“A arte não falha”: Esperanza Spalding fala sobre o seu ‘D+Evolution’

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Música

“A arte não falha”: Esperanza Spalding fala sobre o seu ‘D+Evolution’

A jazzista norte-americana fala sobre arte, afirma que nunca está confortável e explica por que resolveu assumir seu alter ego, Emily, no seu mais novo disco.

Foto por Holly Andres, cortesia da Esperanza Spalding

Na capa do novo disco da Esperanza, o Emily's D+Evolution, a personagem principal, Emily, parece distante enquanto fica lá parada, toda vestida de branco, ao lado de uma montanha rochosa multicolorida, árvores mortas e céus nublados ao fundo. Na vida real, Esperanza Spalding, vencedora do Grammy, vai me encontrar vestindo seu suéter de tamanho exagerado, no Milk Bar, em Prospect Heights, em Illinois, Estados Unidos. Emily mora em um lugar que lembra a capa do disco Houses of the Holy, do Zeppelin; Spalding está comendo torrada. Mas as duas coisas têm uma ligação: Spalding explica que ela é o instrumento pelo qual Emily se expressa.

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Embora Spalding tenha sido chamada de Emily quando criança, fala sobre a figura central de seu quinto álbum como se fosse outra pessoa, e não um personagem do seu eu interior. A forma como Emily se expressa é muito diferente da apresentação pessoal anterior de Spalding. Em Emily's D+Evolution, com Emily, há mais rock psicodélico, distorção e experimentação do que nos álbuns anteriores. Ele tem espontaneidade, pensamento, e tudo se une a ternura inconfundível de Spalding. Toda essa malemolência de D+Evolution pode ser considerada uma expressão de Emily, que tem a palavra final na faixa que encerra o álbum: "Don't care how / I want it now".

Como o título sugere, a evolução é um dos temas mais presentes no álbum. O mesmo tema já fazia parte da carreira de Spalding. Ela progrediu superando expectativas de puristas do jazz, fazendo música que incorpora elementos de R&B, música latina e soul. A distinção que a fez ser conhecida por boa parte do mundo — tirando de Justin Bieber e Drake o Grammy de melhor artista em 2011, tornando-a a primeira artista de jazz a ganhar o prêmio na história — está destinada a tornar-se apenas uma memória, conforme a música de Spalding continua a tomar novas direções, cinco anos depois. Perto do fim de 2013, Spalding estava triste com a vida e decidiu abandonar sua gravadora, basicamente apertando o botão de reset na carreira que vinha desenvolvendo desde Radio Music Society.

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D+Evolution, de Emily, será lançado na próxima sexta-feira, dia 4 de março, e é mais uma reconfortante jornada a um universo mais boêmio do que um simples grito de "Estou de volta!". Além disso, assim como todos seus outros trabalhos, ele está carregado de seu carisma e virtuose naturais. Sentada na mesa do bar próxima a janela, Spalding faz uso de muita linguagem corporal. Às vezes abre os braços como quem vai dar um abraço, como se estivesse fisicamente concatenando as ideias tão complexas que tenta expressar. Às vezes pausa na metade da frase, olha brevemente pela janela, como se esperasse tirar um pouco de melanina da luz do sol em um meio-dia de inverno, antes de finalizar o raciocínio. Seu estilo divagante de conversar torna difícil assimilar os tantos interesses a que alude — seja a subversão de The Shaggs ou ler James Baldwin — mas sua voz de conversa em tempo acelerado e seus gestos fazem com que seu entusiasmo seja contagiante. Dá pra ter uma ideia do que foi o otimismo coletivo na sala quando Spalding apareceu em um show em Nova York em outubro de 2014, com uma escova no cabelo e um copo de espumante na mão, e jogou a bomba para banda: "Ok pessoal, quero que conheçam Emily!".

Noisey: Por que D+Evolution e não De-Evolution?
Esperanza Spalding: Porque é D+Evolution. Não é nem de-evolução e nem evolução. A ideia é D+Evolution. É uma função, uma capacidade, ou um estado que permite que sejamos contrários a alguns aspectos a nosso respeito para nos conciliarmos e nos unirmos e co-contribuirmos com o nosso crescimento. Portanto o "+" é a junção de de-evolução e evolução. Isso é o jeito longo de dizer: Emily's De-Evolution and Evolution. Por isso D+Evolution captura bem o espírito. E você pode até ler como não sendo A+Evolution, mas como sua nota é D+, tem de continuar evoluindo. Muita gente no planeta pode se identificar com isso: que você não entende tudo completamente, que não recebeu informação o suficiente, que não teve chance de estudar, aprender, ou acumular o conjunto certo de atividades para chegar ao próximo nível. Mas estamos crescendo e a vida continua acontecendo à nossa frente, e você precisa evoluir, independente de se sentir preparado ou não.

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Foto por Holly Andres, cortesia de Esperanza Spalding

Dizem que a melhor forma de se manter criativo é evitar cair na zona de conforto. Foi assim com você neste álbum?
Ahá! Sempre estou fora da zona de conforto, então não faz diferença. Digo, eu nem durmo à noite, então acho que nem minha cama é confortável. Sempre me senti desconfortável de forma geral — pensando que falei coisas erradas, ou que não tenho educação o suficiente na narrativa ou nos coloquialismos dos grupos com quem ando, ou que não estou vestindo a coisa certa… Às vezes, sonho que estou com amigos (outros músicos) e todos sobem no palco e ficamos improvisando. E então alguém sobe, canta uma música que todo mundo conhece e a plateia vibra. E quando chega minha vez digo algo como: "Eu não sei nenhuma música".

Com 31 anos de idade, acho que já lido bem com isso. Não acho que seja uma coisa importante, ficar buscando ou almejando sentir-se confortável ou manter-me fora de minha zona de conforto. Mas é que o tipo de coisa que me inspira é sempre fora do meu alcance. Porque no processo de desenvolver aquilo, você precisa alcançar. E eu gosto de alcançar.

Tenho pensado que os melhores artistas são os capazes de transformar o abstrato em experiências compartilhadas. Você concorda?
É porque não é abstrato. Um escritor que também era padre escreveu para — como se chamam mesmo os membros da igreja católica?

O clero? A congregação?
Enfim, tinha um cara que estava passando por algo assim, e achava que podia isolar-se de sua família e de sua comunidade com esse ato que via como uma anomalia — uma singularidade. Um padre diz: "Não se puna tanto, e saiba que as coisas mais privadas são as mais universais". Portanto, o que quer que você tire das profundezas do seu ser pode ser bizarro, único ou vergonhoso. É como se consolar na fé de que, no final das contas, somos todos da mesma espécie.

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Alguma música de hoje a inspira?
Com certeza, mas provavelmente de jeitos que não percebo. Achei Electric Lady da Janelle Monae uma das maiores obras proporcionadas ao mundo na história recente [da música]. É muito foda. Também descobri MF DOOM. Bom, ele já existia antes, mas eu só descobri agora. E a Sia apresentando "Chandelier" como fez no programa da Ellen Degeneres e falando o que falou. É isso, as pessoas têm fome de coisas diferentes, independentemente do que você pensar.

Você tem alguma opinião sobre o disco de Kendrick Lamar? Ele é bem polêmico.
Disco de quem?!

Alguns acham que ele promove políticas em respeito aos negros. Eu não concordo; é bom, mas tem suas falhas.
Ele não tem nenhuma falha. Nenhuma arte tem falhas, foda-se isso. E se tiver, você não sabe quais são. Só o artista sabe. Fui ver uma peça ontem à noite, e durante a primeira metade fiquei pensando que tudo aquilo era aleatório. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Não sei o que estava acontecendo. Não sei quem é o quê. Não sei quem é quem. Não sei de quem estão falando. Por que estou dizendo isso? Bom, talvez meus sensores estivessem ocupados demais tentando perceber as falhas, mas a verdade é que estava recebendo mais do que é capaz de uma vez só. Não estou dizendo que esse é o motivo pelo qual você acha que ele tem falhas, mas depois, no final, acho que fiquei comovida. Acho que até entendo por que o diretor deixou a audiência confusa por 45 minutos.

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A missão da arte não é proporcionar uma ponte inabalável, que é estruturalmente perfeita e sadia, que já vem com toda a matemática feita. Aquilo está lá pela razão que matemáticos e químicos explicaram aos engenheiros e é absolutamente perfeita. Essa é a função da ciência e da engenharia. A arte tem uma função diferente, e uma de suas funções primárias é a conectividade e a comunicação. E quando a conectividade, comunicação e tudo mais acontecem e você para e tem uma experiência que não teria antes, a arte cumpriu seu papel. A arte não tem falhas porque a arte é um processo.

Foto por Holly Andres, cortesia de Esperanza Spalding

O que a Emily está tentando dizer neste disco?
Ela não está tentando fazer merda nenhuma. Ela só é ela. Eu trabalho para ela. Ela é de um reino que não fica neste mundo, onde o D+Evolution habita. D+Evolution não é algo que você pode buscar. Não é algo de onde se pode vir. É um domínio onde tudo é daquela forma. Então, quando ela vem à nossa realidade e vê tudo que falamos, ela pensa: "Como é? Pois de onde venho, isso aqui é assim. Pra mim, aquilo ali é assim". No show ao vivo, ela acabou de chegar no nosso reino. Ela é nova. Tudo o que ela sabe é que o mundo para ela é D+Evolution e que está aqui para fazer barulho e cantar sobre isso, pois isso é o que ela sabe e ama fazer.

E ela tem uma experiência neste reino em que vivemos hoje em dia, nossas dinâmicas e nossa aceitação em manter os aspectos intrinsecamente conectados de nós mesmos em extremidades opostas de nossa identidade, de nossa vida e de nossas estruturas comunitárias: o carnal, o primal, o polido, o cerebral e o sofisticado. Ela olha para tudo isso, não entende, aprende sobre os dois e aprende como podem ser tão distantes um do outro. Mas ela não opera de forma alguma em prol de reconciliar tudo isso, pois isso é o que ela é — isso é o que ela sabe.

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A evolução é um tema muito presente neste álbum. Qual sua relação pessoal com isso?
Não tinha ideia do que ia fazer com este disco, principalmente na etapa de desenvolvimento. Não tinha agente, label, nada. Estava dando um passo de cada vez, sabendo que a única coisa que podia fazer era continuar caminhando. E me senti completamente despreparada e mal equipada para tudo o que sabia que teria de acontecer. Minha nota era D+, com certeza, em parte porque não estava prestando atenção quando tinha um agente e os recursos disponíveis. Simplesmente não prestei atenção e acabei menosprezando tudo aquilo. Mas o tempo continua passando e é impossível pará-lo.

Qual foi a reação da banda quando você os apresentou Emily?
Bom, não é como se eu fosse pessoa diferente para quem precisavam ligar para que recebessem Emily em vez de Esperanza. Desenvolvemos nossa música juntos. Depois, quando chegamos no palco, ainda não tinha [a] desenvolvido como personagem. Era só eu mesma com um cabelo diferente e uns óculos, e estávamos apenas tocando.

Brian Josephs é escritor e mora no Brooklyn. Siga-o no Twitter.

Tradução: Stefania Cannone

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