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Música

A Chama do Hardcore Melódico Ainda Queima no Novo Álbum do Garage Fuzz

Ouça com exclusividade a faixa-título, “Fast Relief”. Banda comemora 25 anos com show de lançamento de seu oitavo trabalho nesta sexta (13) em SP.

Certas bandas sempre terão aquele efeito “a história não acabou” na gente. Alguns podem teorizar que o auge do hardcore nacional foi nos anos 1990, avançando ao começo da década de 2000, mas isso só para quem tem o hype e o mainstream como pontos de partida. Por baixo da peneira da cultura pop, uma cena firmada segue rendendo frutos, e o Garage Fuzz, um dos pioneiros do estilo, está de novo na área com seu oitavo álbum, coroando 25 anos de carreira. Fast Relief é mais um disco do Garage Fuzz com tudo o que se espera dos caras. A pegada das 12 faixas que compõem a obra é a mesma, enérgica e melódica.

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As bases são potentes, costuradas por aqueles dedilhadinhos de guitarra legais, tão característicos do Garage. Já as letras, embaladas por cativantes melodias de voz, tornam-se fáceis de se decorar e intuitivas de se cantar junto. É tipo quando você escuta um disco do Bad Religion, do NOFX ou do Pennywise. Igual, só que diferente. Acho bom que seja assim. Do contrário, decepciona os punk. Ainda ressoa aquele espírito lá de 1991, quando eles estavam na onda Mudhoney, Dinoraur Jr., Screaming Trees e Flaming Lips, porém surgem mais fortes as semelhanças com coisas como Hüsker Dü, Celibate Rifles, The Saints, Lifetime e Seaweed.

Vai rolar o show de lançamento do álbum nesta sexta, dia 13, no Sesc Pompeia, em São Paulo. Para esquentar, temos aqui uma entrevista com o vocalista Alexandre Cruz e o streaming exclusivo da faixa-título, pra você já ir treinando uns pogos e uns stage-divings.

Noisey: Vamos começar falando um pouco da pegada desse novo álbum. Como está a tônica das letras e a estética das novas músicas em comparação com o disco anterior de inéditas de vocês? É claro que o Garage tem um estilo muito singular e característico, com influências marcantes, mas algum elemento ou vibe nova sempre surge a cada álbum, não?
Alexandre Cruz: É o primeiro álbum depois da saída do Fernando Zambeli, e conta com três músicas compostas na época em que ele ainda estava na banda, em 2009, e também já traz as influências do Fernando Bassetto nas composições. Acho que tivemos uma evolução musical bem nítida nessa fase. As letras são bem pessoais, mas englobam temas que a banda viveu nesses últimos anos: “Kids On Sugar” fala sobre cheirar cocaína até se perder, “Rewind Speech” e “Pay Your Dues” falam sobre abandonar os sonhos e ideais por dinheiro, “Fast Relief” fala sobre como lidar com planos utópicos sabendo que é nescessario seguir esses planos para se sentir vivo, “On the Wall Corner” e “The Darkside of…” já tratam de temas como depressão e tristeza causada pelos tempos modernos, enquanto “Blockhead” trata de uma visão de que o mundo atual sempre está se moldando a novas ideias e não adianta se fechar e não ter diálogo ou autocritica. E tem outras mais abstratas, que são as minhas favoritas, como “Earning” e “The Final Crop”.

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Comente sobre a composição das músicas e a elaboração desse álbum em estúdio. Levando em conta que vocês ficaram dez anos sem fazer um álbum de estúdio, esses sons do Fast Relief foram concebidos ao longo desse hiato, ou vocês se reuniram especialmente para criar um novo repertório mais próximo das sessões de gravação?
As músicas foram compostas durante os últimos nove anos, mas como lançamos dois EPs e gravamos um split com o Againe, que vai sair agora no final do ano, durante esse período umas sete músicas acabaram sendo lançadas antes do disco. Nunca paramos de tocar em 25 anos, e a banda sempre ensaiou muito nesse período para compor o repertório atual e também para fazer shows. A maior parte do repertório foi composta somente em instrumental e ensaiado durante alguns anos sem o vocal. Talvez por isso tenha essa quantidade de variações e detalhes. As melodias de voz e letras foram feitas, em sua maior parte, nos últimos dois anos. Eu me reunia com o Fabricio na casa dele, inventávamos os vocais no processo violão e voz, e levávamos para a banda dar uma opinião também, e assim finalizamos. É complicado para uma banda que teve início numa época em que o networking era feito por carta, correio e fita cassette, hoje em dia ter que se adaptar a toda a dinâmica/formato digital, redes sociais…

Vocês sempre tiveram selos legais por trás dos álbuns do Garage. Selos que estavam em evidência na época em que vocês fecharam com cada um, Thirteen, Highlight, Spicy, OneFoot. E este novo álbum, é totalmente independente?
Sim, sem dúvida todos foram muito importantes no período em que trabalhamos com cada um deles, e acho que ainda estamos em selos legais hoje em dia, porque quem cuida dos lançamentos em vinil atualmente é a Anda Anda Discos e a Spicolli, que são, respectivamente, da galera da Nada Nada e da loja The Records. E eles fizeram um trabalho muito legal com o relançamento do Relax In Your Favorite Chair. Agora para o final do ano vai sair o Comfortable Moments, que agrupa dois EPs em um LP, e provavelmente faremos a versao do Fast Relief em vinil por eles. A Burning London, de Belo Horizonte, também fez uma tiragem do Turn The Page em vinil que ficou bem legal! Agora, a razão desse lançamento CD ser independente… Acho que parte da ideia tem a ver com o fato de que o Fernando Bassetto é dono do estúdio Playrec, em Santos, onde ensaiamos e gravamos os discos há mais de dez anos. Isso já facilita. O Fabricio cuida de organizar e agendar os shows e outros processos relacionados ao dia a dia da banda, o Wagner pegou e organizou a venda de merchandising nos shows, e eu tinha organizado em 2012 a Outprint para vender online fanzines, fitas cassette, discos e livros. Então, acho que o cenário que se formou deu a liberdade de fazer um lance independente, mas conscientes de até onde poderíamos e queríamos chegar. Acho que é, sem dúvida, mais trabalhoso do que ter um selo fazendo tudo. Porém, hoje em dia, pensamos mais na saúde da banda e em continuar tocando do que em alçar voos mirabolantes ou fazer cronogramas que não conseguiríamos cumprir.

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Quando vocês pensam na época do Relax In Your Favorite Chair, quando a banda era tipo revelação do hardcore nacional, qual o sentimento, lembranças ou reflexões que vêm imediatamente à memória de vocês?
Que eu “pulava e não cantava” [risos]. Foi legal, né! Foi um período importante na formação do caráter e ideais. Mas foi uma época muito difícil, também. Na época ficamos em um lance meio “não somos mais tão underground e, também, não somos mainstream”. Então, rolou uma complexidade para entender o que a banda significava mesmo para o público. Trabalhamos muito nessa época, tocamos em todos os lugarem e tivemos um suporte de turnê legal, então acho que isso solidificou a nossa história. Lembro muito de quando tínhamos, 22, 23 anos, ainda em Santos, com uma cena legal, dólar a R$ 1,20, época pré internet, comprando música que não tinha nas lojas locais pelo correio que nem uns loucos, mandando dinheiro escondido por carta, com papel carbono. Quando relançamos o Relax… em vinil, as mensagens que recebemos foram emocionantes, a galera contando como o disco fez parte da vida deles, como ajudou em momentos difíceis, como escutar o disco hoje em dia remete a bons momentos da vida, então acho que esse é o pagamento final! [risos] É o que faz a coisa valer a pena, quando uma pessoa chega para você emocionado, abrindo o coração de como você fez parte da vida dela mesmo sem conhecê-la pessoalmente. Mas realmente agora, 20 anos depois do disco ter sido lançado, eu consigo ter uma noção de como ele foi relevante para o cenário da época. Eu não sou muito de ficar revisitando meu próprio passado. Sei que ele está ali, mas não fico escutando gravações antigas, a não ser que seja nescessário.

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Nas duas últimas décadas, o Garage Fuzz parece ser a única banda – tirando os exemplos de apelo comercial – realmente bem sucedida vinda do cenário underground/alternativo de Santos. Embora a cidade já tenha tido várias fases boas e prolíficas, com o perdão da analogia, parece que rola um ciclo de ondas que se formam, crescem, porém depois quebram na areia. A que se deve isso, na opinião de vocês?
Bom, acho que fomos uma banda santista que foi influenciada pelo que tinha de verdadeiro na cidade: lojas de disco muito boas, para não dizer visionárias, para a época. Ou seja, de 1985 a 1990, íamos na loja Metal Rock e estava tudo lá na nossa cara, lançamentos de power metal, thrash metal, crossover, punk rock, hardcore, hard rock anos 70. No início dos anos 90, teve a mudança para o som alternativo, indie, pop-punk, guitar. Aí tínhamos a Loja Blaster, que também sempre esteve à frente em música. Podíamos ir lá em 90 e gravar tudo de rock australiano que quiséssemos, ou bandas americanas de selos como Amphetamine, Repitile, Estrus, Dionsius, Sub Pop, isso antes do Nirvana gravar “Smells Like”! Depois, quando lançamos o Relax In Your Favorite Chair, eu montei uma loja com um amigo em Santos, chamada Sound Of Fish, e lá também entramos de cabeça em bandas de selos como Jade Tree, Revelation, Allied, muito pop-punk da Lookout. Então era basicamente isso. Em cada época você podia ir para essas salas de aula e estudar o que desse na cabeça, com o suprasumo do que existia no momento. Era muito intensa a troca de informação, a gente tinha vindo da cultura dos anos 80, daquele tape trader com uma porrada de gringo durante anos. E éramos radicais. Manjava de som? Entao te respeitávamos… Era meio assim.

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O que aconteceu nas décadas seguintes é que infelizmente teve uma inversão de valores… O que importava não era mais conhecer da cultura da cena, como organizar shows, montar uma banda, fazer fanzines e selos… A ideia começou a girar muito em tentar fazer sucesso como a galera da cidade que conseguiu fama e dinheiro. E aí, não tem base que aguente isso. Acho que o exemplo que demos à cidade é que voce pode, sim, formar uma banda com cinco amigos de infância/adolescência e, sim, se manter por 25 anos tocando basicamente com a mesma formação, sem se prostituir e sendo honesto com o que se está fazendo, com quem se está fazendo e para quem se está fazendo. Mas deixo claro que sempre respeitei e acredito muita na cena de metal santista, que depois de décadas ainda se mantém com bandas relevantes e com um trabalho honesto e verdadeiro.

Nos anos 90 e começo dos 2000, rolavam muitas tretas na cena hardcore, pelos mais diversos motivos políticos e pessoais. O Garage passou por alguma perseguição ou cobrança de certos grupos, nesses anos todos? E, como lidaram com isso para sobreviverem com o prestígio que carregam até hoje?
Sim, claro, era impossível passar em branco. Éramos muito comerciais para a cena punk suja e muito doidões para a cena hardcore politizada. Aí sempre rolavam algumas brigas feias, mas é claro que tínhamos 18 ou 20 anos de idade e todo mundo, sem excessão em ambos os lados e em respectivas turmas, se achava dono da verdade. Então acho que não tinha como não existir esse tipo de conflito na época. Mas hoje em dia somos amigos de muitas das pessoas com as quais discutimos no passado. Talvez não sejamos amigos de todos os punks do Juntatribo [risos], mas olhamos para o futuro e entendemos que não adianta ficar com esse tipo de conflito quando, muitas vezes, estamos no mesmo barco. Ao mesmo tempo sabemos que as pessoas não precisam ser vereadores. Não estamos nisso para ganhar votos, então algumas coisas não se resolveram, também. Acho que a vida é assim. O que realmente importa são as amizades que ficaram, é olhar nos olhos e ser sincero. Sempre tivemos uma noção política e social, mas nunca pregamos isso nas letras ou levantamos bandeiras dentro da banda porque cada um pensa de uma forma. Mesmo assim, acho que temos um denominador comum.

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Depois de 25 anos na estrada, a energia e foco que cada um de vocês dedica à banda é o mesmo do passado? Digo, ainda rola aquele mesmo pique de fazer turnês correndo risco de encarar roubadas, por exemplo?
É mais difícil, sem dúvida, por vários motivos. Família… Hoje em dia estamos todos casados e quase todos temos filhos. O preparo físico para viagens longas mudou um pouco, estamos agora com idade entre 40 e 45, mas ainda subimos no palco e fazemos o que temos que fazer, com dedicação. Existe uma política de contenção de danos para a banda, aí conseguimos sobreviver.

Qual é o perfil do público que curte o Garage atualmente? É a galera das antigas, que pira na banda desde sempre? Ou tem uma geração mais nova do hardcore acompanhando essa nova fase? Como vocês sentem esse feedback?
A galera das antigas, até o lançamento do Turn The Page, eu diria que tem mais contato com a gente por redes sociais. Ainda tem muita gente que vai nos shows, mas dá 15% do público. Aí tem a galera que conheceu a banda na época ali de 2000, que ainda é bem presente nos shows e, claro, nas redes sociais. Porém noto que a galera que começou a escutar a banda entre 2008 e 2010 é que faz a diferença nos shows e segue o Garage, comprando merchandising, trocando ideia direto… O legal disso é que ficamos felizes em rever a galera que fez parte da nossa história, sendo que vários acabaram virando nossos amigos.

Alguma vez vocês se sentiram pressionados a cantar em português para emplacar no mercado pop nacional? Já rolou essa discussão entre vocês?
Diariamente, mas é a vida. Infelizmente sei que existem ótimos letristas e verdadeiros poetas no rock nacional, principalmente nos últimos anos, mas não nasci com esse dom para poeta letrista. Letrista poeta, para mim, é o Chi Pig. Quando montamos a banda, em 1991, no quarto de casa escutávamos Dinosaur Jr., Hüsker Dü, Sonic Youth, Lemonheads. Os vocais dessas bandas eram enterrados nas gravações, tudo sujo, então na minha cabeça sempre foi isso. Gravação com o volume de vocal à frente dos instrumentos, eu reclamo até hoje.

Garage Fuzz @ Sesc Pompeia
Sexta, 13/11, às 21h30
Rua Clélia, 93. Choperia
R$ 20 (inteira)

+ info: sescsp.org.br/pompeia

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