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Música

Wayne Coyne, do Flaming Lips, Fala Sobre Miley Cyrus, Psicodelia e Deus

Essa entrevista foi foda.

Riot Fest 2014, foto por Nick Karp

Num camarim adaptado no Surf Lodge, em Montauk, Estados Unidos, Wayne Coyne está vestindo camiseta cinza, calças feitas de silver tape neon e um colar havaiano no pescoço. Não faz nem 15 minutos, o frontman do Flaming Lips estava fugindo pelo local, agarrado a enormes arco-íris infláveis da turnê Bangerz, de Miley Cyrus, evitando todo mundo que tentasse falar com ele. Completamente abilolado, Wayne adiou nossa entrevista três vezes por causa da passagem de som, e começo a desconfiar que a viagem de Manhattan até aqui foi um erro.

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Quando estamos prestes a começar, alguém do Surf Lodge chega apressado. "Antes, precisamos dar a guitarra de presente para ele". Meu contato de relações públicas, um promoter que já andou com gente como Bret Easton Ellis e Jay McInerney, tenta intervir, mas fica claro que tirar a foto ali é a grande prioridade.

"Achei que ia ganhar a vermelha", brinca Wayne ao ganhar uma D'Angelico toda preta, com numerosas garrafas de Stella e Jack Daniels espalhadas sobre uma mesa atrás dele. Todos trocam olhares, incertos de como reagir, antes que o concierge do resort sorria e pegue a guitarra vermelha que está pendurada na parede, a qual entrega para Wayne com um floreio.

"Bem melhor", ele sorri, dedilhando as cordas do instrumento com o polegar. Mais tarde, na mesma noite, Wayne se apresentará diante de centenas de jovens socialites de Manhattan, o sol se pondo atrás dele enquanto gigantescos balões cromáticos com a frase "Fuck Yeah Montauk" oscilam ao sabor do vento. Cantará feliz aniversário para uma garotinha de sete anos, erguerá uma tartaruga para os céus como se fosse o pequeno Simba, e voltará à infame bolha inflável que uma vez usou para surfar sobre uma multidão de fãs no Central Park.

Mas, nesse momento, ele vira para mim e abre um sorriso.

"Tudo pronto?", pergunta o iconoclasta, nos levando para fora, para conversarmos sobre Deus e Miley Cyrus, com o mar cintilando na distância.

Noisey: O que está achando de Montauk até agora?
Wayne Coyne: Bem, já estive em lugares como esse. Você já esteve no Hangout Festival? O que rola em Gulf Shore? Tem muitas paradas de festa, de festival, que acontecem nas praias; as pessoas adoram as praias no verão.

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Claro.
Estávamos em Seaside Heights noite passada, e lá de noite faz um friozinho. Em, digamos, Houston e Galveston e Alabama e tal, é quente. Quatro da manhã e você ainda está lá…

Suando.
Isso. É mais que você farreia e não fica se preocupando tanto. Aqui faz um certo frio, para mim, mas com certeza é lindo.

De onde surgem as músicas?
Acho que isso foi uma coisa que mudou com o tempo. A tecnologia e certas mudanças na indústria da música vieram ao nosso socorro. Quando começamos, em 1983, não sabíamos compor músicas; sabíamos ler coisas, e perguntávamos aos outros, e tocávamos acordes, tentando descobrir melodias. Não foi muito depois disso que as ferramentas de gravação nos caíram em mãos, essas coisinhas four-track que davam para usar em casa. Não vejo como uma pessoa, a menos que tenha um talento impecável para escrever de memória, possa lembrar de todas as pequenas nuances que a gente inventa. É preciso ter como gravar. Hoje, quando estamos em casa, gravamos provavelmente todos os dias. Eu descreveria da seguinte forma: a gente inventa uns sons muito maneiros, e depois coloca umas palavras em cima deles.

Você mencionou a evolução da música, e o modo como ela mudou.
Sim, mas acho que, para quem ama música, essas coisas todas só ajudam. Na minha avaliação, não sou músico de verdade. Essas batidas todas, esses sons novos, são maneiros pra caralho. Com certeza há músicas com uma carga emocional mais forte [que seriam mais] difíceis sem ter algum conhecimento sobre composição.

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Você diria que as mensagens na sua música foram se modificando junto com as mudanças em como ela é feita?
Quando fomos fazer The Soft Bulletin, em 1997, foi a primeira vez da banda em que um computador estava lá para lembrar transições sutis com deixas em mi e direções da distribuição do áudio. Acho que isso nos ajudou muito, porque estávamos ficando muito frustrados. No final, às vezes havia cinco ou seis de nós na mesa de mixagem, cada um cuidando de alguns faders. Lembro de contar – a música "Unconsciously Screaming", de 1989, mixamos mais de 200 vezes. Chega-se a um ponto em que, se alguém fizer merda na 150ª vez, é tipo "puta merda". Acho que se continuássemos a ter de trabalhar daquele jeito, a frustração nos teria enlouquecido.

Certo. Mas e em termos das mensagens que vocês estavam comunicando?
Foi da mesma forma, porque ficou, não digo mais fácil, mas passou a demandar menos tempo e energia, então fomos libertados. Acho que, no nosso caso e no de muitos artistas, não temos um plano do que vamos fazer. O melhor é só fazer um montão de coisas, com a consciência de que a verdade do que você é vai transparecer. Acho que, quando se tem sorte, como eu tenho, vai ter gente ouvindo o que você faz, que vai ter algum tipo de veredito sobre se é legal, interessante ou tedioso. Quando é você quem está fazendo, não acho que tenha uma consciência verdadeira disso; tem muita coisa que a gente faz num nível subconsciente. Os cantores não sabem; eles entram no mesmo ponto a cada vez em suas músicas, e pulam sempre nos mesmos intervalos, sem nem se darem conta disso, porque são muitas as coisas que fazem de modo instintivo. Então, para mim, estar sempre escrevendo junto com o Steven [Drozd] é maravilhoso, porque ele tem uma perspectiva ilimitada, ao passo que a minha é um tanto limitada. Acho que é uma ótima parceria, mas sempre ouço com atenção o que ele está fazendo, e ele sempre ouve com atenção o que eu faço. Existem, é claro, outras camadas de pessoas cuja reação dá para perceber, se estão empolgadas ou entediadas. Você toca para os seus amigos, e se a reação deles é: "Pô, muito bom…. Bora pra balada", você fica tipo: "Merda, não gostaram dessa" [risos]. Ninguém quer dizer que não gostou, isso nunca acontece, mas você tenta avaliar como a coisa desceu para eles.

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Quais são as reações quando você testa coisas de natureza mais experimental?
Acho que é isso o que provavelmente nos dá mais alegria, mas que mais faz o público ter vontade de vazar. Sempre faço uma analogia com comida: as pessoas querem que as paradas tenham gosto bom, que tenham uma boa textura, e se você fica brincando com ela o tempo todo, elas vão parar [de querer a comida]. Acho que algumas bandas e alguns artistas topam com uma coisa que eles simplesmente gostam de fazer. Eu pessoalmente não encaro isso como uma boa coisa, na verdade; depois de um tempo, me entedio de ficar fazendo sempre aquilo, e tenho vontade de tomar outros rumos.

Você obviamente aplica essa ideia aos seus shows.
O máximo que dá para fazer nós fazemos. No fim das contas, acho que existe um leve confinamento nisso de ser uma banda lá no palco, cantando as nossas músicas.

Mas vocês conseguem, e incrivelmente bem. Até mesmo hoje, tem todos esses objetos infláveis maravilhosos, e sequências elaboradas maravilhosas.
Muito obrigado! Bom, a gente gosta dessas coisas todas. Seria uma tortura ser obrigado a fazer isso se não quiséssemos, se não curtíssemos. A gente adora mesmo. Se você aparecer lá em casa, vai ver como a gente vive. Acho que esse é mesmo o verdadeiro segredo do superpoder de todo mundo; se você ama a coisa, é capaz de fazer e fazer e fazer sem parar. Mas, se não ama, vai estar sempre à cata de um motivo para dar o fora. É preciso curtir a parada. Se você curte, os outros curtem, e rola tipo uma propulsão coletiva.

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Foto daquela vez que demos uma câmera descartável para o The Flaming Lips no Rio Fest

Qual é o seu fascínio com a psicodelia?
Acho que é uma coisa aberta a tudo, entende? Todo mundo sofre influência das coisas, e por mais que tentemos fazer a nossa própria parada, certas bandas entram na gente, bandas como Pink Floyd e Beatles. Isso em parte por eles cantarem coisas com uma carga emocional verdadeira. Se você tem desejo de fazer isso, e não sabe fazer em forma de música, faz pintando ou de alguma outra forma, encontra o seu caminho. Para nós, é a psicodelia, mas mais porque nos permite alcançar uma compreensão emocional. Acho que as coisas de que mais gostamos são aquelas que acessam alguma emoção humana indizível. A música tem essa coisa de ir num crescendo. Se conseguimos realizar isso, ficamos mais satisfeitos do que quando não conseguimos.

Você está falando de alguma verdade mais profunda, espiritual?
Nem sempre. Acho que uma em cada cinco músicas, mais ou menos, deve vir do seu coração, seja lá o que for.

Nesses anos, você também participou de vários filmes. Quais são as similaridades entre os processos artísticos de criar música e de criar cinema?
Acho que o cinema, dependendo da escala a que você almeja, é colaborativo demais. É o mais colaborativo, mas também exige que alguém seja o ditador. Tem um cara que vai dizer "refaçam esta merda", e a palavra dele é lei. Todo mundo tem dificuldade de enxergar o todo. Quando se faz música, todo mundo consegue ouvir se a coisa está funcionando ou não, e todos estão juntos ali. Um cineasta que tenha uma visão, e que lide com escrever, editar, atuar e com os efeitos especiais… acho que é impossível. Não sei porque alguém simplesmente ia querer fazer filmes, a menos que seja o seu filme, e você esteja determinado a concretizá-lo. As coisas que faço, faço só porque são as minhas paradas. Não acho que eu faria pelos outros. Estou fazendo música com a Miley Cyrus, mas estamos meio que fazendo as nossas próprias músicas juntos. Ela está me ajudando a fazer música do Flaming Lips, mais do que, creio, eu a esteja ajudando a fazer música da Miley Cyrus. Faço tanta coisa, cara. É tipo, se você estivesse perto de mim a gente ia cortar a grama, fazer música, sair às compras. [Risos]

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Mas como é que chegou a rolar isso de vocês trabalharem juntos?
Eu meio que sabia, até mesmo nos últimos anos dela em Hannah Montana, a gente sabia que ela era nossa fã. Ela saiu de um meio em que as pessoas têm música no sangue mesmo. A gente ficava sabendo que ela era fã porque tuitava músicas nossas. Acho que foi depois de quando ela fez o twerk no VMA que ficamos muito mais interessados um no outro. Ela parecia inteligente, doida, e estamos gostando muito de algumas das nossas músicas. Não deixávamos que ela soubesse, mas quando me perguntavam – isso acho que por volta do final de 2013 – de quem eu gostava, eu sempre dizia: "Porra, eu amo a Miley". Eu nem sequer a conhecia; só achava que ela era fodona, sincera e divertida, mais que todas as outras mega coisas que estavam rolando. Acho que ela provavelmente sabia que, se me desse um oi, eu diria oi também. Eu sabia que ela gostava das nossas músicas, e ela sabia que gostávamos das dela.

Como foi o processo colaborativo com ela?
Varia. Às vezes estou sempre criando músicas, e no caso de algumas fico pensando "não… essa aqui vai ser dela, e vamos ficar com um pouquinho da música, com ela cantando." Costumo chegar com as músicas bem prontas, para dizer: "Olha isso aqui, e tem essas melodias para você cantar." Mas ela tem iniciativa própria, e às vezes diz: "não gosto dessa letra". E aí ela troca por letras dela mesma, e faz suas próprias versões das melodias, assim como estamos fazendo as paradas. É impossível chegar para as pessoas e mandar que elas criem alguma coisa na hora. É colaborativo num nível perfeito. Fosse mais do que é, você ficaria sentado do lado da pessoa enquanto ela fica lá pensando, tendo ideias. Trabalho acho que todos os dias, aparando aqui e ali, aperfeiçoando e fazendo pequenas modificações. Não é uma produção de fato, mas sim trabalhar com base nas ideias que nos inspiraram.

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Da última vez que trabalhamos juntos, estávamos com uma música para a qual já tínhamos escrito a letra, e ela ficou re-cantando e fazendo camadas de harmonias com base naquilo. E teve uma parte que simplesmente inventamos. Havia uma melodia, e ficamos brincando com ela por algumas horas, trabalhando e mudando as letras, e tirando alguns elementos. Agora que estamos com a música, vamos mudá-la, porque sabemos mesmo onde estão as pequenas nuances. Não tem nenhum caminho fixo; alguns trechos são pura sorte. Você está trabalhando numa coisa e o que achou que estava fazendo em uma música acaba indo parar em outra. É bem como desenhar. Se você está lá sentado, desenhando sem nenhum objetivo, o desenho alguma hora toma uma certa direção, e você vai atrás. Se você chegasse numa certa manhã e nós estivéssemos trabalhando numa música, você poderia voltar à noite e falar tipo: "Que caralhos aconteceu com a música?". A gente só passou para outro caminho. Não temos nenhum plano de fazer algo, fazemos o que parece massa naquela hora e é só. Mas ela é foda mesmo. Se você diz "vamos cantar", ela pega e canta a noite inteira. Ela farreia e canta. O que ela gosta mais de fazer é cantar, e em segundo lugar, farrear. Juntando essas duas coisas, fica uma maravilha.

Continua abaixo…

Tenho mais duas perguntas. As duas são peso-pesado.
Ah, maravilha. [Risos]

Você acredita em Deus?
Não da maneira que, acho, as pessoas religiosas normais, que odeiam gays, gostariam, de que houvesse tipo uma verdade fixa. Acho que, quando falamos sobre o que, acho, aquilo que as pessoas pensam quando se referem a Deus, elas estão falando da natureza e do universo. É muito difícil saber o efeito que isso tem sobre você. Mas, acho que, na medida em que fui ficando mais velho, aceitei algumas das minhas maneiras de ser e tentei modificar outras. Acho que, quando a gente era criança, mesmo frequentando a igreja, minha mãe sempre enfatizou a importância de descobrir as coisas por si mesmo. Sorte a nossa ter sido assim.

Deus, definido por meio da natureza.
Acho que Deus é isso aí mesmo, se você estiver aberto às experiências, e se estiver em busca da verdade. Mas, se não estiver, e se só quiser saber todas as respostas, é por isso que as pessoas tendem para a Bíblia e aquelas coisas todas. Mas minha vida não foi das mais difíceis. Meus pais não morreram quando eu tinha seis anos de idade, então não posso falar por alguém a quem isso tenha acontecido. Acho que, se acreditar em um Deus ou num Jesus ajuda você a superar essas coisas, por favor, quem sou eu para impedir, contanto que você não machuque ninguém.

Última pergunta. É das pesadas.
Não acho pesadas. Acho excelentes!

Qual você quer que seja o seu legado?
Não me importo. Entende? Faz muito tempo, paramos de nos preocupar com o que as pessoas pensavam de nós, porque a vida é curta demais. Quando o pessoal começou a fazer tatuagens, em meados dos anos 80, minha primeira reação foi: nossos discos são as nossas tatuagens. Eles vivem mais e por mais tempo do que podemos dar conta. Acho que, quando você faz música e tal, se tem sorte, algo lhe traz um feedback a respeito de como você é percebido no mundo. Acho que, mesmo com a nossa música "Do You Realize?", é melhor do que merecemos que seja. Ela afeta as pessoas de uma maneira que nenhum de nós jamais poderia ter concebido e realizado. Às vezes, por meio da simples popularidade, uma coisa adquire mais potência. Acho que, se isso tivesse acontecido conosco quando éramos mais novos, não teria sido verdadeiro, de algum modo. Temos o privilégio de cantar, e de ser aqueles que disseram aquilo no mundo. Isso é poderoso. Topo com pessoas o tempo todo, até hoje, que me dizem que a música foi tocada no funeral do irmão. Com sorte, esse vai ser o único irmão a morrer, mas ainda assim, não é pouca coisa.

É um negócio forte estar associado com um fato tão pesado na vida de alguém. É uma honra, na verdade.
É, sim. Quando você ouve alguma coisa numa música e sente que aquilo ajuda, ajuda a seguir em frente, é tipo – cara!. E ter mesmo que poucas músicas nossas capazes disso é algo que nos torna mais humildes. Por sorte, não sabemos como fazer isso. A gente só escreve as músicas e faz o que gosta. Capaz da gente conseguir fazer mais algumas, mas quem sabe? Não fico pensando muito no assunto.

Tradução: Marcio Stockler