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Música

Examinando a Genialidade Absurda de “Head Over Heels”, do Tears For Fears

Observe o enquadramento torto durante todo o clipe.

Um amigo meu me disse recentemente que estava começando a curtir Tears for Fears e me perguntou se eu curtia. Eu fiquei chocada. Antigamente, durante meu trajeto diário para a escola desde San Francisco até Marin County, o motorista do meu ônibus ligava a rádio na sua estação favorita repleta de músicas easy listening então, para mim, Tears for Fears é a trilha sonora do meu flerte pré-pré-adolescente com um garoto chamado Bryn, que costumava me deixar abaixar suas calças enquanto ficava sentado em seu skate. Se eu sou fã de Tears for Fears? Se eu nunca de fato beijei o Bryn mas uma menina da minha classe chamada Molly disse para os professores que nos viu fazendo sexo debaixo da casinha na árvore durante o recesso escolar? A resposta para essas duas perguntas é sim.

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Mas, de qualquer forma, vamos voltar ao fato de o meu amigo não ser familiarizado com Tears for Fears. Ok, ele tem 29 anos, então ele mal viveu os anos 80, mas se você assistiu Donnie Darko – alô-ôu! – esse foi o seu momento para abraçar o quarteto de mullets. A combinação de “Head Over Heels” com o Donnie saindo do ônibus e andando pelos corredores, observando cada grupinho clichê de Ensino Médio e criando uma cena enquanto se dirige até a sala de aula é uma das combinações de música e imagem mais perfeitas do cinema. Na verdade, o roteirista/diretor Richard Kelly escreveu essa cena com essa música em mente. Também é impossível esquecer aquela versão infeliz de “Mad World”, do Gary Jules, que se tornou um hit natalino (no Reino Unido, Canadá e Portugal) em 2003 e ficou impregnada nas paradas por semanas como um peido de um cachorro de rua.

Mas vamos focar no que importa. Graças a iniciativa do meu amigo de explorar Tears for Fears, eu decidi assistir ao clipe de “Head Over Heels” com outros olhos. E assisti-lo agora me fez perceber que não realmente vi este clipe antes. Acho que eu só assistia à cena do Donnie Darko sem parar, principalmente por causa do look do Jake Gyllenhaal. No entanto hoje, com uma nova perspectiva, eu contemplava este clássico dos anos 80 e estas são algumas das coisas que me ocorreram enquanto eu o assistia.

A premissa da história parece ser a de que Roland Orzabal está apaixonado pela bibliotecária de óculos, que tem um olhar autoritário e também claramente sexy. Você chutaria que ela também está apaixonada por ele, já que ele lê um monte de livros, mas ela não tá nem aí. Eu amo como ele entra na biblioteca, joga os livros na mesa e começa a cantar de forma agressiva para ela.

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Esse cara não faz a menor ideia de como dar em cima de uma garota. Sua abordagem é: “I wanted to be with you alone [Eu queria estar sozinho com você] / And talk about the weather [E falar sobre o tempo]”, o que claramente não é uma proposta atraente. Não é tipo “eu queria estar apenas com você para podermos observar as constelações e quem sabe eu poderia passar a mão na sua coxa”. Não. Ele quer falar sobre o tempo. Os caras do Tears for Fears são de Bath, na Inglaterra. Eu fui para lá diversas vezes e posso dizer com alguma propriedade que a arquitetura é linda e o tempo na maior parte das vezes é nublado e chuvoso, o que faz essa abordagem ser um desastre. Vamos lá, Roland Orzabal, tá na hora de melhorar isso aí.

Ainda assim é possível perceber que ele está realmente apaixonado só pela forma como o seu olhar não consegue encontrar o dela, e o jeito rejeitado com que ele se afasta.

A melhor coisa dos clipes dos anos 80 é que a maior parte deles são totalmente nonsense. Era uma nova mídia! MTV era uma revolução! As gravadoras estavam jogando dinheiro para o alto! Os fãs estavam comprando discos! Todo mundo estava cheirando pra cacete! Pode perguntar pro Nigel Dick. Ele dirigiu clipes do Guns N Roses, Oasis, Backstreet Boys, e puta merda, vários clássicos da Britney, incluindo “Baby One More Time”. Eu preciso ir atrás desse cara. Mas de volta ao clipe do Tears for Fears: quando o Ian Stanley foi para cima do balcão da biblioteca, ele deu abertura para uma narrativa em que um enorme teclado poderia se fazer presente. Um teclado que ele poderia fingir saber tocar com a mesma habilidade que o Keyboard Cat, porque ele sabia que a coisa mais importante era não tirar os olhos do seu prêmio – olhando para sua presa, os olhos vidrados como os de um drogado quando se depara com um pacote de Cheetos jogado em um canto da cozinha. Desde que o Kurt jogou tudo para o alto se recusando a tocar guitarra no programa britânico Top of the Pops em 1991 eu não via um músico se ridicularizar tanto. Enquanto usava uma linda jaqueta de couro, aliás.

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Mas Roland Orzabal não desiste. Bem quando a bibliotecária separa um livro do outro e sua cabeça aparece nesse espaço do outro lado? Sim, você adivinhou! E na próxima cena, ele está bem atrás dela, cantando para ela de novo. Roland Orzabal está ficando um tiquiiinho assustador exatamente agora, mas todos nós sabemos que é melhor tentar do que não fazer nada. Quase certeza de que foi o poeta inglês Alfred Tennyson que inventou essa máxima.

Observação importante de número III: dica para qualquer clipe oitentista – detalhes absurdos tipo um homem aleatório usando uma máscara de gás e/ou um chimpanzé. Ou o baterista Mannye Elias em um look meio judeu. Claro! Porque não.

Vamos parar um pouco e apreciar o co-vocalista e baixista Curt Smith. Lembra daquela banda britânica Hurts? Theo Hutchcraft totalmente se inspirou no estilo do Smith. Curt, você é o original, babe. A gente reconhece.

Você acha que as pessoas tinham emoções mais profundas nos anos 80? Eu acho que isso tem um quê de verdade. As pessoas podem ser tão distantes hoje em dia por conta do eterno medo de estarem perdendo alguma coisa e viverem de mãos dadas com a paranoia de que, caso se comprometam com alguém e se entreguem totalmente, podem estar se fechando à possibilidade de encontrar alguém “melhor”. Isso acaba colocando tudo em risco. Antes do Tinder e da internet, as pessoas escolhiam parceiros com pelo menos um mínimo de convicção.

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Aqui temos um homem em seu casaco de lã cantando sobre se apaixonar, te implorando para que não roube seu coração, não machuque e não o jogue fora. Podemos dizer que o Roland Orzabal realmente quer dizer isso tudo, porque ele não parece se importar em proclamar os seus sentimentos.

Graças a muitos espelhos e tempo de sobra para tirar fotos de si mesmo, todo mundo sabe tudo sobre ângulos. As crianças provavelmente já saem do útero de queixo caído, olhos arregalados e olhando para cima na espera de um close. Roland Orzabal não faz a menor ideia dessa pose toda. Ele está entregue. Está deixando a câmera filmá-lo de baixo pra cima. Está fazendo uma cara nada a ver em cada verso que ele canta. Está gesticulando durante toda a música. E esses movimentos todos não são nada descolados. Mas o amor não é sobre quão descolado você é – e sim quão vulnerável; claramente.

Se o Roland Orazabal fica com a garota no final? Bom, o que você acha? No fim das contas, ser nerd sempre compensa. Eu posso apenas concluir que nunca é tarde para descobrir Tears for Fears. Talvez um novato de Tears for Fears que nunca pesquisou a fundo sobre a banda vai abraçar a brilhante e gostosa volta de carro de “Everybody Wants to Rule the World”, ou a suplicante beleza de “Pale Shelter” (atenção para a linha de baixo punk-funk), e, claro, a angústia new wave e as cenas da janela na versão original de “Mad World”, e esse novato talvez aprenderá algo novo sobre a vida, amor e sentimentos.

Se você realmente quer fazer um favor a si mesmo, comece com o álbum de estreia, o The Hurting, e leia essa extensa entrevista que fizemos com o líder da banda ano passado.

Kim Taylor Bennett vai passar as próximas 13 horas ouvindo Tears for Fears. Ela vai postar sobre essa experiência ao vivo no Twitter, obviamente. (Isso é uma mentira. Obviamente.)