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Música

Um papo sobre George Orwell e pancadaria sonora com os caras do Siege of Hate

Ouça música exclusiva da banda pioneira do grindcore cearense. Tem entrevista sobre o recente álbum deles, o ‘Animalism’.

Foto por Luciana Pires.

O quarto full-length dos cearenses do Siege of Hate saiu não faz muito tempo. Na verdade, eles ainda estão trabalhando na promoção do álbum, intitulado Animalism e lançado no final de 2013. Mas isso não impede que eles continuem criando, gravando e produzindo, como sempre fizeram desde que a banda nasceu, em 1997. Enquanto o recente petardo é disseminado no underground metaleiro daqui e do exterior, o S.O.H., atualmente formado por Bruno Gabai, (vocal, guitarra), George Frizzo (baixo) e Saulo Oliveira (bateria), tem no gatilho outros lançamentos para disparar.

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Um deles é uma faixa que acabam de gravar, nesta semana, para um tributo ao Headhunter DC, que sai no mês que vem pela Mutilation Records. O outro, é um EP em digital e vinil planejado para junho. Já está tudo no esquema para este último, à espera apenas de que eles fechem com alguma outra banda interessada em firmar um split. Quando fiquei sabendo que as músicas do EP estavam prontas, pedi pro George liberar um preview pro Noisey, e os feras, gente fina que são, concordaram. A faixa que eles oferecem pra vocês sacarem chama-se "Brave New Civil War".

Curiosamente, tanto este som como os outros três do compacto - "Hope Died… At Last", "Misery Circus" e "Moral Psychosis" -, remontam à época da gravação do álbum anterior deles, o Deathmocracy, de 2009. São músicas que ficaram de fora do repertório no corte final e que eles guardaram na gaveta. Inclusive, trazem a participação do Ricarte Neto, o ex-segunda guitarra e vocal. As faixas assumem bem aquele estilão clássico do S.O.H., uma mistura de grindcore, death metal e hardcore old school.

Conversei com o Bruno e o George sobre os lançamentos que vêm pelo caminho, a cena metal de Fortaleza, a repercussão do novo álbum e os ideais da banda. Se liga aí:

Noisey: Bem, vamos começar falando dessa track que vocês escolheram liberar pra gente. Do que fala a letra e qual a pegada do som? Ela é bem representativa do que podemos esperar ouvir no próximo trabalho do Siege of Hate?
Bruno Gabai: "Brave New Civil War" fala sobre o extremo da violência urbana a que estamos chegando. Seja por roubos, tráfico de drogas, quebra-quebra em manifestações, truculência policial, brigas e mortes no trânsito. Hoje em dia mata-se por muito pouco. Estamos vivendo quase em uma zona de guerra, de modo que as pessoas ficam acuadas, tornaram-se prisioneiras de suas próprias casas. Não diria que é uma música representativa de nossos próximos trabalhos, mas sim que é do tipo que sempre vai estar nos discos do S.O.H.. Por isso a escolhemos: grindcore com duas linhas vocais, partes rápidas e algumas cadenciadas, algumas influências de Napalm Death.

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Achei curioso que o nome do recente álbum de vocês, Animalism, tenha sido inspirado no livro A Revolução dos Bichos, porque esta obra, de certa forma, conclui-se tentando mostrar que o poder e o autoritarismo inevitavelmente transformam - ou revelam - o caráter tirano da natureza humana. Como essa crítica se reflete na música de vocês?
George Frizzo: George Orwell é uma influência pessoal. 1984 é um dos meus livros preferidos. O título Animalism, embora tenha sido retirado de A Revolução dos Bichos, não constitui um disco baseado no livro, ou seja, não é um disco temático. As músicas possuem temas variados e podem ser interpretadas como cada um quiser. A ideia de Animalism surgiu quando procurávamos um nome forte pro disco, mas que tivesse algo a ver com a essência musical da banda. O nome e o conceito de Animalism se encaixam perfeitamente. Na arte da capa e encarte, procuramos ressaltar essa essência animal e primitiva que vem do nosso som, fazendo uma ligação com o homem moderno. Que é o ponto do nosso disco: o homem como um animal selvagem, primitivo, irracional e cheio de vícios destrutivos.

Gabai: Certamente que o contexto político atual do Brasil, fazendo uma analogia com a obra de George Orwell, serviu de inspiração para intitular o disco, mas integrando-se a tudo isso que o George falou. Nós temos, sim, preocupações políticas, apesar de nenhum de nós ser vinculado a partidos políticos ou defender ideologias específicas. Mas como cidadãos, nos preocupamos com o mundo em que vivemos e acho que na música, assim como em qualquer tipo de arte, é importante você trazer uma mensagem, um conteúdo, fazer as pessoas pensarem. O próprio conceito do Siege of Hate (Cerco de Ódio) traz isso, ódio e repúdio a toda podridão que infesta a sociedade de hoje: a corrupção, o crime, a hipocrisia, a alienação massificada. O que buscamos é construir algo positivo a partir de toda esse negativismo.

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Vocês formaram a banda em 1997 e o primeiro álbum só foi sair em 2003. Vocês consideram esse primeiro capítulo na trajetória da banda como um período de amadurecimento artístico? Acham que o debut teria soado diferente se tivesse saído antes?
Frizzo: Sem dúvida seria diferente, mas acredito que o disco tenha saído num momento certo, respeitando uma lógica que hoje em dia se perdeu, que é exatamente esse amadurecimento a que você se refere. Há dez, 15 anos, as bandas ensaiavam, faziam shows, gravavam e lançavam demo-tapes, divulgavam nos fanzines, vendiam as fitinhas nos shows e só depois de um certo tempo é que gravavam e lançavam o primeiro disco. E isso quando conseguiam um selo para bancar esse disco, pois era relativamente caro lançar um disco por conta própria. Hoje é tudo muito rápido e dinâmico. As bandas são formadas num dia e no outro já gravam um CD e lançam de forma virtual no Soundcloud ou no Bandcamp, e isso antes mesmo de fazer algum show. Então naquela época essa maturação foi importante. Sem esquecer que, inicialmente, o S.O.H. era um projeto paralelo de outras duas bandas, o Insanity e o Obskure, e foi já no final do Insanity, a partir de 2002, que o S.O.H. começou a trabalhar no primeiro disco.

Gabai: Eu apenas complementaria que não foi exatamente um período de amadurecimento artístico, porque a proposta sonora e lírica da banda se manteve desde a demo-tape (de 1998) até o primeiro CD. Foi principalmente a transição de uma banda-projeto, mais descompromissada, criada apenas por diversão, em nossa banda principal, para onde passamos a voltar toda nossa energia.

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Com lançamentos e turnês internacionais, como é a repercussão do trabalho do Siege of Hate lá fora?
Gabai: Tivemos sorte de conseguir que todos os nossos CDs tivessem uma certa distribuição no exterior. O primeiro, Subversive by Nature, foi lançado oficialmente na Europa, Ásia e América Latina pelo extinto selo Karmaggedon Media/New Aeon Media (Holanda), que sublicenciou na América do Norte para a Candlelight Records (EUA). Até hoje é possível encontrar cópias desse CD em lojas em vários países do mundo e teve muitas resenhas positivas na época. Nosso segundo CD, o split Out of Progress, foi dividido com a banda canadense Time Kills Everything (projeto paralelo de membros do Fuck the Facts), o que acabou levando esse nosso CD também para a América do Norte e até já o encontramos à venda na Europa. Quanto aos dois últimos, Deathmocracy e Animalism, foram lançados em parceria com o selo alemão Bomb This Shit Productions, além de terem tido suas respectivas turnês europeias de divulgação. Assim, acho que, aos poucos, estamos conquistando algum espaço de reconhecimento neste universo de infinitas bandas que existem mundo afora. Mas é importante estar sempre ativo e lançando coisas novas. Daí também essa nossa nova parceria com o selo Your Poison Records, de Portugal, para lançar este próximo 7”EP em vinil.

Quais são as principais influências da banda, considerando essa mistura de grind, death e hardcore que resulta no som de vocês?
Gabai :A música do S.O.H. tem como referências básicas ícones do grindcore, death metal e crossover/hc, como Napalm Death, Extreme Noise Terror, Death, D.R.I., Discharge, Morbid Angel, S.O.D. e Nuclear Assault. Todavia, nós três escutamos muitas coisas diferentes e sempre acabamos trazemos um pouco de tudo isso para dentro da nossa música. Eu sou o cara de mais influências old school da banda e acabo sendo o responsável por manter essa vibe nas composições. O Saulo escuta muito bandas extremas, sejam de black metal, como Immortal e Raising Hell, death metal sueco, como At The Gates e outras mais atuais, como Misery Index e The Black Dahlia Murder, clássicos, como Pantera e Black Sabbath, além de coisas mais tranquilas, como A Perfect Circle e Alice in Chains. E o George é o cara das ideias mais experimentais e inovadoras e que ouve as coisas mais estranhas, que ele mesmo pode falar melhor.

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Frizzo: A gente ouve de tudo o que é pesado, desde coisas mais extremas ao rock alternativo, sem preconceito. Claro que nossas bandas de cabeceira, que acabam se tornando nossas influências, são mais especificas. Eu particularmente ouço muita coisa pesada e sombria como Cult of Luna, Neurosis, Sunn O))), Isis, Terra Tenebrosa, Russian Circles, Jesu, Mogwai. E também tenho um programa semanal de webrádio - chamado Superdrive - onde toco basicamente rock alternativo, então estou sempre ouvindo coisas novas nessa linha. Dessas bandas eu destaco Temples, Suuns, Tame Impala, o trabalho solo do Lee Ranaldo do Sonic Youth, Warpaint, entre outras. Mas nunca deixo de escutar os clássicos: Napalm Death, Celtic Frost, Godflesh, Slayer, Metallica antigo…

Como é a cena aí em Fortaleza atualmente para esse tipo de som? Existe um intercâmbio entre as bandas, uma infra legal rolando?
Gabai :A cena de música pesada aqui em Fortaleza tem se consolidado bem, principalmente nos últimos 15 anos, em parte certamente devido à formação da Associação Cultural Cearense do Rock (ACR), que produz o festival ForCaos e vários outros eventos e tem conseguido alcançar espaços onde o rock underground antes não chegava. Também houve produtores locais que trouxeram vários shows internacionais nesse período e que, de certa forma, ajudaram a fazer crescer a cena local, como Motorhead, Helloween/Gama Ray, Kreator/Exodus, The Cult, Sepultura, Destruction, Bad Religion, mais recentemente Soulfly, entre outros. Isso ajudou a consolidar mais o rock no cenário musical local. Paralelamente, tem muitas bandas novas e material de excelente qualidade surgindo. Eu destacaria o Encéfalo, Krenak, Betrayal, Burning Torment, Monge, Devil’s Drink, além das mais experientes Clamus, Criokar, Obskure, Facada, Diagnose e G.S. Truds. A galera tá metendo as caras para realizar shows, com bastante intercâmbio de material de bandas locais e de outros estados, alguns espaços novos estão surgindo. Como nem tudo são flores, a parte ruim é que mais recentemente temos tido dificuldade de consolidar um ou dois locais fixos para os shows de metal/hc. Alguns picos contam com estrutura muito precária ou são pequenos, outros, já são bem melhores, mas muito caros e sem tradição de shows pesados. Sabemos que isso é cíclico e tem fases boas e ruins, mas no geral, vejo mais pontos positivos do que negativos na cena local.

Sobre a gravação do álbum novo, vocês têm um processo de gravação/produção muito elaborado ou complexo em estúdio? Em quanto tempo ele foi concebido?
Gabai: O processo de produção do disco foi dentro da nossa rotina normal, sendo de diferente apenas que este é o primeiro registro da banda em que todas as composições são minhas, com o restante da banda contribuindo nos arranjos. Importante destacar que o projeto deste CD foi financiado pelo Programa Cultura da Gente, do Banco do Nordeste, o que deu um ânimo especial para o trabalho. Durante o ano de 2011 até o início de 2012, viemos ensaiando e trabalhando nos arranjos. Com a parte instrumental e a maioria das letras prontas, entramos em estúdio para gravar em agosto de 2012. Daí, a gravação se estendeu ao longo do semestre, compatibilizando horários pessoais com a agenda do estúdio, até que no início de janeiro de 2013 concluímos a mixagem e a masterização, totalizando aí seis meses. Daí, foi o George finalizar a arte da capa e encarte (até março) e finalmente o CD foi para prensagem em abril, chegando em nossas mãos no final de maio de 2013. É um processo meio longo, mas comparando com os anteriores, foi o disco em que o interlúdio entre a gravação e o lançamento levou menos tempo. Esse tempo reflete um pouco também as nossas outras responsabilidades, que temos que conciliar com a banda, trabalho, família…

Como tem sido o feedback deste recente álbum? E o que o trabalho trouxe de diferente à proposta da banda em relação à fase anterior?
Gabai: A receptividade do Animalism tem sido fantástica! Sem dúvida é o nosso álbum de melhor aceitação até o momento. E acho que ele reflete bem o momento atual da banda, pois, se por um lado é talvez o nosso álbum mais extremo, também demonstra uma evolução técnica, produção cuidadosa, mantendo a mesma identidade de sempre. Também sempre buscamos um cuidado especial com a parte gráfica e visual do CD, pois é o cartão de visitas da banda. Eu diria que traz uma continuidade do que fizemos em Deathmocracy, sendo um pouco mais direto, rápido e nervoso, sempre com as referências básicas de death, grind e crossover, que são os três pilares da música do S.O.H..

Como foi que rolou a participação do S.O.H. no tributo ao Headhunter DC?
Frizzo: Somos todos fãs do Headhunter DC. Várias das vezes que eles vieram tocar em Fortaleza, desde a primeira, em 1992, estávamos lá conferindo a brutalidade da banda ao vivo. Fomos convidados pelo próprio Baloff, vocalista do Headhunter DC, para participar desse tributo que a sua gravadora, a Mutilation, estava querendo lançar. Para nós, foi uma grande honra esse convite, pois o Headhunter DC tem muitos clássicos numa vasta discografia.