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Música

Exclusivo: mario maria Capta o Verdadeiro Espírito do Leblon em “Separada”

O Mário Cascardo é daqueles caras meio calados, que basta conviver cinco minutos pra saber que tem um bom coração. Mas suas músicas tem algo arrebatador, que te leva pra dentro da obra sem ser agressivo.

O Mário Cascardo é daqueles caras tranquilos, meio calados, que basta conviver cinco minutos pra saber que tem um bom coração. E essa suavidade até aparece em algumas das composições dele como mario maria para o disco Abertura do Programa, que ele lança na próxima quinta (20), pelo selo Cloud Chapel. Mas, antes que você pense que esse é um álbum calminho, saiba que as músicas têm uma força. É algo arrebatador, que te leva pra dentro daquela obra quase te puxando, mas sem ser agressivo.

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“Separada”, música que abre o disco e que lançamos com exclusividade no Noisey, é bem assim. Começa com um violãozinho por trás de uma nuvem de barulhos meio bonitos meio incômodos, até chegar num (alerta de spoiler) sample de “Bem Que Se Quis”, da Marisa Monte. E aí, nas outras nove músicas que completam o disco, o Mário mostra que sabe não só fazer colagens sonoras intrigantes, mas é um talentoso compositor e letrista. Sabe esse hábito antigo, que tá se perdendo, de fazer um álbum, e não dois singles e umas músicas meia-boca? É isso que mario maria faz em Abertura do Programa.

Resumindo, o Mário ama o belo. E eu também, por isso fui conversar com ele pra saber um pouco mais desse disco.

Noisey: Como surgiu a ideia dessa capa? Foi você que fez, né? Pra mim parece uma mistura de Faustão com Kenny G discotecando, mas sei que não é bem isso.
Mário: [risos] Essas leituras tão boas. Já disseram que é Jesus, que é o Ariel Pink jogando Guitar Hero. Mas não é ninguém exatamente, só uma menina e uma pista de pouso. Não lembro o significado que me veio quando vi a foto original da pista de pouso, só fui fazendo. Tem a ideia de um programa a se seguir e de uma abertura, de um jogo entre essas palavras e ideias que me interessou no disco também.

Verdade, parece uma abertura de programa dos anos 80. Como que essa ideia aparece no disco? É algo que você consegue explicar?
Abertura de um programa dos anos 80 eu consigo, e fico feliz que a capa tenha remetido a isso. Em grande parte o material bruto do disco são gravações dessa época, até usei alguma coisa de TV, ou de áudios retirados de clipes da época que estão no YouTube. Então tem essa referência sim, essa textura tanto na imagem quanto em algumas músicas. E numa ideia geral – sobre 'abertura do programa' – acho que é uma coisa básica sobre arte, que é ao mesmo tempo, numa obra, um programa a se realizar, quer dizer, algo a se "despachar" no final, quanto uma coisa que tem abertura, tem mistério. Essa segunda ideia eu não posso garantir que esteja no disco [risos], mas é um interesse que eu tinha quando mexia em sons tão banais, e de forma mais metódica (que o meu normal) em alguns momentos. Querendo achar neles, ou com eles, algo que eu gostasse.

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Acho que passa sim. Tem uma aura de mistério que me lembra o An Empty Bliss Beyond This World do The Caretaker. Também por causa das colagens e tal.
Pô, esse disco eu acho muito bom. Legal. Acho que ouvi mais ou menos na época que comecei a compor.

Como é seu processo de composição?
É cada vez querendo ser mais regular e tranquilo, mas até hoje é impressionante como coisas que eu gosto muito, das que fiz, vieram em momentos isolados, principalmente de alegria ou de uma concentração especial. Eu tô tentando ver se consigo cultivar esses momentos, ou que uma rotina ligada à música possa abarcá-los com mais clareza. Acho que daria mais domínio sobre a coisa, coisa que no entanto ninguém quer dominar completamente. Mas, independentemente dessa vontade, o processo é estar diante do computador, quase sempre (acho que uns 80% do disco) com um violão, e em momentos bons. No começo desse disco fiz uns dois ou três pedaços de uma vez só, reunindo arquivos e indo passar um fim de semana em Mangaratiba. Umas duas músicas surgiram dessa imersão mais concentrada. As outras foram mais como sempre… aos poucos. Teve acho que três etapas principais de composição, mas um espaço meio grande, meio livre, entre elas, nesse disco.

Por que “Cinema de Rua do Leblon” não entrou no disco? Foi feita bem antes?
Não, foi feita nesse meio. Olha, boa pergunta… mas foi pra não atrapalhar o que eu tava entendendo ser a unidade do disco. Ele só recentemente foi ganhando canções, e a “Cinema” tava em outro contexto, não consegui unir. Tô voltando a fazer canções mais tradicionais, ela deve entrar nessa próxima leva. Mas é uma boa pergunta mesmo, e se ficar na matéria espero que o pessoal vá lá ouvir a música. Lançá-la agora, isolada, teve algo de cultivar o que estava por vir, que é o disco. Mas realmente não pensei em juntar uma coisa com a outra.

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O disco me parece bem fechadinho, uma coisa una, mas também meio cíclica. Tem o fato de “Bem Que Se Quis” abrir em “Separada” e aí voltar ali no meio do disco. Mas falo da sensação mesmo.
Legal. É, a “Bem Que Se Quis” tava nesse momento mais concentrado da composição, e foi aparecendo em várias músicas. É engraçado que eu não tinha em mente usar essa música em vários trechos, mas foi dando certo e é uma das primeiras músicas que eu lembro de ouvir na vida. Ela reapareceu em outras situações também, eu já um pouco mais velho, e fiquei muito surpreso com logo ela ter virado uma peça quase principal ali dentro. Não foi premeditado, eu não queria homenagear essa música ou não queria dar a ela um significado tal, mas foi ficando.

Como você conheceu os caras do Babality? Por que chamou eles pra tocar com você?
Foi pelo Twitter. Em algum momento vi um blog que eles têm, e o Babality, e a gente se falou. Aí teve um interesse mútuo em fazermos algo juntos e eu tinha esse show marcado [na Audio Rebel, no Rio]. Foi um baita achado.

Você acha que tem um espiritão João Gilberto? No disco, ou em você mesmo?
Acho um mistério isso do João Gilberto. Já falaram mais de uma vez. Tem uma semelhança clara, superficial, no cantar baixo e num violãozinho. E em melodias e harmonias às vezes da bossa nova. E um clima. E uma vontade de radicalidade, talvez, dentro de formas leves e poucas. Mas é um compositor que não me influenciou de forma que eu consiga captar exatamente. Nem ouvi muito, na verdade. Tom Jobim ouvi mais. Tô ouvindo mais agora. Acho que é parecido, pra começar, e essa semelhança ainda vai dar pra perceber melhor. Ele mora aqui no Leblon também, dizem.

Você com certeza tem o espírito do Leblon, não? Ainda mais tendo passado um tempo morando em Santa Teresa?
Uma coisa que aconteceu comigo foi que o Leblon, e o Rio, durante a minha infância era um lugar de férias. Eu acho que moro aqui com a consciência disso. Entendo que aqui seja um lugar bom pra férias, pra praia, e não só entendo como tento captar isso. Porque é bom captar isso. Então eu cultivo isso. Sei que viver o Leblon não é só o que o pessoal tenta acusar que seja: uma experiência “burguesa”, “elitista” e essas conversas. Não é só isso, certamente. É uma baita praia, um baita bairrinho, e eu acho que tenho uma distância, a lembrança de uma distância, pra poder cultivar isso bem. Esse gostar daqui às vezes vai resultar naquilo de ter um momento bom diante do computador pra compor. Provavelmente com o espírito do lugar sim. Só acho curioso que existe essa distância também. Teve um tempo em Santa Teresa, mas por muito mais tempo e muito antes eu morei foi em São Paulo (dos 6 aos 10 anos), e até os 12 em Petrópolis. Rio era férias, e não consigo esquecer isso. E morei em outros lugares aqui no Rio também. Jardim Botânico, Barra, Copacabana… o Leblon é o mais recente, e ao mesmo tempo uma lembrança de férias e um lugar com privilégios a se notar. Eu meio tento cultivar o que o High Llamas cultiva aqui, e a bossa nova também. Que é o que ainda há aqui de um bairro tranquilo, veraneio. Até quando eu estiver aqui, vou aproveitar.

E o Rio é bem melhor quando é férias do que quando é o lugar que você mora. Eu acho, muita gente acha na real.
Sim, eu tento perceber isso também. Pessoas que viveram a vida toda aqui e ainda vivem. Não sei se é tão legal, não. Em geral é importante, né, você (não só com viagens) se distanciar de onde você mora pra olhar melhor. Então no disco acho que eu tô investigando esse espírito, também, ao mesmo tempo fazendo parte dele. Não é estar nele passivamente e nem criar um paraíso dentro dele – o que pode ser bom mas acho que não consigo fazer. Mas não tenho intenção de homenagear a bossa nova, o Leblon, ou algo assim. Se é parecido às vezes, tudo bem.

Tem algum gênero que você consegue afirmar que se encaixa?
Eu chamo esse álbum de um álbum de colagens, pra facilitar, e eu comecei a fazê-lo pra fazer igual a artistas como a People Like Us, que é assumidamente uma artista de colagens. Acho que tá sim nesse gênero. Mas o álbum foi ganhando canções, o que não o fez deixar de ser uma colagem mas remeter a outro denominador, anterior, que é o lo-fi e talvez a eletrônica de maneira geral. Eu não vejo problema em saber que tenho feito música lo-fi. Então esse pode ser o gênero, mas que é um acidente, e por exemplo ao vivo ou em algumas gravações nem é lo-fi o que acontece.