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Música

A Nova Geração de Indie Rock Russo Finalmente Chegou

A cena indie rock da Rússia teve início nos anos 1980, quando havia pouca diferença entre o indie rock e o rock mainstream, já que praticamente todo o rock era underground.

Sonic Death, foto via Facebook

O festival Bol (Dor), realizado em Moscou em junho, teve o ambicioso objetivo de exibir as últimas novidades do indie rock russo. E, apesar do clima não ter exatamente ajudado, com uma chuva pesada zoando alguns shows e forçando que algumas das últimas apresentações ocorressem em local fechado, uma coisa ficou clara: a nova geração do indie rock russo finalmente chegou.

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Os organizadores deliberadamente se focaram em bandas que cantam em russo. De acordo com o promoter do festival, Stepan Kazaryan, a decisão de convidar somente bandas que tivessem letras em russo não teve nada a ver com xenofobia ou “patriotismo”. Na real, as bandas emergentes mais interessantes da cena indie russa simplesmente são as que se expressam em sua língua natal, em contraste com uma onda anterior de artistas que se expressavam em língua inglesa, copiando descaradamente bandas americanas e britânicas. Outros critérios da seleção foram originalidade e a atitude underground, disse Kazaryan.

A cena indie rock da Rússia teve início nos anos 1980, quando havia pouca diferença entre o indie rock e o rock mainstream, já que praticamente todo o rock era underground. Ideólogos comunistas desencorajavam as pessoas a tocar o que chamavam de música “burguesa”, e as bandas mais subversivas foram simplesmente banidas.

As reformas da Perestroika, de Mikhail Gorbachev, ajudaram a tirar o rock do underground, mas, em sua ambição de atrair o grande público, a maioria dos roqueiros daquela geração foi perdendo a ousadia e o vigor.

Nos anos 90, surgiu uma série de bandas que eram cruas, sem freios, novas e originais, refletindo a dura realidade em que existiam. Como suas carreiras coincidiram com o período mais caótico e bizarro da Rússia, não tiveram grande impacto, com algumas exceções, que continuaram a ser lendas do underground.

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Uma década depois, uma nova onda de indie rockers russos basicamente imitava bandas dos Estados Unidos e da Inglaterra, muitas vezes dando atenção demais à perícia técnica, fazendo assim a energia e a profundidade sofrerem. Muitos deles cantavam em inglês, na esperança de uma carreira internacional, mas o sonho nunca se concretizou.

Agora, entra a “geração dos anos 2010”. Aliás, alguns dos músicos que subiram ao palco do Bol tinham idade para ser netos dos roqueiros russos dos anos 80.

Embora as bandas que se apresentaram no Bol fossem de inumeráveis matizes, desde o punk old-school até o garage rock, passando pelo new wave, elas parecem ter alguns elementos em comum. Não parecem se importar muito com a formação tradicional do rock, de guitarra, baixo e bateria, e no mínimo metade das bandas que tocaram no Bol dispensavam um ou mais desses instrumentos.

Eles se inspiram livremente em vários modelos, não fazendo distinção entre uma obscura banda de garagem americana e um veterano grupo russo de rock, e embora cantem em russo, algumas das bandas mais novas não veem problema em usar uma palavra inglesa como nome, ou pelo menos em grafar o nome da banda em caracteres da língua inglesa.

Elas sabem tocar, mas pouco se importam em demonstrar técnica, muitas vezes optando por um som minimalista e despojado.

E, por fim, uma boa quantidade dos artistas que participaram vêm de lugares outros que não Moscou e São Petersburgo. Várias bandas vieram da Sibéria, fazendo os mais velhos do público lembrarem do final dos anos 80, quando a cena punk rock siberiana estava um nível acima de tudo o mais que havia na cena indie rock do país.

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Sonic Death

Um dos lançamentos dessa banda é intitulado Home Punk, sugerindo que foi, ao que parece, gravado num estúdio caseiro – mas a música da banda nada tem de amadora. A dupla, de São Petersburgo, liderada por Arseny Morozov, ex-integrante do Padla Bear Outfit, toca um garage rock explosivo, de estourar os miolos. Sua simplicidade é enganosa, ocultando viradas líricas e melódicas.

Slackers

Os integrantes desse trio de Moscou soam como se nunca tivessem ouvido qualquer punk rock lançado pós-1978. Suas músicas não contêm nenhum resquício do punk aguado e comercializado tão presente na maioria das bandas russas dos últimos 20 anos, mais ou menos. Embora o nome da banda faça referência a uma época completamente diferente e seja – talvez, de propósito – enganoso nesse sentido, as faixas dos Slackers têm um som muito anos 70, com letras correspondentes, tirando sarro dos clichês do punk rock.

Super Besse

Embora esse trio tecnicamente não seja russo – eles vêm de Minsk, a capital da Bielorrússia, ali perto – o Super Besse de modo algum pareceu estrangeiro ao lado dos outros artistas que se apresentaram no Bol. O coldwave minimalista do Super Besse, com as letras em russo, já rendeu à banda shows na França, na Alemanha e na Finlândia. Mas os músicos não necessariamente procuram suas influências no ocidente. No setlist deles há um cover da faixa “Mne nasrat na moye litso” (“Estou Pouco Me Fodendo Para a Minha Cara”), das lendas do punk siberiano do Civil Defense.

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Vkhore

Essas cinco mulheres da cidade siberiana de Tomsk tocam um electroclash de muita energia, com letras irônicas e irreverentes. “Sou contra barbas e estou pouco me fodendo para a moda” é um exemplo, que soa muito mais polêmico na língua original. Até mesmo o nome da banda é polêmico, já que, em caracteres da língua inglesa, é muito parecido com “whore”, “puta”.

Jars

Esse trio de Moscou toca um mix alto e furioso de hardcore com noise rock. As letras da banda são tão furiosas e diretas quanto a música, com títulos de faixas como “Quebre a Porta” ou simplesmente “Não”, o que já diz tudo.

Lucidvox

Esse grupo de quatro integrantes de Moscou coloca em seu postpunk psicodélico toques de antigas melodias russas e pagãs, adicionando instrumentos improváveis, como a flauta. O Lucidvox é, ao que parece, influenciado por tradições populares russas, mas não há nada de brega em como as integrantes misturam diferentes tradições musicais, separadas por séculos e milhares de quilômetros. Alegando “tentar recriar a autenticidade russa”, o Lucidvox criou uma mistura original, difícil de rotular.

Srub

O que faz essa banda de Novosibirsk, liderada por Igor Shapransky, se destacar entre muitos novos grupos da cena indie rock é a capacidade que eles têm de combinar quase perfeitamente a iconografia do misticismo pagão e eslavo com o aspecto musical, o que aparentemente foi inspirado por gente como Bauhaus e Joy Division.

Tradução: Marcio Stockler