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Música

O Félix Robatto É uma Fera Paraense da Guitarrada

Depois de tocar com monstros da lambada, produzir a Gaby Amarantos e fazer uma versão tropical de ‘The Dark Side of The Moon’, Félix Robatto chega com seu primeiro disco, ‘Equatorial, Quente e Úmido’

Foto por Ana Paula Andrade

Entre as florestas tropicais da Amazônia e os rios turvos da ilha de Marajó existe uma espécie rara de mamífero. Alimentando-se basicamente de “peixe frito e cachaça que só”, este bicho passa a maior parte do seu dia tocando guitarra e penteando sua longa barba. De hábitos noturnos, seu comportamento pode ser definido simplesmente como “cabeça relax e fígado total flex”. Quem curte um furduncinho regado a álcool e guitarrada não pode deixar de conhecer Félix Robatto e sua poderosa guitarra, que bota até os mais tímidos pra dançar.

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Na noite fria do dia 5, o barbudo lançou o álbum Equatorial, Quente e Úmido – sua estreia solo após tocar nas bandas La Pupuña e Félix & Los Carozos – em uma apresentação única em São Paulo pelo Projeto Prata da Casa, no Sesc Pompeia. A galera se apertava e acumulava camadas de roupa durante a abertura da casa, mas foi só Félix soltar os primeiros acordes que o espaço da Choperia foi ficando cada vez menor. Entre refrãos de “eu quero cerveja” e “se não sabe beber não me imita”, os casais rodavam e bailavam lindamente, enquanto os tímidos e solitários observadores esvaziavam seus copos de chope, batendo os pés no chão.

O show foi, até então, a única oportunidade de os paulistanos ouvirem e comprarem Equatorial, Quente e Úmido: o álbum só será lançado digitalmente no dia 19, pelo Deezer, e chega às lojas em junho. “Vai dar pra comprar o disco físico pelo meu site, e eu mando autografado. Vou disponibilizar pra download, pra ser divulgado. Enquanto isso, vou esquentando a galera, pra todo mundo ficar com vontade de comprar”, diz.

Félix tem uma longa trajetória na música paraense. Desde 2004, ele mistura cumbia, lambada e carimbó em sua guitarrada moderna. Já tocou com grandes ícones do gênero, como Mestre Vieira e Chimbinha, além de produzir o disco Treme, de Gaby Amarantos, a convite de Carlos Eduardo Miranda. Sua ousadia e personalidade o levaram a prestar uma homenagem bem tropical a um dos maiores discos de rock de todos os tempos: com seu projeto de 2007 The Charque Side of The Moon, ele faria qualquer David Gilmore abrir a camisa florida e curtir o gingado de uma mestiça num boteco de chão batido na beira do rio. Félix ainda organiza, todas as quintas, em Belém, uma festa de guitarrada com o adequado nome de Quintarrada.

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Aproveitei o show no Sesc para adquirir a minha cópia autografada de Equatorial, Quente e Úmido e tirar minhas dúvidas sobre cumbia, lambada, guitarrada e um tiquinho assim de carimbó com um dos expoentes da música paraense atual.

Noisey: Eu tava ouvindo seu disco, curti mesmo. Queria saber a história completa, desde o começo.
Félix Robatto: Quando entrei pra faculdade de música, fiz um projeto de pesquisa sobre guitarrada. Aí veio a ideia de fazer um trabalho voltado pra esse gênero, e a gente criou o La Pupuña, que tinha uma proposta mais moderna, sem se preocupar muito com o tradicionalismo. Depois disso a gente conseguiu espaço na rádio local, começou a pintar convite pra fazer show e começamos a tocar a noite quase todo dia da semana. Participamos de alguns festivais aqui no Brasil, fomos pra Alemanha, pra França, pros Estados Unidos… Participamos do South By Southwest em Austin. Depois disso, naturalmente, foi cada um pra um lado, porque eram todos estudantes de música, e quando a galera começou a se formar as prioridades mudaram. Daí eu formei outra banda chamada Félix e Los Carozos, que era uma continuação do La Pupuña – a pupunha é uma fruta, daí vem o nome Los Carozos, que é tipo o que sobrou da pupunha [risos]. Nesse período, recebi o convite do produtor Carlos Eduardo Miranda pra tocar com a Gaby Amarantos, e aí acabei produzindo o Treme junto com ele. Ficamos três anos. Depois disso, achei que já era hora de fazer um trabalho solo e comecei a montar meu disco. Isso já faz um ano.

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E aquele projeto The Charque Side of The Moon?
O Charque Side começou como uma brincadeira, em 2007. A gente tocava uns sons do Pink Floyd, só que do nosso jeito, daí tivemos a ideia de fazer um disco todo assim. Foi uma produção caseira praticamente. A gente foi convidando as pessoas pra participar. Tem a Gaby Amarantos cantando “The Great Gig in The Sky”, tem o Mestre Vieira tocando “Money”, tem um grupo de carimbó chamado Os Baioaras… Foi uma brincadeira que a gente fez, misturando uns elementos da nossa região com a sonoridade do disco. Ali tem muita gente importante tocando junto, a Gaby Amarantos nem era conhecida nessa época. Foi bem maneiro.

Em seu show você cita nomes como Mestre Vieira, Aldo Sena, Carlos Marajó. Eles são suas principais influências?
O Mestre Vieira foi quem eu mais ouvi. Acho que ele é igual à música dele, é simples e direto, e funciona com poucas notas e muito conteúdo. Eu sou muito fã. E a história do Carlos Marajó é legal: tinha um radialista chamado Carlos Santos que comprava as músicas do Aldo Sena e de outros guitarristas e lançava em um disco chamado Carlos Marajó. Ele era tipo um guitarrista virtual. O cara ganhava muito dinheiro, porque tudo ia pra conta dele. Ele foi até governador uma época. O Carlos Santos era empresário, tinha uma gravadora, lançava uns artistas, gravava, no final dos anos 70, começo dos 80. Ele lançava as músicas de todo mundo no disco dele, mas nunca tinha foto do Carlos Marajó, porque era só um personagem. Eu menciono o nome dele em uma música que fala "o primeiro virtual guitarreiro do mundo inteiro". Nos discos dele tá lá, Carlos Marajó, mas não tem nenhuma foto dele, só foto de guitarra.

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Eu queria que você explicasse a diferença entre guitarrada, cumbia, lambada e carimbó.
Ah cara, na verdade a guitarrada é um sotaque da guitarra. É uma mistura de várias influências dos guitarristas da época, tipo chorinho, jovem guarda e tal, só que de um jeito tropical, pra tocar em rádio AM. na época [que foi criada] se ouvia muito Mambo no rádio, tanto que tem algumas guitarradas que tem Mambo no nome. Como a guitarrada não tem uma batida própria, ela se apropria de outras batidas e dialoga com elas. Pode ser uma guitarrada de cumbia, pode ser uma guitarrada de carimbó, pode ser uma guitarrada com levada de xote, como quando os artistas vendiam guitarrada pro Nordeste e faziam em cima de levada de forró. E a lambada é isso tudo. É aquela onda latina que não era tão definida. Colocaram esse nome por causa da dança. Esse nome “lambada” vem do primeiro disco do Mestre Vieira, de 1978, o Lambada das Quebradas, porque tinha um radialista na época que chamava as músicas quentes de "lambada", em referência às bebidas servidas nos bares que tocavam essas músicas. E o nome guitarrada vem da mistura de "guitarra" com "lambada". Foi o Carlos Santos que colocou esses nomes pros seus discos como Carlos Marajó.

Meu encarte autografado. O barbudão é gente fina.

E bom, agora você tá lançando seu primeiro disco solo, o Equatorial, Quente e Úmido. Queria que você falasse um pouco da composição dele.

Esse disco junta as influências que eu tenho da cumbia e de um ritmo chamado cadence lypso, que é um ritmo haitiano, parecido com merengue. Ele é uma mistura da guitarrada, com carimbó, daquilo que eu tava te falando, de pegar a guitarrada e brincar com outros gêneros.

Tem uma mistura com surf rock em “Hawaii Five-O”.
Eu tenho uma banda de surf rock, que a gente toca de brincadeira, aos domingos. Eu sempre quis gravar essa música, aí fiz uma cumbia em cima dela.

Aliás, tem até um rap nesse disco.
Tem. Quem rima nele é um garoto de 20 anos, o Josbi. A gente se conheceu no Red Bull Basecamp. Ele é bom, mora em Nova York, rima em português e em inglês. Aí a gente trocou uma ideia e eu falei pra ele: "Cara, vou fazer uma base de cumbia e você faz uma rima em cima, topa?" e ele topou. Mandei pra ele lá em Nova York e ele fez mesmo. É a música mais diferente do disco. A ideia foi dar uma ousada, uma diferenciada. Acho engraçado porque é a única música que não sou eu que canto [risos].