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Música

Falamos com os Caras por Trás da Trilha Sonora de 'Hora de Aventura'

Casey James Basichis e Tim Kiefer são os responsáveis pelos sons desse grande fenômeno da cultura pop desde sua criação.
Emma Garland
London, GB

É difícil achar um desenho animado que consiga ultrapassar as fronteiras de idade, raça, gênero e sexualidade para se tornar um sucesso internacional. Por esse motivo, Hora de Aventura é um dos maiores fenômenos pop do século. Criado por Pendleton "Pen" Ward, o desenho animado acompanha Finn, o humano, e Jake, o cachorro, em uma jornada por um mundo pós-apocalíptico. É engraçado-de-doer-a-barriga e sombrio, tem uma moral por trás e é absolutamente fantástico, superfofo e pesado, tudo ao mesmo tempo. É tipo o Ren & Stimpy da geração Y, só que com uma animação que não faz os adultos chorarem e menos metáforas sexuais explícitas.

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Mas sob todas as transformações visuais, batalhas e tentativas de fazer burritos está uma trilha sonora que é em grande parte responsável pela vibe do mundo introspectivo e nonsense de Hora de Aventura. Misturando chiptune com metal, j-pop com beatbox, os limites sonoros do desenho animado são tão distorcidos quanto os seus limites lógicos. E embora a trama raramente faça referência à música popular, os personagens seguidamente expressam seus sentimentos por meio da música. De Marceline detonando na guitarra a Limãohope e sua harpa, passando por Finn e Jake, que sempre transformam suas experiências em canções, a música de Hora de Aventura é absolutamente essencial para o tom do desenho, além de compor parte substancial da narrativa.

Criar a trilha sonora de Hora de Aventura parece basicamente o trabalho mais divertido do mundo, então, para descobrir mais sobre o assunto, falamos com Casey James Basichis e Tim Kiefer, as mentes que mapeiam musicalmente a Terra de Ooo desde a sua criação.

Continua abaixo…

Casey e Tim, as fotos são cortesia de Casey e Tim.

Noisey: Oi, pessoal! Então, antes de falarmos sobre Hora de Aventura, li que vocês já tiveram uma banda durante algum tempo, chamada Casey James and the Staypuft Kid. Podem nos contar um pouco sobre isso?
Tim: Que bom que você perguntou, Emma. Casey e eu lançamos alguns discos de forma independente e basicamente invadimos a cena musical do sul da Califórnia em 2007. Fomos a primeira dupla do mundo (mas, mais importante, do Myspace) a tocar ukuleles e Gameboys. A gente pintava com tinta spray os encartes dos CDs, feitos com um tecido felpudo, compunha no apartamento/navio pirata do Casey e vivia obcecado com os e-mails que recebíamos dos fãs. Os discos estão vivos e passam bem no meu site, timspace.com.

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Então, como pularam disso para Hora de Aventura?
Casey: Somos todos crias dos dormitórios do California Institute of the Arts. Um dos primeiros webcomics do Pen, Bueno the Bear, misturava sinceridade e inteligência de uma maneira que eu nunca tinha visto – explorando o óbvio sem rir de ninguém. Fui atrás dele no Chouinard Art Institute e falei o quanto gostava do trabalho dele. Ele eventualmente perguntou se faríamos a trilha sonora de um dos projetos dele – era o curta de Bueno the Bear, de 2001 – fazendo uma espécie de proto-twerking ao som de dance music dos anos 90, nossa primeira parceria. Mas Hora de Aventura surgiu do nada e era uma tela em branco… Um mergulho nas mentes delicadas da juventude global.

O desenho tem muitos roteiristas, e os personagens podem seguir muitos caminhos diferentes e inusitados, mas vocês criaram a música desde o começo. Como vocês acham que Hora de Aventura evoluiu ao longo das suas seis temporadas, e como isso afetou a música?
Tim: A esta altura, parece que estamos envolvidos até o pescoço na narrativa da "Jornada do Herói". Os personagens adquiriram inúmeras novas dimensões; novas relações são construídas enquanto outras desaparecem. A música evoluiu em sintonia com isso. As minhas músicas perderam quase totalmente a simplicidade das primeiras temporadas, em que Finn perambulava tranquilamente por Ooo. Ainda são sinceras, mas agora estão mais refinadas e robustas.

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Estamos começando a ter visões do passado mais remoto e do futuro (como em "Evergreen" ou "Limãohope"), indo muito além dos rostos familiares, até mesmo de Marceline, o que nos permite ver as nossas composições anteriores como mitologia.

Em termos de trabalhar com Pendleton Ward, ou com qualquer um dos produtores, eles dizem a vocês mais ou menos o que querem ou vocês só dão uma olhada no storyboard e vão em frente?
Tim: Antes do Pen deixar o comando do desenho, trabalhávamos quase que exclusivamente com ele. Tenho boas recordações dele articulando sua visão para os episódios. Para um trecho do episódio "Poder Animal", ele pediu uma "intensa cacofonia de, ehh, coisas… que soem religiosas". Para um segmento de "Amor Lento", "um zumbido sexy aqui… Façam um crescendo com apitos e uivos de lobo, Kenny G. Muito sax. Striptease", e, para o trote que Finn e PB deram no Limãograb, que era meio [uma máquina de] Rube Goldberg, em "Jovem Demais": "Uma música boba e marota de montagem! Divirta-se com isto, cara. Faça-a potente. E com um beat dançante. Quero a garotada dançando na frente da TV!"

Haha. Isso meio que explica por que a música é tão diversa. Quero dizer, as composições incluem chiptune, beatbox… Praticamente tudo. Mas como vocês decidem o que se encaixa aqui ou ali, vocês adaptam esses "gêneros" pré-existentes para que se encaixem no tom do desenho?
Casey: As orientações de Pen para o piloto de Hora de Aventura eram muito abertas. Os uivos operísticos representam as muitas realidades que eu estava tentando criar. Queria uma atmosfera dominada pela ingenuidade juvenil e pela curiosidade descompromissada, que lembrasse aquela época da vida em que tudo é novo. A música não é subordinada às imagens – ela intencionalmente injeta novos elementos no espaço, arrastando e empurrando o público para novas realidades; é um empurrãozinho bem-intencionado.

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Quando Pen descreveu o cenário pós-apocalíptico, percebi que era uma oportunidade incrível. De repente, a música era todos os gêneros que já existiram, mais todos os gêneros e formas que ainda vão surgir até este apocalipse, seguido por milhares de anos de efervescência, em que o contexto se evapora, cada um deixando a sua própria ópera incompreendida. Eu vivo num pavor constante das zilhões de maneiras que não compreendo totalmente esse universo.

Tim: Acho que as pessoas esquecem que há um espaço contínuo entre gêneros pré-definidos… Eu só o exploro. Além disso, é um desafio divertido. Simplesmente imitar um estilo é uma tarefa vazia, e que tem o seu lugar – mas não em Hora de Aventura. E essa é a minha abordagem característica, seja programando uma noite de bandas e DJs, fazendo um mix próprio ou misturando beats. Tomo muito cuidado para misturar criativamente o familiar com o estranho, para que o meu público tenha tanto aquela sensação gostosa de conforto quanto um espanto elétrico. Envolver as pessoas num diálogo expressivo e o ciclo de feedback criativo que resulta disso são as coisas mais lindas do mundo para mim.

Mas é preciso um extenso conhecimento musical para fazer isso. Que tipo de música vocês escutam no seu tempo livre?
Casey: Gosto de fazer uma "curadoria" de coleções inteiras de música de fetichistas e acumuladores obsessivos e deixá-las tocando em modo aleatório. Mergulhar na personalidade musical de outras pessoas. Não tenho as coleções dessas pessoas, mas gostaria: Angel Haze, Blood Orange, Chance the Rapper, Charli XCX, Chris Gaines, D’Angelo, David Bowie, Death Grips, Dej Loaf, Devendra Banhart, Flying Lotus, Grimes, Haim, Iceage, Jessica Pratt, Joanna Newsom, John Williams, Justin Bieber, Kendrick Lamar, Kera & The Lesbians, Koji Kondo, Marilyn Manson, Miley Cyrus, Moses Sumney, Obama, Oval, Prince, Rae Sremmurd, Rich Homie Quan, Rustie, Sophie, Squarepusher, Spooky Black, St. Vincent, Taylor Swift, Tom Brosseau, Tune Yards, Yoko Ono, Yung Thug.

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Talvez eu possa te ajudar com isso. E quanto a você, Tim?
Tim: Vou te alertar. Como DJ, produtor de eventos e chefe de gravadora iniciante, minha ingestão de música é tão infinita quanto ilimitada – impossível de quantificar pela métrica de "favorito" ou por uma definição geral. Dito isso, minha lista atual de artistas essenciais é mais ou menos essa: Eero Johannes, DJ Nate, Julianna Barwick, Acid Arab, Skin Town, Matias Aguayo, Nils Frahm, Heterotic, Kyary Pamyu Pamyu e Various Production.

Onde vocês costumam trabalhar e o que tem nesse ambiente que ajuda?
Tim: Sou um recluso. Quando você não me vê por dias a fio, pode apostar que estou escondido, fazendo música como louco no estúdio. A intensidade do cronograma da TV a cabo se presta a esta mania – a adrenalina em função dos prazos é real. Muito recentemente, comecei a levar este fervor auto-imposto para a estrada – achando recantos ao redor do mundo para me aninhar e compor. A próxima parada é o interior da Alemanha dos contos de fadas.

Casey: A vida no estúdio lembra um pouco uma masmorra. Eu passeio pelas montanhas de Santa Monica a pé, cantando no meu celular. Me dedico a um projeto de inteligência artificial, construir um ambiente para descobrir a música do segundo milênio – encarando nossos celulares, perambulando pela selva, esbarrando em ursos – superfuturista.

Vocês costumam trabalhar juntos ou separados?
Tim: Colaborações são uma rara alegria; é complicado encaixá-las no cronograma supracitado. Mas, quando elas acontecem, o caos extra é muito recompensador. Ashley Dzerigian, que está constantemente em turnê ao redor do mundo com grandes bandas, definiu o som do baixo-machado da Marceline em "Despejados"! A extraordinária cantora de ópera Karen Vuong nos surpreendeu com as suas improvisações supersônicas, e a Yvette Dudoit deu um pano de fundo clássico e sombrio para "Jake, o Tijolo". Não posso me esquecer da minha madrasta, Lisa Gygax – ela e o seu banjo criaram o clima para girar o porco [em "Guerra de Cartas"].

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No que se refere a coisas mais coerentes – quando Marceline ou Finn estão cantando sobre os seus sentimentos, por exemplo – vocês se envolvem na criação das letras e do arranjo?
Tim: Essas músicas são criadas bem no começo do processo de produção do episódio, muito antes de termos qualquer influência criativa. Apesar de que Casey conseguiu explorar o pandemônio que é a limitação de tempo da emissora, passar pela vigilância deles e incluir algumas letras sem ser notado.

Vocês sabiam que fizeram um hip hop inspirado na Marceline?
Casey: Caí para trás quando descobri que Cinquenta Tons de Cinza começou como um fan fiction de Crepúsculo. Ah, ser um modelo textual na vida interior de alguém. Um complemento para o Colt. | (• ◡•)| (❍ᴥ❍ʋ)

Tim: Tem sido uma viagem ver os ecos de Hora de Aventura chegarem cada vez mais longe. Acho que não vai demorar muito até cada um de nós ter o seu próprio BMO.

Vocês evocam ou espelham as características dos personagens com a música? Tem samples ou sons específicos que vocês atribuem a determinados personagens?
Casey: Desde a criação do desenho, sabíamos que queríamos que cada episódio fosse único, como um filme, um mundo único. Coreografar a música com as emoções dos personagens contribui para a criação de um tipo de mundo. Tentamos ancorar o design musical de maneiras diferentes, para dar efeitos diferentes para cada trilha. Parte disto é centrado nos personagens, mas tentar criar algo novo e intrínseco à história é o ideal. Não importa o design, mexer com uma variedade de sons e instrumentos para entender comportamento e os maneirismos de uma entidade musical é de longe a parte mais agradável.

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Hora de Aventura parece muito inspirado por videogames – tanto a música quanto a trama. Vocês eram ou são fãs de games? Têm uma trilha sonora de videogame favorita?
Tim: Pen volta e meia fazia referência a velhos jogos de NES para descrever o clima que ele queria criar numa cena – Sexta-feira 13, The Legend of Zelda etc. Em termos de games, sou fã de tudo que é antigo, então era como falar uma língua secreta! Como trilha favorita, Mega Man 3 e Katamari Damacy ficam empatados. Escolher entre as duas é besteira, porque elas são muito diferentes.

Casey: Achar o Mario 3 três dias antes dele ser lançado foi um dos grandes feitos da minha vida. Em poucas horas eu estava perambulando pela casa, horrorizado, com todas as articulações da minha mão direita travadas para trás. Também jogava muito Metroid e Double Dragon. Como uma espécie de estratégia oblíqua, tento imaginar a música em que estou trabalhando através da perspectiva espacial dos videogames. Adoro a música dos games e a clareza que vem com a sua economia de meios, mas, para mim, a simplificação visual da informação sempre foi uma porta de entrada para a experimentação e a construção musical.

Vocês gostavam muito de desenhos animados antes de Hora de Aventura?
Casey: Crescemos nos anos 80 e 90, com programas como Super Vicky, Barrados no Baile e Dinastia, então pegamos o finalzinho de uma era em que tudo era irremediavelmente cartunesco. O princípio ótico da existência era distorcido de maneiras absurdas, e sendo criança, você não fazia ideia. A animação é a ponta desse iceberg.

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Todos os dias, o dia inteiro, Ren & Stimpy, Daria, Os Fantasmas Se Divertem, Tom & Jerry, As Aventuras de Rocky e Bullwinkle, Aeon Flux, O Cabeção, Dragon Ball Z, Os Caça-Fantasmas, Vila Sésamo, A Vida Moderna de Rocko, O Laboratório de Dexter e muitos outros tiveram sua influência no que eu sou. Outros, embora sejam altamente questionáveis na sua construção, foram cruciais por outras qualidades – aprimorar as regiões da minha mente dedicadas às novelas. Mas eu queria ter tido um pouco da filosofia dos filmes da Lego estimulando a minha cachola desde cedo.

Adoro ver a evolução dos maneirismos de Hora de Aventura, à medida em que eles ganham eco em Steven Universo, Over The Garden Wall, Clarêncio, O Otimista e o resto.

Tim: Eu gostava muito de Os Caça-Fantasmas. Era o meu ritual de sábado de manhã na infância.

O que vocês acham que gera tanta identificação em Hora de Aventura?
Casey: Nos momentos casuais, relaxados, você sente que os personagens estão se sentindo bem, sendo bobos e se divertindo uns com os outros. É a sensação que esses personagens estão vivendo o presente e você pode se relacionar com isso, eles não são reféns do roteiro.

Tim: Isso e o fato de que você fica completamente desarmado depois daquela música de abertura superfofa. Quero muito que Pen e Casey partam daí e comecem a fazer covers do Styx.

Finalmente, se vocês pudessem ser qualquer personagem de Hora de Aventura, quem seriam?
Casey: Me identifico com o LSP pela minha cultura de surfista viajandão, que é um rótulo dúbio que precisa constantemente de uma representação cuidadosa e positiva. Ele também é barulhento, impaciente, irracional e tem um coração de ouro.

Tim: Finn, menos jogando Guerra de Cartas – nesse ponto, sou MUITO o Jake.

Matemático. Obrigada, Casey e Tim!

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Tradução: Fernanda Botta