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Música

Entrevistando o Exhale The Sound: Chakal

Uma conversa franca com um dos expoentes mais inventivos do metal mineiro sobre a cena das antigas, idas e vindas, mudanças na formação, rótulos, letras nada a ver e muito mais.

Destroy! Destroy! Destroy!, o sexto e mais recente álbum do Chakal, lançado em novembro último, assinala um surpreendente retorno à ativa de uma das infantes bandas do metal nacional. Formado em 1985, o grupo é um dos expoentes daquela geração revelada no lendário Metal BH II Festival, do qual participaram também o Sarcófago, Sagrado Inferno, Armageddon, Sepultura e Minotauro. Apesar de nunca ter realmente sumido do cenário, uma vez que seus feitos sempre repercutiram por longos períodos, o Chakal vem de uma caminhada meio maluca. De certa forma, podemos considerar que o grupo diplomado na mesma escola de nomes como Slayer, Ministry, Exodus, Judas Priest, Iron Maiden e Metallica está em sua terceira encarnação.

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Antes disso, eles tiveram fases produtivas em estúdio entre os anos de 1987/93, e, mais tarde, entre 2003/04. Foi um balde de água fria para os fãs quando eles entraram em hiato justamente após a realização de um ótimo par de trabalhos, os álbuns Deadland e Demon King. Mais do que tentar entender os porquês das idas e vindas do Chakal, o que interessa é que trata-se de um conjunto que nunca se afastou de sua proposta e também jamais lançou um disco meia-boca. Todas as obras do Chakal podem ser consideradas relevantes e representam um passo à frente daquilo que eles fizeram anteriormente.

O Destroy, por exemplo, é nada senão um capítulo adiante daquilo que já era preconizado em Demon King: vocal agressivo, riffs contagiantes, batera no gás – uma obra no limiar entre a técnica e a crueza, sem derrapar nos exageros nem no intento em fazer “cover de si mesmos” (com o perdão do clichê jornas). Ao lado do Facada, Bode Preto, O Cúmplice, Bemônio e mais 20 bandas, o Chakal figura em meio às atrações da segunda edição do festival de música barulhenta e discordante Exhale The Sound. O festejo banger acontece em Belo Horizonte, no espaço CentoeQuatro, nos próximos dias 10 e 11 de outubro.

O quinteto mineiro está sem tocar em sua cidade natal desde 2011, então rola toda uma expectativa na parada. A entrevista a seguir foi concedida pelo vocalista Vladimir. Sente só:

Noisey: Bem, vocês não tocam em Belo Horizonte faz uma cara. Queria saber o porquê desse hiato e que tipo de show vocês vão levar para esta segunda edição do Exhale The Sound. O que tem de novidade ou de diferente dessa vez para mostrar pro público?
Vladimir Korg: A gente estava concentrado na produção do Destroy. Chegou num ponto em que corríamos o risco de que nossas novas músicas ficassem ultrapassadas. A solução foi nos trancarmos no estúdio e acabar com o preciosismo. Sabíamos que estávamos prontos e tudo estava a nosso favor. É claro que fizemos alguns shows, mas não corremos atrás. O Destroy era a prioridade. Agora estamos prontos pra botar o pé na estrada.Para o Exhale the Sound temos um tempo para cumprir no palco. É a logística do festival. Devemos levar o set que tocamos no Abril Pro Rock ou algo próximo àquilo. Nosso show de lançamento ainda não aconteceu e ele vai ser pensado de forma cuidadosa, mas mesmo assim temos que continuar azeitando a máquina, tem sido assim há quase trinta anos. Esperamos que a experiência no Exhale the Sound seja produtiva.Se houver novidades a gente só conta na hora, senão não será mais novidade. Nosso negócio é o metal. Vai ser um show de metal. Independente das divisões de estilo. Quando você assistir ao nosso show vai estar assistindo a um show de metal com direito aos vários clichês das velhas bandas do gênero. Nossa linguagem é a escola do Black Sabbath, Van Halen, Deep Purple, Judas Priest e eu tempero tudo isso aí com enxofre. Quem nos conhece sabe o prato que será servido.

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Na estrada desde os primórdios do metal brasileiro, o que mudou no tipo de som que vocês faziam naqueles tempos ou mesmo na tônica das letras em relação à fase atual?
Sem dúvida os equipamentos estão melhores e os caras amadureceram musicalmente. Eu continuo tentando não atrapalhar. As letras são más. Nossa banda chama-se Chakal, o que se pode esperar? Se eu estivesse dizendo coisas boas, eu não estaria gritando. É metal, e eu não quero reinventar a roda. Falo as mesmas coisas que o Ozzy ou o Lemmy. Como diz o Cavalera Conspiracy: eu falo a língua do ódio. Às vezes ouço bandas boas, mas quando tento entender o que eles falam percebo que estão seguindo uma tendência conceitual determinada pelo mercado. Principalmente o mercado norte-americano. Nada contra. Por isso não presto atenção ao que eles dizem, ouço a textura sonora. Agora, convenhamos, essa fase de letras boazinhas ou coitadinhas já encheu, né? O revigorante é que quando você ouve algumas bandas se lamentando de como a humanidade é perversa, que temos que nos respeitar mais para um mundo melhor e blábláblá, vem um senhor de quase 70 anos e lota estádios dizendo que Deus está morto. Isso é o metal.

Belo Horizonte é um lugar que tem uma tradição de bandas pesadas muito foda no passado, um cenário do qual vocês vieram e ajudaram a construir. Como vocês veem a evolução da cena local a partir daquilo que o Chakal iniciou ao lado de nomes como Sarcófago, Sepultura, Holocausto…?
Isto é uma história muito comprida. Éramos amigos e ainda somos. E fazíamos exatamente o que vocês fazem. Como o pessoal do Exhale The Sound e o Metal Punk Overkill estão fazendo agora. Só que BH na época era uma cidade idiota e hoje se tem mais recursos. O pessoal tem liberdade, instrumentos legais, não apanham da polícia, não tem que brigar na rua com os playboys. A época era legal porque a gente era jovem, mas eu não tenho muita saudade não. Vejo amigos meus com esse saudosismo dos anos 1980 e tal, mas agora é muito melhor. Talvez eu que não tenho muito talento para ser Forrest Gump.

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Naqueles tempos a galera dessas bandas todas faziam parte da mesma turma?
O bacana é que fizemos grandes amizades e, muitas delas, verdadeiras. Independentemente da vida prática e da falta de tempo comum a todos, isso não se dissipou. Mas os tempos não foram fáceis. Vocês não viveram a crise econômica que nós vivemos. Era uma merda! Basta dizer que até o Sarney foi presidente. E ele não foi o pior! É sobre isso que eu estou falando! As bandas meteram o pé na porta. A chamada "cena" era mais detectável porque estávamos meio oprimidos dentro da sociedade. Todos nos olhavam como se fôssemos de outro mundo ou do inferno, sei lá. E como tínhamos equipamentos ruins, o som era ensurdecedor. Mas dane-se, a gente não sabia tocar mesmo e quem sabia não ganhava notoriedade fora da cena porque tinha escolhido tocar metal. É bom lembrar que banda mineira que se tornou ícone do metal mundial foi a banda que o baterista tocava um sofá velho e o guitarrista só usava as quatro cordas de cima. Mas o mais importante é que com poucas exceções todas as bandas estavam, de uma forma ou de outra, juntas. Colando cartazes dos shows umas das outras, correndo atrás de patrocínio, trocando gravações e informações. Mas não se iludam, hoje é melhor!

Boa parte das bandas e do público que movimenta as coisas hoje vem de uma geração que é a nova escola do metal. Digo, gente que começou a curtir som depois que maravilhas como o programa Fúria Metal já estava extinto. O que você tem a dizer paraa geração posterior à do Chakal?
Eu espero que sigam o nosso mau exemplo. Façam barulho, gritem até sentir gosto de sangue na boca. Façam o que vocês gostam e acreditam. Se possível, ganhem dinheiro para deixar seus pais orgulhosos. Não foi o nosso caso.

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Um lance curioso na trajetória do Chakal é que vocês tiveram duas voltas à ativa desde o lançamento do primeiro álbum, em 1987 (Abominable Anno Domini). Houve um tempo sem lançamentos entre 1993 e 2003 e, mais tarde, entre 2004 e 2013, quando vocês lançaram o recente Destroy! Destroy! Destroy!. Por que essas paradas?
Essas paradas são normais. A cena muda. A cena de metal underground dos anos 1990 foi fraca se comparada ao grande boom dos anos 1980. Teve o grunge, a MTV ressaltando bandas que utilizavam elementos brasileiros em suas músicas e acenando com uma promessa de que as bandas brasileiras teriam um lugar ao sol em uma TV direcionada unicamente para a música. Mangue beat, festivais alternativos, e a cena undeground metal acabou ficando estagnada. Não tinha nada de novo e todo mundo olhando pra cima vendo o Sepultura voando sobre a cabeça de todos… Talvez isso tenha sido a melhor coisa que aconteceu porque tinha uns caras representando o metal de forma digna. Muitas bandas que tentavam se manter nessa estagnação acabaram "pedindo pra sair". Inclusive o Chakal.O final a gente sabe: a MTV se rendeu ao jabá das gravadoras e acabou virando aquela coisa no final. O mangue beat enfraqueceu, o Sepultura passou por mudanças sérias, o grunge ficou repetitivo e chato. Aquela coisa de “Deus está morto, Nietzsche também, Marx também, e eu não estou me sentindo muito bem”.O Chakal parou por isso, eu acho. Não havia combustível o suficiente para continuar tocando.Mas quando menos se espera, você percebe que naquela estagnação havia uma efervescência enrustida de gente nova aparecendo e formatando mais uma vez a cena. E assim a coisa volta toda de novo. O metal se reinventa, ressurge, e isso nunca vai mudar. Aí é hora de religar os amplificadores.Acompanhar festivais como esses que estão acontecendo, bandas como o Eminence, que se tornou referência em metal profissional de verdade na cidade, bandas underground gringas vindo para tocar "na tora", as velhas voltando a mostrar as caras, isso tudo injeta uma carga nova de energia à cena underground. Acho que uma cena se revela forte mesmo quando as produções underground, principalmente com bandas nacionais, estão indo bem.

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Tomando por base as idas e vindas de lançamentos inéditos do Chakal, é correto afirmar que a banda passou por três fases distintas, ora pendendo mais para uma ou outra vertente do metal?
Eu sou péssimo pra responder isso. Vertentes do metal… Cara, no Chakal eu vejo os caras tocando e eu tentando não atrapalhar, como já disse. Cada um faz a sua parte. Não há um direcionamento do tipo “vamos fazer thrash metal, vamos fazer doom metal”. Eles tocam e sai aquilo ali. É assim que vem acontecendo. Claro que todos lá têm influências, ouvem um tanto de coisa, estudam e tal. Não adianta a gente direcionar pra um lugar. Quando a música estiver toda prontinha, redondinha, entro com a minha parte que é gritar e insultar todo mundo. O produto final é sempre o mesmo: metal! Fodam-se as vertentes. Aí é que nascem as modas. O mercado está louco pra saber qual a vertente da vez e aniquilá-la. Dizem que quando há uma vertente em alta é porque na sua origem ela já se extinguiu. Eu acho que sempre foi assim. Por exemplo, quando a onda era batucar no metal e todo mundo queria fazer isso, o Chakal preferiu dar um tempo. Eu não estava com eles na época. Estava no The Mist. A gente sempre fica meio de olho nas modas da vez. Sem preconceito, é claro. Eu, muitas vezes, aprecio muito mais uma banda que já não está tanto em evidência. É bom estar numa perspectiva distante da distorção exagerada da mídia que se diz especializada. Não é o prefixo que se dá a um estilo que me faz ouvir uma banda e gostar e, sim, a verdade que ela passa com sua arte. E isto para mim serve para qualquer tipo ou estilo de música. Prefiro ouvir pop music do que uma banda super metal que foi desenhada em carbono de uma outra porque a cena ou a indústria a escolheu como a bola da vez. A pop music é mais honesta nisso porque ela já nasceu para ser consumida assim. Não usa máscara de malvada para botar banca. Ela é escrota por natureza. No Chakal, somos desconfiados demais. Nosso arrozinho com feijão está bom demais, nos orgulhamos dele e garanto que tem muita gente que usa isso como base para uma "alimentação saudável".

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Como tem sido a repercussão do LP Destroy! Destroy! Destroy!? Vocês estão em turnê promovendo esse trabalho? Sentem que a crítica, fãs novos e das antigas receberam positivamente esse trabalho?
Sim, estamos ajeitando as coisas. Precisamos tocar em BH. Um show de lançamento legal se possível com curadoria da própria banda. Nossos fãs têm nos agradecido pelo Destroy. Acho isso bacana demais porque eles esperavam exatamente um álbum assim. Que fosse a cara da banda. Esse é o som do Chakal. Tem de todas as fases um pouco. O Destroy amalgamou todas as épocas e as temperou com uma textura nova. Nos sentimos tranquilos como nunca antes ao terminar um trabalho. Os fãs da banda estavam naquela expectativa de como sairia. Estamos bem acompanhados também porque bandas que ficaram sem gravar por um longo período, como o RxDxPx, chegaram com trabalhos monstruosos. Pensamos que o importante não é ter uma discografia extensa e, sim, uma discografia relevante.

Qual a temática das letras novas da banda? Vocês tratam das mesmas questões das antigas? Lembro de um som de vocês que dizia “Santa Claus Tem Câncer de Pele”, e que foi até tema de um desenho que eu fiz na época da escola e os professores ficaram putos (risos)…

Que legal! Eu não estava no Chakal nessa época. Era o Laranja. Ele representa bem essa fase do Chakal. Essa fase é uma fase bem irônica e tem letras fantásticas de um grande amigo nosso, o Eduardo Davis. Eu inclusive o chamei para fazer uma letra para o Destroy. Chama-se “Headshooting for Dummies”. Eu adoro essa letra. Minhas letras só falam sobre coisas más. O Destroy tem um direcionamento diferente. Ele fala sobre os grandes ícones dos filmes de terror. O Exorcista, vampiros, lobisomens, O Médico e o Monstro, e eu quis realmente dar uma textura dos antigos filmes da Hammer da década de 70. Foi muito bom escrever sobre isso. Eu estava achando as coisas meio boazinhas demais. As bandas todas meio coitadinhas demais, como sendo grandes vítimas da humanidade malvada. Eu não gosto muito disso, não. No Chakal, definitivamente, não. Mas confesso que foi difícil escolher um caminho razoavelmente original. Fazer álbuns conceituais tem deixado as coisas meio chatas. Aquele peso fixo centrado em um tema só. Aí, quando chega na hora do show, o tal conceito é misturado a outras músicas que não têm nada a ver com o tema e vira aquele Frankenstein. Eu fico entediado um pouco com esse lance das "letras inteligentes". Eu sou formado em filosofia, imagine se eu fosse ficar fazendo letras com temas filosóficos, enchendo o saco de todo mundo?! E, pior, deixando as pessoas à mercê da minha interpretação sobre as coisas! Acho que, é claro, existem letras bem construídas e bem equilibradas com as bases das músicas. Mas, falando sério: de que adianta você escrever sobre os ensinamentos de Buda se, no final, será o demônio que vai cantar? Então respeito, né? Pra ambos: respeito a Buda e ao Coisa-ruim.

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De que forma a entrada e saída de integrantes na banda, com suas influências e pegada particulares, ajudou a formatar o som atual? Vocês diriam que todos que já passaram pela formação trouxeram elementos que o Chakal assumiu para sempre? Teria algum exemplo para comentar?
Mudança de formação é sempre uma merda. E sempre vai ser. Atrasa a vida de todo mundo. Mas acredito que todos que entraram e participaram estão, de alguma forma, incorporados na estrutura musical da banda. Há um fluxo constante quando músicos trabalham juntos e sempre há uma troca de influências, técnicas e ideias que acabam sendo absorvidas e isso contribui para dar a textura sonora que será a cara do Chakal. Penso que é isso quando estamos falando de trabalho coletivo. O que somos hoje devemos a todos que passaram pelo Chakal. Eles estão com a gente de uma certa forma em cada show.

Exhale The Sound 2014

Dia 10/10, a partir das 19h; 11/10, a partir das 15h.

Espaço CentoeQuatro. Pça Ruy Barbosa, 104, Centro, Belo Horizonte/MG.

Ingressos: R$ 20, para o dia 10; R$ 35, para o dia 11; R$ 45, para os dois dias.

À venda no Espaço Veg: R. Fernandes Tourinho, 441, Savassi, Belo Horizonte.

Pela internet: Sympla / Noise Stuff

Tem muito mais barulho e distorção com vocal de monstro aqui:

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