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Música

Ice-T: o Anti-Herói Que o Feminismo Precisa

Sim, o Ice-T não é o modelo certo para o feminismo moderno, mas mesmo que não consiga nada além de mudar a mentalidade de alguns fãs do Body Count, ao menos é um passo na direção certa para uma cena lerda, tradicionalmente teimosa e dominada por homens.

Mês passado escolhi um momento esquisito para pensar sobre feminismo: bem no meio de um show do Body Count.

Caso você não esteja familiarizado, o Body Count (ou como eles também são conhecidos A Porra do Body Count) é a duradoura banda de hardcore/metal do rapper-que-virou-detetive-em-seriado-sobre-crimes Ice T. Eles tocaram músicas de seu novo disco Manslaughter, que é sobre a “bucetização do homem”, como Ice deixou bem claro para o público em Nova Iorque, que aliás era predominantemente masculino e com uma circunferência média de pescoço na casa dos 120 cm. (Porém, a sua absurdamente curvilínea esposa Coco estava lá, fato que eu, por razões puramente jornalísticas, confirmei com os olhos cerca de 250 vezes). “Saímos de gritar ‘Lute contra o poder!’ pra falar sobre o que as irmãs Kardashian andam fazendo”, pregou Ice-T, recebendo em troca muitos aplausos.

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Após o Body Count ter celebrado ainda mais a ideia de masculinidade, eles tocaram uma nova música chamada “Bitch in the Pit” [Cadela no Pit], e acho que acabo de ouvir minhas amigas feministas chiarem coletivamente após lerem esse nome – se já não o fizeram ao ler “bucetização”. “Bitch in the Pit” é uma música que já causou certa revolta e clamores de misoginia desde seu lançamento, no mês passado, principalmente por seu titulo e refrão “There’s a bitch in the pit!” [Tem uma cadela no pit!] (Ice-T não é um cara que gosta de sutilezas). Mas apesar do nome terrivelmente sexista e sua contundência, no fundo, trata-se de uma canção que defende as mulheres em shows corajosas o suficiente para entrarem no mosh e trocarem cotoveladas com os trogloditas que geralmente frequentam os shows de hardcore. “I don’t give a fuck/ She’s harder than a man/ In the chaos, song after song/ She’s not afraid to bleed” [Eu tô cagando / Ela é mais foda que muito homem / Em meio ao caos, música após música / Ela não tem medo de sangrar], diz a letra.

“Com ‘Bitch In the Pit’, minha intenção era gravar algo para a garota que esteve ali a noite a inteira, essa é a porra da canção-tema dela”, Ice-T disse a mim. “E nós vamos tocá-la e vamos fazer os caras respeitarem essa mina lá fora porque ela não tá nem aí, ela é mais foda que eles. ‘Em meio ao caos música após música, ela não tem medo de sangrar e implora por mais velocidade’. Se alguma outra mulher ficar puta, essa música não é sobre você, vadia, é sobre a outra mina, se liga”.

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Obviamente, apesar da boa intenção de Ice-T entregue de forma grosseira, com um título como “Bitch in the Pit”, a música tem uma chance de 0.0000000∞% de soar bem aos ouvidos da comunidade feminista. Nenhuma mulher que tenha o seu peso medido em comentários do Jezebel levará Ice-T a sério como uma figura pró-mulher com uma canção com este nome. Mas esta música não é para ela. Não é para as mulheres que leem xoJane. É uma música para fãs de Body Count. E eles não leem nada editoriais – eles escutam Murder 4 Hire enquanto treinam chutes giratórios na frente de seus espelhos. E para os fãs das bandas que talvez sejam mais ignorantes e neandertálicos, Ice-T, de um jeito bem esquisito, fala de feminismo de uma forma que eles possam entender. Ao passo em que ele provavelmente não será convidado para fazer um discurso em Wellesely em um futuro próximo, Ice-T poderia muito bem ser considerado o anti-herói do feminismo.

Opa. Segura aí. Engata a ré porque acho que acabo de sem querer ter chamado o Ice-T de feminista e senti meu nome sendo adicionado a um tipo de registro internacional de babacas que insistem em explicar tudo para as mulheres como se elas fossem tontas. Deixem-me esclarecer…

Veja bem, a desigualdade entre gêneros [começou ele, fingindo que a opinião de um branco heterossexual sobre o assunto valesse ao menos um peido] é como o aquecimento global, no sentido de que é um problema gigantesco que cobre o mundo e afeta toda a sua população, não só aqueles que acreditam nele. E para consertá-lo [ele prossegue, sem razão nenhuma], precisamos que cada um em nosso planeta ande na mesma direção. Enquanto é ótimo que algumas pessoas escolham carros e lâmpadas econômicas, isso não vale de porra nenhuma a menos que todos façam igual. O mesmo vale para a desigualdade de gêneros – todo mundo tem que entrar no barco pra darmos um jeito. Isso inclui homens. Isso inclui homens incrivelmente burros. Isso inclui os homens mais limítrofes e estúpidos [ele concluiu enquanto graciosamente caía de cara no chão enquanto descia de seu caixote].

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Então por mais que eu goste muito do que a Lindy West escreve, e por mais espertos e espirituoso que sejam seus comentários sobre as questões de gênero, ela não vai conseguir mudar a cabeça de um cara de 136 kg com uma tatuagem de caveira do Hatebreed. Simplesmente não vai rolar. Esta é a provavelmente a única vez em minha vida que usarei essa frase: este trabalho deve ser feito por um homem. Não só um homem qualquer. Mas um homem entre os homens.

“Em todas as minhas músicas tento falar sobre as coisas de uma forma que as pessoas que precisam ouví-las as ouvirão”, explica Ice-T sobre seu método de composição. “Dizem que um inimigo pouco convencional precisa de táticas pouco convencionais. Se quero falar com essa molecada durona, não posso ser delicado. Preciso parecer com eles ou soar como eles e ser mais durão que eles. E no meio disso tudo, talvez consiga passar uma mensagem”.

Provavelmente por isso quando o pessoal da No More precisou de um garoto-propaganda para a sua campanha “Boys Will Be Boys” [Garotos Serão Garotos] que busca “estimular uma maior ciência e ações para dar cabo da violência doméstica e violência sexual”, eles não escolheram nenhum galã como [Ah, não sei, quem eu deveria escolher hoje? Digamos…] Jared Leto. Eles escolheram o maldito Ice-T, um homem que não assume nenhuma postura pública há quatro décadas. “O lance é que, muitos destes ‘caras durões’ tem um entendimento muito cagado do que é ser durão”, diz Ice. “Ser durão é escolher alguém do seu tamanho ou maior que você. Até na cadeia as pessoas odeiam quem bate em mulher ou molesta crianças”.

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Agora, você pode dar uma olhada na campanha da No More e dizer, muito sarcasticamente: “Ah é, baita ideia. Colocar como porta-voz contra a violência doméstica um homem que já falou em prol da cafetinagem e objetificou mulheres de bíquini em seus clipes”. E então te responderei de forma nada sarcástica: é exatamente esse o ponto – se um cara que tem um histórico de letras exageradamente sexuais e violentas pode ver o porquê da violência contra as mulheres é algo errado, não deveríamos todos?

“É, eu estive do outro lado por um tempo”, comenta Ice sobre seus dias de cafetão. “Me meti nessa merda há 40 anos atrás. Hoje sou um homem adulto, em um mundo diferente. Aí as pessoas não enxergam o lado bom que vem com isso, e só querem me odiar pra sempre”.

E mais, se você não convenceu de que Ice-T é o cara certo pra No More, tenha em mente que pelos últimos QUATORZE ANOS (sim, já faz tanto tempo assim), ele interpretou o detetive Tutuola em Lei e Ordem: Unidade de Vítimas Especiais, um programa que faz o bastante para abrir os olhos de qualquer um para os horrores da violência doméstica – de fãs do Body Count até a sua mãe de 60 anos que mora no Iowa.

Meghan Murphy certa vez escreveu no xoJane que o “feminismo é para todos”, mas aqueles que insistem que são “caras legais” ou se identificam como feministas, a irritam. Bem, não há ninguém que se identifique menos como feminista ou um cara legal do que o Ice-T. De fato, quando perguntei a ele se era um feminista, Ice fez uma longa pausa para pensar antes de responder: “Não, eu sou ‘homenista’, tô no time dos homens”. Ele continua: “Acho que tudo deveria ser justo, mas não vou dizer que sou feminista. Eu não tenho tempo para lutar pelos direitos das mulheres, eu tenho que lutar pelos direitos dos homens. Eu preferiria lutar pelos direitos humanos. A maioria das feministas que conheci passam mais tempo brigando com outras feministas do que com os homens”.

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Então fica óbvio que o Ice-T não é modelo certo para o feminismo moderno e que nem “Bitch in the Pit” é um hino feminista. Mas mesmo que não consiga nada além de mudar a mentalidade de alguns fãs do Body Count, ao menos é um passo na direção certa para uma cena lerda, tradicionalmente teimosa e dominada por homens.

Talvez eu só queira acreditar ingenuamente que há espaço na sociedade para homens de mentalidade progressiva que tratam orgulhosamente mulheres como iguais enquanto ainda celebram sua testosterona dada por Deus. Caras que consideram Hillary Clinton uma séria candidata à presidência e também assistem Os Mercenários. Caras que tem opiniões muito substanciais sobre a diferença salarial entre gêneros e tem conhecimento prático de quanto peso conseguem levantar. Homens que votam a favor da união entre casais do mesmo sexo e também curtem vídeos de merda explodindo sem nenhum bom motivo.

Espero que esse dia chegue – o dia em que derrubaremos a parede entre o feminismo radical e a hipermasculinidade. Afinal, o feminismo é para todos. Até pro maldito Ice-T.

Dan Ozzi já assistiu a todos os filmes do Jason Statham mas também tem uma assinatura da revista Bust. Siga-o no Twitter - @danozzi

Tradução: Thiago “Índio” Silva

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Tradução: Thiago “Índio” Silva