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Música

No Festival de Funk das Fábricas de Cultura de SP, a Putaria Dá Lugar pra Realidade

Colamos na final do evento e descobrimos por que lá é o lugar onde pode surgir o MC Brinquedo do funk consciente, a "MPB do funk".

Recentemente, a ONU anunciou 17 metas globais para os próximos 15 anos. A meta pro Brasil é Redução das Desigualdades. Inspirados por isso, pensamos numa série de matérias pra VICE, Noisey, Thump e Motherboard. Clique no link acima pra sacar todas.

Todas as fotos de Guilherme Santana.

“É tipo a MPB do funk, saca?”. Para o MC Galo SP, o funk consciente é isso. “É pura poesia. Tem que ser cantado com o coração”. Nada de apologia às drogas, crime ou putaria. Também não canta sobre o tênis de marca, o carrão ou o cordão de ouro que eles querem ter. Ele tá bem mais preocupado em retratar a periferia como ela é. Foi exatamente o que rolou no Festival de Funk das Fábricas de Cultura da Zona Leste de 2015. Com letras que abordaram desde pai com alcoolismo até sexo desprotegido nos bailes da periferia, os MCs competidores tiveram que colocar a cabeça (e a caneta) para funcionar para poderem participar do festival (e sem poder usar palavrão).

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Colamos lá no evento, neste domingo (4), com o Renato Barreiros, coordenador das Fábricas da ZL, que também é diretor do documentário Fluxo e do clipe da Gang do Eletro, "Galera da Laje". Ele nos disse que o festival quis exatamente incentivar o contato da molecada com o funk consciente. “Percebemos, nas escolas aqui da região, que muitas crianças e pré-adolescentes estavam ouvindo e cantando pornografia. Então, para tentar mudar um pouco isso, resolvemos fazer esse festival com o tema ‘Minha Realidade’”.

Barreiros nos explicou que o projeto das fábricas do Governo do Estado de São Paulo surgiu há quatro anos com o intuito de estimular e mapear todo o tipo de produção artísitica da ZL. Essa é a segunda competição de funk das Fábricas, mas, desde 2008, quando era subprefeito de Cidade Tiradentes, ele já acompanhava e ajudava a organizar festivais na região. E, desses primeiros eventos, surgiram alguns funkeiros conhecidos hoje, como o MC Dedê, o Nego Blue, o MC BO e o Bonde TNT.

Segundo ele, um dos pontos positivos do surgimento da Fábrica foi que, agora, eles têm bem mais estrutura física para realizarem os festivais. Tanto é que lá no prédio tem palco pra show, estúdio de gravação musical e sempre rola umas rodinhas de funk. E eles também produzem alguns videoclipes de funkeiros da região, como o da faixa “Os Parça”, do MC Rickzinho.

Na Zona Leste, são cinco fábricas: Itaim, Curuçá, Parque Belém, Cidade Tiradentes e Sapopemba. Em cada uma, rolou uma eliminatória do festival, com mais ou menos 150 meninos e meninas no total. Disso tudo, foram selecionados 13 finalistas (todos meninos, infelizmente), divididos em três categoria: melhor MC até 13 anos, melhor MC maior de 13 anos e melhor letra.

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O MC Gu se jogando na galera

O MC Gu foi um dos participantes do festival. Todo estilozão, com cabelo meio raspado, pintado de rosa-choque, vários cordões de ouro, o guri de 21 anos contou que a Fábrica tem uma visão de música que ele quer passar para o seu filho. “Tem que ter uma letra legal, uma música boa.” Ele já fez muito funk putaria, mas foi a Fábrica que o fez mudar de ideia. “Eu sou maior. Poderia estar cantando palavrão. Mas tem vários menores que vão ouvir as minhas músicas. E tento passar um exemplo bom pra eles. Se eles me ouvirem falando bosta, vão achar que é daora e querer repetir. As crianças se espelham na gente.”

Jefferson e seus filhos cheios de atitude

O Jefferson Santana é pai de três crianças pequenas e monitor na Fábrica do Itaim. Ele também canta funk e, no domingo, levou os filhos para assistirem à final. “É muito bom poder trazer as crianças aqui para curtir e entrar em contato com esse funk de mensagens boas e mais inteligentes, cheio de bons exemplos.”

Os jurados DJ Bruninho, MC Galo SP e MC Garden

Para serem os jurados, o festival chamou o MC Galo SP e o MC Garden, o que foi bem massa por parte da organização, já que os dois são bem conhecidos no funk consciente e as criancinhas de lá sabiam todas as letras das músicas deles. Eles concordam que é essa iniciativa do governo é muito boa, claro, principalmente para “os moleques verem que o funk não é só putaria ou só ostentação”, disse o Galo. Mas ele acha que, quando o festival rola na quebrada, sem a interferência do poder público, os MCs são mais livres. “A gente é a gente mesmo. Ninguém vai falar o que devemos ou não fazer. A gente só vai lá e faz”.

MC Vini da ZL

A maioria dos meninos participantes, no entanto, acha que o “não cantar palavrão” é muito importante porque significa uma chance maior de o hit deles de emplacarem na mídia. O MC Vini da ZL, de 22 anos, fez uma música “limpa” sobre os perigos do sexo sem camisinha nos bailes. E ele acha que isso é melhor, se ele quiser se profissionalizar. “Não canto palavrão para conseguir atender um público maior”.

“Na verdade, muitos desses meninos pensam em fazer um hit para estourarem e conseguirem sucesso rápido”, analisa Barreiros. “O ‘problema’ do funk é esse: ele se renova muito rápido.” Isso é real, né? Cada ano, temos um MC Brinquedo diferente. Para o Galo, a diferença do funk consciente é que ele tá aí desde sempre e não sumir nunca. “O foda é que o mercado não dá muita atenção. E por isso que foi importante o festival valorizar esse gênero”.