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Música

Por Que as Ideias Políticas do Fugazi São Tão Relevantes Hoje Quanto Eram em 1988

Tamo aqui com os dedos cruzados para que a banda saia do hiato indefinido em que entrou em 2003.

Fugazi ao vivo em Harrisonburg / fotos por Kelly Maron Horvath No EP Fugazi, lançado em 1988 pela banda de mesmo nome, de Washington, D.C., Ian MacKaye cantava: “You can’t be what you were" ("Você não pode ser o que já foi") – um verso dirigido, talvez, aos fãs que esperavam uma nova versão de Minor Threat, Rites of Spring ou Embrace. Mas também poderia ser aplicado ao Fugazi de 2002, examinando seu histórico de 15 anos enquanto se preparava para as últimas turnês pelos EUA e pela Europa. A banda evoluiu musical e liricamente ao longo de seis discos, três EPs e mais de 1.000 shows realizados ao redor do mundo. Durante esse trajeto, o Fugazi construiu sua própria cultura, baseada em ingressos a preços baixos, casas de espetáculos de pequeno porte e na expectativa de que os membros do público tratassem uns aos outros com respeito.

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O último ano de shows do Fugazi – a maioria está disponível para download na Fugazi Live Series, uma coleção online contendo mais de 800 shows, cada um saindo ao preço de US$ 5 – funcionou ao mesmo tempo como um crescendo e um vislumbre sedutor de como a banda poderia ter continuado a evoluir, caso não tivesse entrado num hiato indefinido a partir de 2003. Os 15 anos fazendo turnês transformaram o Fugazi em uma unidade coesa. O baterista Brendan Canty e o baixista Joe Lally sustentavam ritmos ridiculamente coesos, influenciados pelo go-go, pelo funk e pelo reggae, que davam uma liberdade lá em cima para os guitarristas/vocalistas MacKaye e Guy Picciotto entrelaçarem melodias que misturavam tons calculados e limpos com camadas guinchadas de ruídos. Muitas vezes apareciam variações das músicas – uma pequena mudança na batida ou uma linha de guitarra reajustada, fazendo cada performance parecer diferente. O elemento de maior destaque, contudo, continua sendo a interação da banda com o seu público. No início, o Fugazi criou uma reputação de desafiar verbalmente membros agressivos do público, de modo a proporcionar um ambiente seguro para todos. Normalmente isso tomava a forma de reprimendas verbais, mas vez por outra era necessário ir um pouco mais longe. Depois de parar de tocar várias vezes por causa de brigas no meio do público durante um show de 1995 em Peoria, Illinois, a banda pediu que o público todo se sentasse, de modo que os encrenqueiros pudessem se espancar sozinhos, até que eles se sentiram incomodados e foram embora.

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Os discos da banda são cheios de faixas políticas ainda hoje poderosas, desde "Suggestion", uma música sobre estupro do primeiro EP, com implicações que afetam diretamente a epidemia de agressões sexuais em câmpus universitários, até "Five Corporations", de End Hits (1998), que aborda a influência, de dimensões sempre crescentes, das empresas multinacionais. O último disco da banda, The Argument (2001), foi lançado um mês depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, e os shows que se seguiram, em 2002, ocorreram durante aqueles meses bizarros e difíceis que antecederam a invasão do Iraque pelos EUA, na primavera de 2003.

MacKaye e Picciotto muitas vezes dedicavam os intervalos entre as canções para discutir questões como o patriotismo, a gentrificação e a militarização cada vez maior dos departamentos de polícia dos EUA – tópicos que continuam tão fundamentais hoje quanto eram em 2002. O Fugazi enfrentou o primeiro presidente Bush ao fazer um icônico show de protesto em frente à Casa Branca. Onze anos depois, este é MacKaye em Asheville, Carolina do Norte: "Enquanto isso, eles estão despejando imensos dispositivos metálicos explosivos em cima de seres humanos, por todo o mundo. Enquanto isso, o debate segue furioso. Enquanto isso, não é aceitável sequer dizer: a guerra é algo incorreto e ruim. E o patriotismo é uma qualidade deplorável. Porque ser patriota significa que você é obrigado a apoiar o tipo de violência e hediondez que está sendo incentivado por todo o mundo nesse momento. Por favor, me incluam eternamente no grupo dos não patriotas." A banda fez propaganda de comícios pela paz, e elogiou os americanos que protestavam contra a ação militar, numa época em que o mundo político rufava os tambores de guerra. Em Harrisonburg, Virginia, MacKaye descreveu o comício pela paz que aconteceu em Washington, cerca de duas semanas "depois que todos aqueles aviões bateram": "É claro que a polícia se portou mal, mas isso é parte da situação que precisamos enfrentar hoje em dia", disse MacKaye. "Eles estão muito descontentes ou revoltados ou gastaram uma grana absurda nesses uniformes espaciais que têm usado atualmente quando têm que lidar com seres humanos. Não sei se estão só testando os equipamentos ou o quê. Mas eles simplesmente descem a porrada nas pessoas sem motivo nenhum." Avancemos 13 anos, e é muito fácil traçar linhas retas, não só até a geopolítica cada vez mais instável do Leste Europeu e do Oriente Médio, mas também até as mortes de Michael Brown em Ferguson, Missouri, e Eric Garner, na cidade de Nova York – ambos mortos por policiais, ambos desarmados. Quando começaram os protestos por causa das mortes, a polícia reagiu com ações pesadas, que se assemelham tremendamente ao que MacKaye descreveu em 2002. Guerra e brutalidade policial parecem relacionadas bem diretamente à gentrificação, e à ligação entre os bairros e o mercado imobiliário. Em novembro último, Dave Grohl queixou-se de que Austin, Texas, estava perdendo seu caráter artístico durante uma entrevista promovendo a série Sonic Highways. MacKaye falou sobre o assunto no palco em Austin, em 2002: "Essa primeira música é sobre o fato de que os seres humanos na verdade são seres físicos que precisam existir em algum lugar do espaço. Então, temos, ao mesmo tempo, toda essa rixa acontecendo em torno do desenvolvimento imobiliário, e pessoas sendo remanejadas para dentro e para fora dos bairros, ativistas tentando salvá-las e pessoas tentando lucrar com a situação, todo esse tipo de coisa. Em última análise existem seres humanos no meio disso tudo, que estão simplesmente sendo jogados para um lado ou para o outro."

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Ele fez uma introdução semelhante em Asheville, que ano passado apareceu em uma lista do Yahoo Finance sobre cidades cujos habitantes não têm como arcar com os preços dos imóveis. O

Asheville Blade priorizou os programas governamentais de habitação

como uma questão de grande importância. O espaço em que o Fugazi tocou já trocou de dono múltiplas vezes, e hoje é

um martini bar

. O Fugazi também atacou a política da indústria da música. A banda incorporou suas ideias políticas ao modelo de negócios, sistematicamente colocando o preço dos ingressos bem abaixo dos US$ 10, rejeitando as casas de espetáculos controladas por grandes empresas e preferindo as alternativas quando possível. Em

Huntington, West Virginia

, MacKaye contou, em detalhes, como a banda estava trabalhando com um promoter novato para mudar o local do show no último instante, depois que a cidade tinha mandado inspetores prediais para o local anteriormente agendado na manhã do show.

A Dischord Records ajudou a abrir um caminho, com base no princípio punk de faça-você-mesmo. Hoje, a indústria da música parece ter ao mesmo tempo se aproximado e se afastado desse modelo. Spotify, iTunes e outros tornaram mais fácil do que nunca o processo de consumir música, e ao mesmo tempo, tornaram o acesso e o lucro mais difíceis para os músicos. Simultaneamente, contudo, a tecnologia permitiu às bandas uma maior facilidade na comunicação com os fãs, e na distribuição direta das músicas. Saber se o Fugazi vai sair de seu hiato ou não continua sendo tão fascinante quanto antes. O FAQ da Dischord não descarta a possibilidade, mas os múltiplos projetos de seus membros dão a impressão de que não é muito provável. Encare o Fugazi Live Series como um paliativo – uma maneira de engajar e ouvir uma banda que consegue ficar ainda mais relevante mesmo estando fora de circulação.

Uma reflexão final de MacKaye, durante o último show do Fugazi nos EUA: "Daqui a 15 anos, posso quase garantir, vamos todos sentar para conversar e dizer: que porra era aquela? O que estava acontecendo? O que foi aquilo? Eles colocam muros em volta de tudo. Cada esquina tem um policial. O que aconteceu conosco?"

Mason Adams escreve das montanhas do sudoeste da Virgínia. Siga-o no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler