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Música

Esmé Patterson Fala em Nome das Mulheres de Nossas Canções Pop Favoritas

Patterson percebeu que a história pop é carregada de canções direcionadas às protagonistas femininas. E logo ela percebeu ter escrito uma série inteira de músicas-resposta, compiladas no disco Woman to Woman.

Presa em um quarto de hotel durante uma noite de inverno, a compositora de Denver Esmé Patterson aprendia a tocar “Loretta”, de Townes Van Zandt, em seu violão, e enquanto decorava as letras começou a se sentir meio incomodada com elas. “Her age is always 22… Loves me like I want her to” [A idade dela é sempre 22… Me ama como eu quero que ame]. Van Zandt canta sobre uma garota de um bar com a qual costuma ficar sempre que está na cidade. “Long and lazy, blonde and free… And I can have her any time” [Alta e preguiçosa, loura e livre… Posso tê-la a qualquer momento].

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Após aprender a tocar a canção de Van Zandt, Patterson sentiu-se inspirada para compor uma música a partir do ponto de vista de “Loretta”, informando ao seu patriarca condescendente que ela “continuará com seus sapatos de dança por muito tempo depois que ele se for”. Patterson então percebeu que a história pop é carregada de canções direcionadas às protagonistas femininas, e todas nunca tiveram a chance de responder com uma música própria. “Alison” de Elvis Costello, “Evangeline” da The Band, “Caroline” dos Beach Boys, “Eleanor Rigby”, dos Beatles, e logo ela percebeu ter escrito uma série inteira de músicas-resposta, compiladas no disco Woman to Woman, lançado no primeiro semestre.

Desde então, Patterson tem sido apadrinhada por feministas e desprezada por nerds de música, que questionam seu direito de escarafunchar a história. As personagens trazidas à vida nestas músicas vão do mórbido ao impiedoso, com sua Alison dizendo ao jovem Costello para “manter pensamentos sobre mim em vestido de festa fora da sua cabeça… Farei amor com quem quiser”, e respondendo às súplicas de Jolene para não roubar seu homem com “seu homem não significa nada pra mim”.

Conversamos recentemente com a Esmé sobre seu disco de ficção pop, debatendo então o sacrilégio das canções, os limites da arte conceitual, e o porquê de ela ter falhado em uma resposta para “Rhiannon”, do Fleetwood Mac.

Noisey: Quando você começou a compor estas músicas estava acabando de promover um disco muito pessoal e denso emocionalmente; houve uma atração especial em escrever sobre personagens fictícios ao invés de gente na sua vida?
Esmé Patterson: Sim, foi uma boa pausa na composição daquelas músicas mais pessoais para escrever sobre os problemas dos outros. Mas também acho que quando você lida com ficção – literária ou musical – mesmo que não tenha nada a ver com a sua vida, você aparece como personagem, ou alguma filosofia na qual você acredita aparece ali.

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Foi interessante pra mim ver onde terminaria nestas músicas; como minha vida e experiências surgiriam em que histórias. E às vezes, surpreendia. Como em “Tumbleweed”, resposta para “Loretta” de Townes Van Zandt. Na música dele, ela fica em casa enquanto ele sai por aí em turnê, e ele volta para vê-la de vez em quando.

Na minha, ela briga com o cara por esperar que ela fique esperando por ele. Naquela época, eu vivia em turnê, e tinha o pouco sucesso nos relacionamentos que este estilo de vida traz. Então percebi depois que, naquela música, estava brigando comigo mesma pelo arquétipo de homem que estava incorporando naquela época. Perceber isso me fez rir.

Rolou de muita gente projetar esse tipo de coisa em você com essas músicas?
No geral, houveram duas reações ao disco. Algumas pessoas me agradecem por falar do ponto de vista da mulher que antes era unidimensional, parcial, conferindo um elemento feminino às canções. Acho que as pessoas se identificavam. Como no caso de “Alison”: todo mundo já se viu na situação em que se encontra com um amante antigo e eles estão putos com você por seja lá o que for que você fez [desde o rompimento], o que não é da conta deles. Isso nem é coisa de mulher, é coisa que todo mundo faz.

Acho que as pessoas se identificam em estar do outro lado dessa música, e achei isso muito massa.

Mas imagino que a natureza histórica destas músicas as quais você escreve sobre, tão universalmente amadas, digo, um monte de gente deve se sentir meio dona delas. Para muitos nerds musicais, “Alison” era uma música que servia como consolo após o fim de um namoro, e “Jolene” é uma música dos Smiths para meninas inseguras do interior.
Exatamente, e essa é a segunda reação que muita gente teve ao disco. Rolou muito “quem você pensa que é?” e tal. Estas pessoas são aquelas que idealizaram estes compositores e tem estas músicas como sagradas, ofendendo-se com o fato de que mexi nelas, ou em discuti-las.

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É esquisito: por um lado, sendo um nerd de música também, eu meio que entendo como essa galera se sente. Mas quando a coisa vem à tona, soa ridículo. Isso aqui não é religião, é música pop. Nada é “sagrado”.
Bem, eu sempre gosto de uma divergência no diálogo. Não seria uma discussão interessante se todo mundo só estivesse se dando os parabéns. Acho que os argumentos destas pessoas foram interessantes, mas esta também foi uma oportunidade para expressar minha opinião de que a arte pertence a todos. É nosso patrimônio cultural, e ele deve ser desafiado. Todos somos vulneráveis uns aos outros, e deve sim haver uma discussão sobre personagens na arte e o que significam para nós. Obras de arte sempre devem ser tiradas de seus pedestais e discutidas.

Me liguei quando ouvi o disco pela primeira vez que você havia composto uma das músicas anos antes. “Jessica”, de seu primeiro disco, é uma narrativa similar a “Alison” ou “Jolene”, tratando de outra mulher de forma desfavorável. Então imagino que não seria difícil pra você imaginar como seria outra pessoa pegar uma de suas músicas e interpretar ao seu modo.
Eu adoraria isso! Seria ótimo. Recomendo mesmo que alguém o faça. E com certeza quando você para pra trabalhar em cima das canções de outras pessoas você tem que estar pronto pra que façam o mesmo com você. Eu aceitaria numa boa – seria bacana. Tem muita gente tratando este disco como um “álbum feminista”?
Sim, e por mim tudo bem. É uma palavra nobre para se associar. Eu comecei este projeto como uma jornada pessoal em termos de composição, e não tinha nenhum grande plano pra ele. Mas certamente me identifico como feminista, e fico feliz que minha obra fortaleça essa causa.

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Te pergunto isso porque na canção-resposta à “Jolene”, você diz “os homens deveriam correr atrás de você, nunca corra atrás de um homem”. O que, pra mim, soou meio antiquado, um tipo de etiqueta de gênero da época de Mad Men.
Argumento interessante o seu. E isso aí meio que indica que não se trata de uma obra centrada no feminismo – é mais um exercício intelectual de composição pra mim. Era sobre humanizar estas personagens, o que não necessariamente as colocaria de um lado ou de outro da moralidade feminista.

Na minha cabeça, a personagem em “Jolene” é uma mulher linda e forte, que meio que provoca a personagem de Dolly Parton ao dizer “ah pare de correr atrás de homens, por que você não deixa eles correrem atrás de você?”. Não é como se ela estivesse propondo ali um dogma comportamental, é só uma provocação.

Então ao compor estas canções, não importava tanto a resposta à música original quanto a criação de personagens respondendo às canções?
Exatamente. O objetivo do projeto era humanizar estas personagens, e ninguém é perfeito.

Você não teme que o conceito do disco ofusque as músicas, impedindo que as pessoas curtam do seu jeito?
Isso foi bastante importante pra mim durante a composição do disco, eu queria que fossem músicas boas para se sustentarem por si só. O tipo de coisa que se alguém ouvisse sem saber nada do conceito ainda pudesse gostar.

Além disso, eu também estava tentando criar algo que gostaria de descobrir. Como se ouvisse algo no rádio que gostasse, então pesquisasse um pouco e saberia dessa história enorme por trás de tudo, e de repente perceberia a música de outra forma. É algo empolgante para se lidar.

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Seu primeiro disco foi produzido de forma muito elegante, com camadas de som cuidadosamente selecionadas e orquestrações muito bem pensadas. Mas este disco tem um som muito mais cru, com jeito de bar; como se tivesse sido gravado ao lado de um touro mecânico. Isto é fruto de uma decisão consciente amarrada ao conceito do álbum?

Sim. O objetivo do disco era criar estes personagens bastante humanos, então se o disco fosse muito limpinho e perfeitinho, soaria desonesto. Gravamos tudo ao vivo, e soou certo para cada personagem.

Você compôs outras músicas na mesma pegada que não entraram no disco?
Na verdade sim. Escrevi uma resposta para “Rhiannon” do Fleetwod Mac. Na música, ela é como uma gata na escuridão, então é a escuridão, e achei que rolava essa temática, muito próxima de “Jolene”, da mulher em um pedestal. Na música, Stevie Nicks canta “você não amaria amá-la?” e eu tenho essa impressão que deve ser muito solitário ficar em um pedestal.

A resposta que escrevi era sobre ser selvagem e sozinha, mas no fim das contas não a incluí no disco porque não achei que era boa o bastante. Adoro aquela música do Fletwood Mac e acho que não consegui produzir algo bom o bastante.

Josiah M. Hesse certa vez compôs uma canção do ponto de vista de uma avó que foi atropelada por renas. Siga-o no Twitter – @JosiahMHesse

Tradução: Thiago “Índio” Silva