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Música

Jorge Sacramento, o poderoso chefão do pagode baiano

Nome por trás dos sucessos mais populares e controversos da musica baiana, a história do produtor une sagacidade, polêmicas e muitos hits de duplo sentido.

Jorge Sacramento. Reprodução do Facebook.

Muitas vezes, grandes figuras e personagens importantes da música popular brasileira são totalmente alijados dos meios oficiais e da grande imprensa. O antropólogo Hermano Vianna foi um dos que chamou atenção para isso, ainda em 1999, no texto “Condenação silenciosa”, publicado na Folha de S. Paulo, no qual escreveu sobre a inexplicável razão de não se falar desses personagens que, mesmo adorados por uma parte enorme do população, têm seu acesso negado aos órgãos culturais, páginas de jornal e programas de TV.

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Um dos cantores brasileiros mais amados dentro e fora do nosso país, Nelson Ned se definiu como “cantor de AM” pelo desprezo que sempre lhe foi conferido pela crítica musical e imprensa brasileira. Era nas rádios AM, ouvidas à época por grande parte da população de renda mais baixa, onde Nelson Ned e Odair José, por exemplo, reinavam.

Hoje, graças a internet, o gosto popular se reflete em milhões de views dos vídeos de artistas no YouTube. Muitos desses artistas, inclusive, fazem sucesso sem ter nenhuma gravadora por trás de suas produções. O sucesso surge a partir das milhares de músicas baixadas na internet que irão ser a trilha sonora em outros tantos milhares de “paredões” Brasil afora, sem ter que passar pelo crivo de nenhum curador especializado.

Um dos grandes personagens da música popular brasileira que é pouco — pra não dizer nada — citado é Jorge Sacramento, o produtor cultural e empresário de várias bandas baianas de muito, mas muito sucesso.

Sacramento é o responsável por três das maiores bandas do cenário do pagode baiano, ritmo dos mais populares na Bahia há anos — gênero que agora divide a popularidade com os artistas do arrocha. Foi Sacramento, aliás, quem revelou a banda Black Style e seu até hoje popular vocalista Robissão. É o produtor também o mentor do grupo a Bronkka e quem impulsionou ao sucesso seu polêmico frontman Igor Kanário, além de ser Sacramento o criador da banda que atualmente faz mais sucesso nos guetos e vielas de Salvador, a La Fúria.

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HISTÓRIA

Nascido em Salvador, Sacramento passou a infância no bairro da Liberdade, berço do Ilê Ayê, e seu envolvimento com a música se deu por meio de bandas marciais e uma pequena incursão como tecladista, carreira que não prosperou muito. Entrou no mundo da música por uma porta incomum, como dono de uma empresa de segurança, trabalhando em muitos eventos de musicais.

Foi vendo o crescimento do pagode baiano que Sacramento decidiu apostar no gênero e virou empresário da banda BlackStyle. “No início era uma coisa desacreditada porque era um ritmo novo, resultado da mistura do pagode com o funk” , conta ele. O pagofunk, como ficou conhecido o ritmo que surgiu com o Black Style, ganhou centenas de bandas adeptas ao estilo e deu um novo ânimo ao pagode baiano, gênero que teve sua repercussão nacional na voz do grupo É o Tchan.

HITS

O primeiro grande sucesso do Black Style foi “Vaza Canhão”, som de 2007. Com o hit, a banda chegou a fazer 28 shows em um mês, trabalhando sem parar de quinta até segunda feira. Outros hits do Black Style fizeram muito sucesso no carnaval de Salvador, embora dificilmente as bandas de pagode baiano possam tocar no circuito mais badalado, o Barra Ondina. O som da banda é mais popular no Circuito Campo Grande, nos aparelhos de som dos camelôs que vendem bebida, nos falantes em alto volume dos carros que parecem tocar música 24 horas nos bairros de Periperi, Boca do Rio, Fazenda Grande, Cajazeiras e outros longe da cobiçada orla de Salvador.

Enquanto gravadoras, grandes produtoras e grupos de mídia tentam emplacar seus axés e jabás antes da quarta-feira de cinza, Black Style com alguns links de internet e muitos CDs piratas emplacou “Patinha”, “Perereca Pisca” e “O Boi”.

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Com a saída de Robissão do grupo, Sacramento resolveu partir para outro projeto e começou a empresariar o grupo a Bronkka com um jovem que estava começando a fazer muito sucesso no bairro da Liberdade, Igor Kannário.

A Bronkka colecionou sucessos e polêmicas em Salvador — uma das suas fãs mais ardorosas era Kelly Cyclone conhecida na cidade como “a dama do pó” ou a “patroa do tráfico”. Figurinha fácil nos shows da Bronkka, Kelly não só subia nos palcos, como também participava de programas de TV ao lado de Kannário. Kelly acabou assassinada em 2011 e seu enterro teve um público digno de show de pagode baiano

Outro fato polêmico envolvendo a Bronkka, foi o grupo ter popularizado a música “Um Tiro” e “Dedo Calibrado” inaugurando (talvez) um pagode proibidão-realidade.

Sacramento diz que com a Bronkka queria apostar em um projeto “para o público favela, para o público do gueto, os desacreditados”. O produtor estava tão certo desse rótulo que Kannário, quando saiu da Bronkka em 2012, se lançou em carreira solo como “o Príncipe do Guetto” e ainda hoje é tido como um dos mais populares artistas da Bahia, tal qual Robissão.

Em 2015, no entanto, Kannário se envolveu em uma desavença com ACM Neto, prefeito de Salvador, provocando uma enxurrada de pedidos que terminou com a confirmação do trio de Kannário no carnaval baiano

A aposta atual de Sacramento é a banda La Fúria, que no último carnaval do circuito popular baiano emplacou a música “Procura o Brinco”, som que acabou caindo nas graças de Ivete Sangalo:

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As letras da La Fúria seguem a conhecida temática apimentada do pagode baiano e logo caíram no gosto do público. A mais nova empreitada de Sacramento não poderia vir sem uma polêmica envolvida: Hiago, filho do produtor, com apenas 12 anos, é um dos vocalistas da banda, uma espécie de versão baiana dos MCs mirins de funk paulista, como o MC Pedrinho e MC Pikachu.

Outro sucesso da La Fúria é a música “Rabo”, cheia de duplo sentido, uma das principais características do pagode baiano . Colecionador de hits e tretas, Sacramento ainda tem entre seus sucessos a música “Lobo Mal” da banda empresariada por ele, O Báck — o som de 2009 é, até hoje, tocada nos trios elétricos do carnaval e foi incorporada por Ivete Sangalo ao seu show:

PAGODE X JUSTIÇA

O momento mais crítico da carreira de Sacramento aconteceu em 2015, quando integrantes de sua banda New Hit, então no auge do sucesso, foram acusados de estuprar duas adolescentes de 16 anos na cidade de Ruy Barbosa, interior da Bahia. Após a acusação, os integrantes foram julgados como culpados.

Constatado o crime, o grupo foi desfeito até surgir uma nova pedra no sapato de Sacramento, a Lei Antibaixaria. O dispositivo que proíbe a contratação, com dinheiro público estadual, de grupos que em suas letras ofendam mulheres e gays ou que incitem à violência é vista com polêmica na Bahia e tem oposição de diversos artistas que entendem a lei como uma medida de censura. Entre as pessoas que se dizem contra Lei Antibaixaria está a primeira transexual eleita vereadora de Salvador, Léo Kret, que debateu publicamente com a deputada estadual Luiza Maia responsável por propor a lei:

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Sacramento, por sua vez, também participou de um debate público com Luiza Maia, na ocasião em que a deputada recorreu ao Ministério Público para barrar a participação da banda La Fúria em um evento realizado com dinheiro público na cidade de Camaçari. Sacramento acusou a deputada de querer “acabar com o pagode”. A polêmica ainda rendeu um “pagode baiano de protesto” feito pela banda O Troco:

PAIXÃO

O mundo do pagode baiano é algo complexo e que envolve a paixão de milhares de pessoas que fazem do ritmo sua principal diversão. O repúdio ao gênero compartilhado por outras tantas pessoas que consideram as letras como o abismo moral da sociedade convive ao lado do sonho dos jovens mais pobres da Bahia, que procuram subir na vida despontando como artistas de uma dessas bandas e ganhando muito dinheiro que circula nas festas, micaretas, lavagens e afins.

Nessa intrincada cena musical, Sacramento é sem dúvida uma das figuras centrais, tendo revelado bandas que são amadas por muita gente na Bahia e que fazem parte da história da música baiana. Afinal, pode se argumentar tudo contra o pagode baiano, mas não se pode negar “que o povo gosta é do pagode

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