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Música

Escute na Íntegra o Álbum de Retorno do Auto, ‘Crossfire’

A banda mais torta dos anos 90 zomba da hierarquia da canção com seu primeiro trampo desde que voltou a ensaiar, em 2010. Se liga no papo que tivemos com o guitarrista Carlos Issa.

Auto em show do festival Novas Frequências. Foto por Eduardo Magalhães/I Hate Flash.

O Auto marcou a segunda metade dos anos 1990 no underground brasileiro por fazer um som escorado em conceitos muito avançados de desconstrução, experimentalismo e abstração sonora quando a maioria das bandas de seu próprio meio flertava com as variações básicas do hardcore. O grupo, formado por Carlos Issa (guitarra, eletrônicos), Marcilio Silva (baixo), Marcelo Fusco (eletrônicos), Alexandre Amaral (bateria) e Jonathan Gall (voz, eletrônicos), entrou em hiato depois de lançar três cassetes com gravações de estúdio e registros ao vivo, entre 1997-99, e de ter participado de algumas coletâneas em CD.

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Com o retorno do vocalista dos Estados Unidos, em 2010 – Jon é natural de Nova York –, a banda voltou a compor, ensaiar e a fazer shows. As apresentações ao vivo têm sido bastante intensas, mesclando instrumentos elétricos, eletrônicos e acústicos. E o resultado do amadurecimento artístico e conceitual do Auto pode agora ser conferido como obra fechada. Trata-se do álbum Crossfire, que está disponível nos formatos vinil e digital a partir desta segunda (15) pelo selo Submarine Records. O show de lançamento do LP rola no dia 17 de janeiro no Centro Cultural São Paulo, junto com o Elma.

Logo abaixo, o Noisey sai na frente e te oferece de bandeja o streaming e download do disco. De quebra, trocamos uma ideia com o Carlos sobre alguns aspectos inerentes ao intrigante tipo de som que esses caras conseguem produzir.

Noisey: O que este trabalho traz de inovador em relação ao single "My Crime" ou àquilo que o Auto fazia nos anos 1990? Quais as implementações e parâmetros foram acrescidos à estética da banda desde então?
Carlos Issa: “My Crime” faz parte da mesma sessão de gravação. Acho que por isso ela tem a mesma atmosfera das outras músicas do disco. O Auto, nos anos 90, antes do Jon voltar pra Nova York, tinha músicas mais curtas e menos abstratas. A banda meio que circulava numa espécie de margem do hardcore. Hoje em dia, a gente faz mais shows, cada integrante com seu projeto solo ou banda paralela, todos muito diferentes, Objeto Amarelo, Bugio, Dub Cavera, o trabalho solo do Jon… E quando a gente volta pro Auto, toda essa diferença se entrelaça e gera algo que só se estabelece no som da banda, um pouco além – ou aquém – do universo de cada um.

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Você sempre esteve envolvido com projetos musicais mais próximos da arte de vanguarda, do experimentalismo e do som torto do que das melodias fáceis e dos ritmos tradicionais. Quando e como surgiu esse seu interesse exploratório na música?
A minha primeira referência experimental são as partes abstratas do Sonic Youth, quando a música derrete em microfonia. Depois, veio tudo junto, som e texto, principalmente o livro Música de Invenção, do Augusto de Campos, com ensaios sobre John Cage, Satie, Stockhausen, Música Concreta, Varese, etc. Li esse livro na época do primeiro disco do Objeto e foi meu livro de cabeceira por um bom tempo. Mas, na prática, saí totalmente da canção um pouco depois com o projeto chamado Dia. Lancei o primeiro disco em 2004, um EP com quatro sons bastante influenciados por Merzbow e Kevin Drumm. A improvisação mais radical também surgiu nessa época, e os sons e técnicas que descobri com o Dia impregnaram todas as outras coisas que faço até hoje, Objeto, Auto, Hojer Yama, e as colaborações com outros músicos.

Como o Auto enxerga ou define o conceito de "música" e como vocês gostariam que o público em geral desfrutasse ou percebesse a arte que vocês propõem?
Perdi um pouco a noção do que a música é… Sem querer avançar muito na teoria, mas avançando, estamos bem no começo de algo novo, muito recente, que começa com John Cage e que vai definir as práticas musicais e sonoras pelos próximos dois mil anos. A música tonal, que vingou sozinha durante mil anos, há cinquenta anos começou a ser acompanhada por várias novas maneiras de fazer e de pensar os sons. Todos os sons do mundo entraram no jogo junto com a total bizarrice dos sons sintetizados. E tudo isso é muito recente, 50 anos ainda é pouco tempo pra saber do que se trata essa nova história da música e das práticas sonoras. Nossa geração está vivendo uma época privilegiada. Estamos no começo de uma nova era social baseada em redes virtuais e estamos no começo de uma nova era sonora. Com muita liberdade pra explorar. Sobre o Auto, acho que o que pode ajudar um pouco no contato com o nosso som é sempre considerar disco e apresentação ao vivo como dois universos diferentes, cada um com suas regras e com suas quebras de regras locais.

As músicas do Auto são arquitetadas ou surgem do improviso, das experimentações ruidosas?
Deixei um pouco de acreditar no improviso. Acho que no final não dá pra desviar da composição. Por mais que sua relação com o instrumento e com os outros músicos seja intuitiva, espontânea, etc., não dá pra evitar a escolha do lugar, do momento e do equipamento. E lugar, equipamento e momento também são agentes da composição… e são dados inevitáveis. Quando nos reunimos pra tocar com o Auto, vamos espalhando sons na mesa, aos poucos, escolhendo o que soa melhor, e depois juntamos tudo num corpo maior que se aproxima de uma música ou canção, e que vamos reproduzir algumas vezes daí pra frente, seja nos ensaios, seja nos shows, mas sempre com as inevitáveis variações. Também gostamos de começar do nada, de ir construindo o som ao vivo.

Com que tipos de instrumentos, equipamentos ou tecnologia vocês vêm fazendo música desde o retorno da banda?
A quantidade de aparelhos, efeitos e instrumentos foi aumentando desde quando começamos, em 1996. Quase todos na banda passam seus sons por efeitos variados, às vezes chegando ao ponto dos instrumentos ficarem irreconhecíveis. Acho que o [baterista] Alê é o único que mantém sua área sem muita interferência. O estúdio também foi muito importante pra composição de Crossfire. Um grande instrumento base. Pela importância dos recursos do estúdio na arquitetura do disco, dá pra considerar o produtor Bernardo Pacheco como um sexto integrante do Auto. Seu trabalho na mixagem foi muito importante na sonoridade final.

As músicas novas do Auto têm letras? Do que elas falam, ou ao que se referem? O Auto possui uma temática, uma mensagem, algo assim?
Temos letras. Elas são escritas pelo Jon. Mas hoje a principal característica do Auto é a abstração. Que não é uma ideia muito obscura. É simplesmente uma quebra dessa hierarquia bastante rígida que existe no universo da canção, em geral, e que não me interessa nem um pouco. É uma hierarquia fácil de enxergar. Existem os instrumentos no andar digamos térreo e existe a letra sobre tudo isso. Na música do Auto, todos os sons têm o mesmo valor. A voz tem o mesmo valor da ruidagem. A literatura tem o mesmo valor do delay. É um mundo plano, igualitário, horizontal. Por isso não faz muito sentido destacar a mensagem comunicada pela letra sem falar da mensagem comunicada pela onda senoidal, da mensagem comunicada pelo chimbal, etc.