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Música

Fucked Up: Maior Que a Soma De Suas Partes

O quinteto de Toronto se abre sobre suas relações interpessoais, sucessos e sobre amadurecer como uma banda por 13 anos.

Quando você está em uma banda há 13 anos, tocou quase 1.000 shows, lançou três discos bem recepcionados, fora incontáveis EPs, singles, splits e uma música beneficente de Natal, você ganhou o direito de se tornar nostálgico. Formado por Damian Abraham, Ben Cook, Jonah Falco, Mike Haliechuk, Sandy Miranda, e Josh Zucker, o Fucked Up, de Toronto – que se apresenta em São Paulo no sábado (2) no Converse Rubber Tracks – não viu somente as relações entre seus integrantes mudarem, estes também testemunharam a cidade e as cenas que lhes deram à luz evoluir e mudar, para melhor e para pior.

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Ao passo em que seu frontman, Abraham, é geralmente tido como o porta-voz para entrevistas, a banda de hardcore punk é uma democracia, ainda que uma cuja dinâmica foi desafiada com a passagem dos anos. No início, eles prosperavam em meio ao caos e a criação de uma trilha de desinformação (nomes diferentes, históricos falsos, ocasionais brigas internas, etc.), mas seu novo disco Glass Boys, a banda encerrou este capítulo de suas vidas e começaram a olhar para dentro de si e no que se tornaram. O disco apresenta a imagem de um grupo refletindo sobre sua carreira, mas sem descansar sobre seus louros. “Somos maiores que a soma de nossas partes”, afirma Sandy. Várias semanas após o lançamento do disco, falamos com todos os seis integrantes da banda individualmente para entendermos seus egos, neuroses, e sim, até mesmo as amizades (disfuncionais) que fazem o Fucked Up funcionar.

“Eu tenho cabelos brancos agora, bem aqui”, diz Sandy Miranda, apontando para as raízes dos fios. Estamos sentados na sala do apartamento da baixista, em Little Italy, tomando café gelado estilo japonês que ela mesma fez, conversando sobre os primeiros dias banda. Glass Boys foi lançado exatamente 13 anos depois do primeiro show do grupo no Planet Kensington, em Toronto, que a Sandy lembra de estar “cheirando meio esquisito”. Isto aconteceu antes de Falco entrar na banda e Abraham era só um adolescente straight edge (com cabelo) no meio do público. “A banda devia ter durado só alguns EPs, talvez tocássemos em Hamilton”, diz Sandy. “Mas puta merda, ela ganhou vida própria”.

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Em 2012 Abraham, Falco e Haliechuck levaram Anthony Bourdain ao local (agora um bar chamado Thirsty and Miserable por conta de uma música do Black Flag) quando ele estava na cidade filmando um episódio de seu programa Fazendo Escala, uma alegoria para a lenta ascensão da banda rumo à popularidade, se é que um dia houve uma.

Treze anos depois, o Fucked Up viu casas de shows irem e virem, deixaram a cidade para fazer turnês constantes e começaram a ganhar algum reconhecimento, e, é claro, dois integrantes viraram pais.

“Toronto mudou, mas eu também, acho que fiquei mais calma”, ela diz. “Lá atrás nós tínhamos muito mais energia e muito mais angústia, agora todos estamos na casa dos 30, curtimos coisas simples como fumar um no parque, então é uma época diferente”.

Para o quarto álbum da banda, o sucessor de sua ambiciosa e muito bem-sucedida ópera rock David Comes To Life, metade do grupo se mudou para uma cidade chamada Bent Harbour, em Michigan, para gravar, e então para o Electrical Audio, estúdio de Steve Albini em Chicago. Sandy gravou suas partes em Toronto, um processo do qual a baixista admite ter sentimentos confusos a respeito.

“Tem algo no jeito que toco que preciso estar com os outros quando tudo está sendo feito. É uma luta me inspirar sozinha em meu quarto”, declara. “Eu me agrido, tipo ‘Sandy você é capaz de coisa melhor e compor linhas melhores, por que você não o faz?’ E de repente fico cheia de insegurança”.

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Após o lançamento de Glass Boys, a banda embarcou em uma turnê com dez shows em junho, uma duração praticamente inédita para artistas em seu nível de sucesso. Agora que Abraham e Zucker são pais, estas viagens mais curtas são necessárias por motivos práticos, mas pode-se dizer que elas também são importantes para manter a sanidade da banda. “Se viajarmos mais, vamos implodir, então fazemos turnês em um ritmo que nos permite seguir em frente”, disse Sandy.

Esta abordagem relaxada em relação à composição e shows cai bem para o guitarrista Ben Cook, que se descreve como “um tipo solitário na banda”. “O Fucked Up tem gente demais na cozinha”, declara, enquanto estamos sentados na varanda do último andar do Dreamhouse Studios, estúdio de gravação e QG do jovem selo/coletivo de artistas de Cook, Bad Actors, na Queen Street West. A poucos metros fica a Horseshoe Tavern, um dos picos mais antigos de Toronto e onde muitas das bandas da primeira onda punk da cidade tocaram. “Gosto do meu espaço e não acho que irei florescer criativamente em um estúdio enfurnado com um monte de gente intensa”.

Pergunte a qualquer um deles em que momento se sentiram uma banda canadense de verdade, e provavelmente citarão quando o Fucked Up ganhou o Prêmio Polaris 2009 com o disco The Chemistry of Common Life, e ainda assim, ocasionalmente, eles se sentem como forasteiros em relação à indústria. “Foi meio frustrante ir ao Junos em 2012 [David Comes To Life foi indicado para Álbum Alternativo do Ano, perdendo para Oh Fortune, de Dan Mangan]” diz Miranda. “O melhor disco, qual foi? Uma porra dum disco de Natal [Christmas, de Michael Bublé]. Cê tá me zoando? Foi uma fraude. A instituição musical no Canadá é tão conservadora”.

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“Foi uma situação em que tivemos que ir aos EUA e Reino Unido para que nos percebessem em nossa própria cidade e país”, complementa Cook. “O Fucked Up não recebia assistência financeira da FACTOR até dois ou três anos atrás e ainda assim pudemos fazer turnês sem esse tipo de ajuda [governamental]. Recentemente, nesses últimos anos, percebi que as pessoas finalmente estão se dando conta que Toronto não é lugar para se ter vergonha”.

Enquanto Glass Boys foi lançado no Canadá através do Arts & Crafts, selo de Toronto nascido do Broken Social Scene, há diversos desentendimentos quando se trata das responsabilidades cotidianas da banda. Eles não têm agente e Sandy é a contadora não-oficial do Fucked Up, fazendo de tudo desde agendar voos até juntar recibos para fins de taxação (“Ainda bem que a Sandy faz todos os corres financeiros”, diz Cook). É este mesmo espírito faça-você-mesmo que levou a banda a criar a Long Winter, série de eventos do tipo pague-o-quanto-puder que conta com a participação de bandas, DJs, leituras, instalações artísticas, dançarinos, fotógrafos, e mais, como forma de retribuição e fomento para a comunidade.

“Me ajudaram quando era jovem e estava na minha primeira banda, só queremos poder fazer o mesmo. É uma época tão difícil e confusa pra você sobreviver fazendo isso se você está montando uma banda em 2014”, afirma Cook. “As pessoas tem que deixar de escrotice e se unir”.

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Entre um programa semanal na MuchMusic (que foi cancelado recentemente) e apresentar eventualmente alguma premiação no Canadá, Damian Abraham talvez seja o integrante mais ocupado com atividades extracurriculares do Fucked Up, mas quando ele liga para remarcar uma entrevista, é por razões decididamente mais domésticas. Quando finalmente o encontrei no The Vapor Social, um modesto lounge para maconheiros no extremo oeste de Toronto, o vocalista explica que seus dois filhos adoeceram recentemente e que mais tarde tem que buscar seu gato no veterinário.

Abraham já é conhecido de muitos dos clientes do local – ele filmou alguns episódios de The Wedge ali (incluindo uma entrevista particularmente desajeitada com o Action Bronson) – e até mesmo gravou suas demos para Glass Boys em um estúdio nos fundos.

“Foi provavelmente a gravação mais tranquila que já fiz”, declara o vocalista, soltando a fumaça vinda de um bong. “Normalmente eu sempre fodo a minha voz, mas dessa vez eu já estava com as músicas de Mike há um tempo e sabia exatamente o que queria e completei minhas músicas do meu jeito”.

Uma enciclopédia ambulante de hardcore de A a Z, Abraham teve a sorte de conhecer muitos de seus heróis, apesar de se empolgar mais em encontrar semelhanças com os inícios mais obscuros de um artista. Em Glass Boys ele se viu na posição de poder recrutar outros colaboradores, apesar de J Mascis (que Abraham considera um amigo próximo) contribuir com “Led By Hand”, o vocalista temia ter convidados demais no disco. Originalmente as canções haviam sido compostas com Mascis e Bob Mould em mente, mas Abraham acabou cantando os trechos de Mould.

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“Acho que queremos ter um feeling orgânico no disco, mas chega um ponto em que isso te desconcentra um pouco do álbum”, ele diz. “Muita dessa insegurança acabo depositando em mim mesmo. Não queremos que as pessoas digam ‘aqui está o Fucked Up percebendo que acabou, tentando acompanhar sua ópera rock com um disco lotado de vocalistas convidados’”. Em outra música, há uma participação de George Pettit – mais conhecido como a contraparte da voz grosseira de Dallas Green no Alexisonfire, de St. Catherine, Ontario – outro artista que sabe o que é deixar sua cidade natal para chegar ao sucesso.

“Sempre tivemos essa mentalidade meio marginal, aí você acorda e de repente você está do lado de dentro mas ainda quer ficar do lado de fora”, diz Abraham a respeito da banda ser encorajada pela mídia internacional. “É importante pra mim perceber que não me tornei a banda que odeio, mas com certeza estou próximo de bandas que odiava”.

A crescente mercantilização da música é algo com o qual ele passa bastante tempo pensando. Seu pai trabalhou para a Pepsi fazendo comerciais nos anos 80 e ele cita uma entrevista que fez recentemente com o fundador e diretor do Beggars Group, Martin Mills. “Ele tinha essa citação, ‘o artista deve se preocupar somente em fazer sua arte’. E isso é muito pretensioso mas se aplica a qualquer um, não importando como você se defina, como banda, guitarrista, vocalista, você só deveria se preocupar com isso”, afirma Abraham. “Eventualmente você chega a um ponto da sua vida em que tem que lidar com a realidade e há momentos em que tenho que engolir um monte de merda pra pagar as aulas de natação dos meus filhos”.

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Abraham não é o único cuja família aumentou desde David Comes To Life – o guitarrista Josh Zucker tem uma filha de dois anos com sua esposa. “Quando descobri que ela estava grávida, estava na Inglaterra”, comenta ao telefone, de Nova York. “Pessoalmente, não mudou quem sou na banda tanto assim”.

Ele se mudou para lá no ano passado para que sua esposa pudesse fazer faculdade em Columbia, tornando-o o único integrante que não mora em Toronto. Ao passo em que Abraham confessa ter ficado inicialmente com raiva quando Zucker pulou fora de uma turnê australiana com os Foo Fighters – “Acho que era porque eu estava puto de ter que ir à China quando Holden nasceu” – ter Zucker como um aliado na paternidade é algo que ele valoriza (“Talvez devêssemos ir atrás de um patrocínio da Huggies”, brincaria Falco, depois).

“Não é como se eu chegasse na banda e dissesse ‘ok, temos que mudar isso e aquilo’, porque eu preciso estar aqui, muitas dessas mudanças já foram feitas e definitivamente facilitou tudo pra mim.”

Algo que ambos os pais têm em comum é que não poderiam ter mais orgulho de compartilhar suas músicas com seus filhos. “Ela gosta de ‘The Other Shoe’, cantava junto desde pequenininha”, lembra Zucker. Quanto ao nome ofensivo da banda, o guitarrista disse que tocará no assunto quando chegar a hora. “Ainda não tive que explicar a significância do nome pra ela ainda, o mais desconfortável pra mim é explicar aos outros pais meu emprego”.

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“É um trabalho de burro de carga para se ter uma recompensa de herói”. Esta é a expressão que Jonah Falco usa em diversas ocasiões para descrever seu papel na banda. Você pode até pensar que como baterista em uma banda com outros cinco integrantes, ele poderia ser deixado um pouco de lado, mas de forma alguma Falco é calado e admite que cuida de boa parte da imprensa junto de Abraham. “Provavelmente porque na maioria das vezes estou disposto a fazer declarações grandiosas sobre nós”, ele diz, rindo.

Em Glass Boys, ele adicionou duas trilhas de bateria separadas, uma delas em meio tempo, criando uma sensação psicodélica, desorientadora. Ele viajou a Chicago com Haliechuck e Zucker, além de estar presente nas gravações dos outros integrantes em Toronto. “Venho de um background musical, então foi bem fácil pra mim”, diz o baterista, sentado na sala de seu apartamento no oeste de Toronto.

“No começo, lembro de ser o único que sabia afinar uma guitarra e então eu ficava de pé durante os sets afinando os instrumentos dos outros. Você tem que adequar seus conselhos e linguagem para com quem você está trabalhando. Não há apelo algum no absolutismo pra mim. Quando estou no estúdio com o Damian é tudo muito mais coloquial, ao passo que quando estou ali com o Ben, é tudo mais musical e técnico”.

Enquanto Falco está ansioso para falar sobre as minúcias do processo, o guitarrista e outro compositor do grupo, Mike Haliechuck, está um pouco menos acessível. Muito foi escrito no passado sobre uma relação combativa entre Abraham e Haliechuck, apesar de ambos declararem que as histórias foram exageradas (“Mike é um gênio e devo a ele minha carreira de uma forma muito verdadeira”, declara Abraham). Para o novo disco, eles escreveram as letras separadamente, e as músicas resultantes os mostram admitindo suas culpas, explorando os conflitos morais que vem com a fama, e tentando chegar a um acordo com a ideia de envelhecer enquanto banda.

“As pessoas sempre perguntam ‘vocês vão separar? Vocês estão sempre brigando?’”, comenta Haliechuck enquanto tomamos um café em uma cafeteria do centro, à tarde. “Em parte a culpa é nossa, mas é uma daquelas coisas das quais as pessoas sempre querem falar sobre”.

“Não diria que todos sem sua carta na manga, mas eu também não diria que todos estão prontos pra admitir que não querem que o Fucked Up seja o centro de tudo”, declara Falco. Para ele, isso significa trabalhar com bandas de punk e hardcore de Ontario e de outros locais, e tocar no Smartboys, seu projeto paralelo com Haliechuk. Falco também expressa um interesse em oratória e fazer documentários com sua esposa, que é cineasta. Haliechuk adiciona: “Tenho certeza que muitos de nós chegamos a um ponto sem retorno. Não vou reavaliar minha vida aos 50 anos e decidir ser advogado, com certeza continuarei a fazer música”. Seja lá o que o futuro reserva à banda como um coletivo, uma coisa é certa – será do seu jeito.

“O Fucked Up é uma aproximação de si mesmo, se é que isso faz sentido”, afirma Falco. “Não tínhamos expectativas no começo, de fato, nossa única expectativa era uma implosão e é uma aproximação de uma implosão. E essa aproximação é o sucesso”.

Max Mertens é um jornalista freelancer residente em Toronto. Siga-o no Twitter.

Retratos por Aaron Wynia

Tradução: Thiago “Índio” Silva