela mesa de som com muita naturalidade e vai tirando aqueles sons clássicos que parece que já ouvimos a vida toda. Foi muito especial pra gente essa experiência. Foi a primeira sessão que fizemos fora do país e num estúdio tão famoso. Gravamos três músicas, e elas sairão ainda em 2016 num EP 12".

O que um estúdio por onde já passaram bandas como Bikini Kill, 7 Seconds, Minor Threat e Bad Brains tem a acrescentar na qualidade do som d'O Inimigo?
Tem muito a acrescentar: é você poder experimentar aquilo pelo que todas essas bandas já passaram. O produtor, a sala, a energia que gerou tanta coisa que ouvimos a vida inteira. Poder acrescentar essa pitada no som da gente foi incrível.

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O que este álbum tem de especial em relação ao anterior que te faz gostar mais dele? Você sempre prefere as coisas mais atuais?
Eu gosto muito sempre dos últimos trabalhos. Poder escutar aquilo pronto, aquilo que você pensou a alguns meses atrás e que agora está saindo do forno fresquinho em forma de música. É muito bom. Eu amo todos os trabalhos da banda. Ter um tempo de banda e escutar coisas que você escreveu 15 anos atrás dá uma sensação diferente. O que faz esse disco especial é o fato de ser o mais recente, mesmo, é saber que o tempo está passando e ainda conseguimos nos expressar através disso.

2. Imaginário Absoluto LP (2012)

Esse disco foi gravado no El Rocha e mixado e masterizado na gringa pelo Stephen Egerton. Ainda faz muita diferença hoje mixar e masterizar lá fora?
Faz diferença, sim, por um simples motivo: qual produtor brasileiro do hardcore está mixando disco desde os anos 80? Nenhum! Adoro o trabalho dos produtores daqui, tem disco atual brasileiro que dá pau fácil em disco gringo antigo, mas experimentar a cabeça de um produtor de fora é trazer toda sua carga no trabalho, e acho que o Stephen deu esse gosto pra nós.

Imaginário Absoluto te atrai mais pela sonoridade obtida na gravação ou pelo significado das músicas?
Acho que é uma junção das duas coisas. Esse disco foi feito com a entrada do Ale (baixo) e do Fernando (guitarra) na banda, e, logo depois, do Gian (bateria). Então, foram os primeiros momentos dessa nova formação, milhões de ideias juntas, de influências diferentes, fizeram o resultado final. Todo mundo estava muito na pilha, mesmo depois das músicas prontas, íamos nos encontrar para acertar uns arranjos. Era ideia demais.

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3. Cada Um Em Dois LP

Engraçado você colocar esse disco em terceiro, pois para muitos fãs da banda, é um dos mais queridos. Por que em terceiro?
Amo todos os discos, mas foi você quem pediu pra colocar numa ordem! [risos] Acho que em terceiro só pela questão do tempo, mesmo, de termos feito músicas depois desse disco que me agradam mais musicalmente.

Quais as suas lembranças mais fortes associadas à época desse álbum?
As lembranças mais fortes têm a ver com a reação das pessoas. Ver logo no primeiro show, depois do lançamento, as pessoas cantando junto. Foi mesmo um marco pra essa época, que no geral era bem representada por bandas de metal ou hardcore bem rápido, e o que se tinha de mais melódico seguia um pouco mais pro lado do emo. Então, essa geração que amava as bandas da Dischord se identificou bastante, e foi uma surpresa pra todos da banda.

Tem alguma música desse álbum com alguma história ou curiosidade interessante pra contar?
Acho que a música "Cada Um Em dois" foi uma das últimas que fizemos antes do disco estar pronto, e a letra acabou definindo todo o estilo da banda: postura, letras, textos, nome, e até mesmo a arte baseada nas máscaras. Essa música é a que mais representa a banda nessa época, por isso virou o nome do disco e a primeira faixa também.

4. Desaba 7"

O Desaba também é meio recente, né? Ele foi lançado especialmente para promover a turnê pelos Estados Unidos, em outubro?
Isso. Desaba foi gravado em São Paulo, em julho de 2015, especialmente para a tour, que foi entre outubro e novembro. Na época estávamos com três músicas novas. Pegamos duas pra usar nesse EP, e a que sobrou gravamos para o Inner Ear.

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Como foi a tour e a repercussão desse EP por lá?
A tour foi incrível. Tocamos em muitas cidades pequenas, fomos pro meião do país, e ganhamos muita atenção do público. Foi realmente bem melhor do que esperávamos. A repercussão do EP foi ótima, anunciávamos nos shows quando tocávamos as músicas do EP, e depois sempre vendia alguns na banquinha. O resultado foi bem positivo.

Como tem sido a sua interação com o Fernando, dividindo as guitarras nesses novos sons?
Cada vez mais exploramos isso. Temos um jeito bem diferente de tocar, daí a soma vira bem a cara da banda mesmo hoje em dia. O legal é ver que a música tocada com só uma das guitarras fica bem estranha, incompleta, daí você sente o peso das duas guitarras deixando a música bem preenchida.

5. Todos Contra Um 7" (2007)

Como é ouvir esse EP hoje em dia, dez anos depois, em comparação com a época em que saiu?
Gosto bastante desse EP, foi a primeira formação que gravou algo depois do Cada Um Em Dois. Então, dá pra perceber ali uma mudança brusca no som de tudo, principalmente na bateria, que foi gravada pelo Nino nesse disco. Dá pra perceber também uma influência bem roqueira da época, Dinosaur Jr, Mudhoney. Ouvir esse disco hoje é demais, é lembrar de como as coisas eram há dez anos. Também acho que esse EP é um marco pra banda.

6. Personalidades Plásticas LP (2013)

Outra surpresa pela colocação. Afinal, Personalidades Plásticas é meio recente, de 2013. Você ainda não desenvolveu aquele apreço nostálgico pelo disco?
Coloco ele nessa colocação por um motivo pessoal mesmo, de lembrar de algumas coisas que fizemos muito na pressa na época. Se tivéssemos mais tempo, daria pra ter melhorado muita coisa.

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Você crê que esse álbum representa bem a pegada atual d'O Inimigo?
Ele representa sim a pegada atual d’O Inimigo, fizemos questão de gravá-lo sem ligar o computador em nenhum momento. Foi gravado na fita 2" e mixado pra fita 1/2". Isso é bem uma característica de todos que quiseram usar o som mais próximo o possível da naturalidade dos ensaios.

Qual é a sua faixa favorita aqui?
De ouvir, gosto mais de "Velhas Verdades", e de tocar, gosto mais de "Passos Disformes".

7. USA Tour 2012 K7

Essa fita não é aquela traz o mesmo conteúdo do LP Imaginário Absoluto, feita para a West Coast tour americana de 2012? A gravação é diferente do que saiu no LP?
Essa fita traz uma gravação ao vivo feita nos estúdios da Trama. Se você pegar o CD do Personalidades Plásticas, ela vem de bônus, e nunca saiu em LP, apenas originalmente em fita k7 e, depois, como bônus em CD.

8. Demo 2002 K7

Nesta demo a banda já tinha a mesma proposta que tem hoje? O que você gostaria que fosse diferente, ou de refazer, nessa gravação?
A proposta não era exatamente a mesma. Acho que só quando gravamos o Cada Um Em Dois é que encontramos mesmo a cara da banda. A demo era um registro desses primeiros sons, primeiros shows, era mais pra ouvir o que estávamos fazendo. Tem duas músicas nessa demo cantadas em inglês, e depois passamos pro português, a fim de serem gravadas no Cada Um Em Dois. Eu não mudaria nada! Acho que ela representa bem o começo da banda, e tudo que está ali foi o que usamos pra dar os próximos passos.

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