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Música

As Mulheres Podem Ter Tudo: Uma Entrevista com St. Vincent

Linda, talentosa e esquisita, Annie Clark não sabe muito bem das Spice Girls, mas lembra da primeira música que compôs aos cinco anos de idade.

“Adorei sua bolsa de gato. Ah, suas bolsas de gatos”, disse Annie Clark para mim logo antes de eu sair da sala de um hotel onde acabara de entrevistá-la. Confesso, a escolha da(s) bolsa(s) foi levemente estratégica: costumo receber elogios com elas e queria saber se causariam algum efeito na mulher que se apresenta como St. Vincent e é uma das melhores artistas de rock dos tempos atuais.

Annie andou dizendo muito na divulgação do álbum mais recente, St. Vincent (2014), sobre como ela é uma weirdo e os cabelos, então recém-pintados de cinza, eram apenas a expressão externa dessa personalidade que ela carregava há tempos. Mas ao vê-la pessoalmente você toma a real dimensão dessa estranheza: Annie é simpática, mas enigmática; esquece as perguntas, divaga nas respostas, começa a viajar enquanto fala e aí ri por estar viajando muito. Os cabelos, no entanto, voltaram à cor castanha natural.

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“Foi a melhor entrevista”, ela me disse ao finalizarmos, e saí incomodada com essa declaração. Estaria ela sendo irônica, já que se confundiu em alguns momentos e deu a resposta mais bizarra a uma pergunta sobre as Spice Girls, ou eu realmente mandei benzão ao falar com essa mulher que admiro tanto? Um mistério que fica, junto com as perguntas não respondidas que sobraram no meu caderninho de anotações.

O tempo foi curto, então não sei dizer se ela está realmente pegando a Cara Delevigne ou se ela destruiu o backstage do Lollapalooza Chile. Sei que ela fica muito bem no look gótica suave, com saia de couro por cima de um vestido cheio de buracos, meia-calça e salto alto, tudo preto. E que ela é a prova de que as mulheres podem ter tudo; que é possível ser talentosa e feminina; que dá para ser respeitada e poderosa e impositiva sendo simpática e divertida. Ah, também sei que ela passou mal de tanto comer doce aos cinco anos de idade, e então fez sua primeira música sobre crianças perdendo a fé (?!).

O lance da Digital Witness Tour é tratar o show como um grande espetáculo: tem coreografias, figurino e performance pensados em conjunto com as músicas, para ressignificar o último álbum e atrair o público ao ponto de eles nem pensarem em ficar olhando/tendo experiências com o celular o tempo todo. St. Vincent se apresenta no Lollapalooza em São Paulo no sábado (28), continuando uma pequena primeira turnê pelo Brasil que passou por Rio e Belo Horizonte.

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Isso foi o que eu tirei dos meus dez minutos com Annie Clark:

Noisey: Você tweetou sobre estar emocionada em abrir o show do Robert Plant no Rio, você é muito fã de Led Zeppelin?
Annie Clark: Sim.

Como foi?
Foi maravilhoso. Às vezes tem esses momentos que você realmente precisa… Que seu coração fica restaurado pela música. Eu precisava daquilo. E ele mandou muito, foi ótimo.

Você costumava tocar Led Zeppelin quando estava aprendendo a tocar guitarra?
Sim! Devo saber [tocar] pelo menos umas 20 músicas do Led Zeppelin. Uma coisa que gostamos de fazer quando estamos passando som é tocar umas músicas do Led Zeppelin, mas sempre acaba meio que dando errado. Mas sim, é uma banda incrível. Ótima seção rítmica. E o Robert é um sonho.

Depois que assisti a um vídeo, acho que era do Pitchfork [na verdade é da 4AD], eu tenho essa imagem na minha cabeça de você, usando um vestido bonito, maquiagem linda, e você pisava nos pedais com salto alto, e eu pensava “meu Deus, isso é muito maravilhoso!”. Isso resume a minha imagem de você, uma mulher poderosa que toca guitarra pra caralho e mantém sua feminilidade. Você se vê como uma inspiração para as mulheres, especialmente na música? Às vezes as mulheres sentem que precisam ser agressivas para ganhar respeito.
É uma questão de o que é o poder, onde o vemos e como ele é visto nas pessoas. O poder pode significar tantas coisas diferentes. Na minha cabeça ele não tem gênero, mas infelizmente grande parte do mundo pensa que o poder é pegar a cara de alguém e esfregar na lama, chutar os dentes… Tem outra coisa também. A música é muito poderosa, mesmo sem ter que subjugar ou explorar as pessoas. É por isso que faço música. Fico emocionada, extremamente emocionada, quando ouço garotas dizendo que tocam guitarra porque me viram tocando guitarra, ou se sentem empoderadas a fazer o que quer que elas queiram fazer, como elas querem fazer, porque elas se sentem inspiradas pelo que eu fiz. Porque foi o mesmo comigo. É assim que continuamos fazendo arte, e a inspirar as pessoas, e retribuir ao consciente coletivo. Esta foi minha longa resposta.

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Esta foi minha longa pergunta [risos]. Assim como o Sleater-Kinney, você é uma das poucas artistas descritas como “melhor banda de rock” e não “melhor banda feminina de rock”. Você acha que as coisas estão mudando nesse sentido? Às vezes sinto que as pessoas tratam como um milagre quando uma mulher sabe tocar e fazer música.
Tem tanta música boa por aí, e tanto dela é feita por mulheres. Apesar de eu não pensar na música no aspecto do gênero, a coisa a se desvendar nessas afirmações são as suposições feitas nelas. Você não diz “melhor banda de rock masculino”, não existe esse qualificador. Não deveria ter um qualificador em nada que as mulheres fazem. Não é como se fôssemos aleijadas. Até onde eu sei, meus dedos e meu cérebro estão joia.

Seus últimos álbuns foram considerados art rock, o que você acha desse rótulo?
Não penso em rótulos. Eles são mais para a imprensa organizar e diferenciar, ou para atacar. Às vezes ouço o disco e penso “nossa, eu chupinhei o Parliament nesta parte, espero que ninguém repare”.

Sua evolução musical é bem clara ao longo da sua carreira. Como foi esse processo para você, pessoalmente? Como você foi definindo seu som e seus objetivos musicais ao longo dos anos?
Acho que só tentei fazer músicas que importassem para mim, que eu gostasse. Tive sorte de conseguir desenvolver um estilo e uma voz em meus discos… E é meio extraordinário que, nesta época, as pessoas ainda estejam prestando atenção nisso. Eeeeer eu esqueci sua pergunta. [Risos] Desculpa. Tudo bem. Como foi para você esse processo de ir mudando e evoluindo ao longo de seus álbuns?
Parte dessa evolução é consciente: eu quero isso, isso e aquilo, e quero ver como esses ingredientes soam juntos. Mas parte disso é apenas experiência de vida, você não consegue quantificar ou esperar isso. A vida acontece. A vida acontece e você se apaixona, sofre, passa por grandes perdas. E é natural você colocar isso na arte. Não há como você fazer o plano perfeito. Peraí, isso é uma letra de música? Acho que acabei de citar uma letra minha, mas nem sei de que música é. [Risos] Ok, é isso, desculpa. Deveria estar citando uma música da Madonna. You can’t hurt me now. [Risos]

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Você se lembra da primeira música que compôs?
Sim, me lembro da primeira música que compus.

Quantos anos você tinha?
Tinha cinco anos, e estava numa viagem com a família da minha madrasta para uma cabana na floresta, saindo de Tulsa, Oklahoma para Minnesota. Uma daquelas vans horrorosas da Chevrolet, bem anos 90. Eles foram no Sam’s Club e fizeram a compra mais gigantesca-obesa-diabética. Cookies, minhocas de gelatina, um monte de doce para manter as crianças entretidas no banco de trás. Estavam vários primos meus, minha irmã. Em um desses trechos intermináveis na estrada, e… acho que minha tia postiça vendia Amway [risos]. Era aquela coisa, Sam’s Club, Amway, um monte de crianças querendo assistir Guerra nas Estrelas. De repente alguém começou a vomitar, tava com gastroenterite [risos]. Eu e minha irmã Mary fomos as últimas a não ficarem doentes, então fizemos uma música juntas pra distrair. Pior viagem. Foi a pior viagem.

Sobre o que era a música?
Estranhamente era sobre crianças perdendo seus sonhos, crianças não tendo nenhum sonho… crianças perdendo a fé [risos].

Você está sempre na capa de seus discos, existe uma razão para isso?
Bem, o Bowie fez isso. Dylan fez isso. Não sei, todos os meus heróis fizeram isso.

Última pergunta: qual a sua Spice Girl favorita?
Qual a minha Spice Girl favorita? Bem, HPV Spice. [Risos] Ela é minha favorita. Herpes Spice. Desculpa, não lembro qual é qual.

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Bem, tem a Sporty, a Ginger, a Posh…
Aquela com o cabelo [faz gesto com a mão indicando um cabelo volumoso].

Ah, a Scary Spice.
Scary? Por que ela é Scary?

Hm, não sei explicar bem, porque ela era barulhenta e espalhafatosa?
Ah sim, imprudente. Amedrontadora. Bem, essa foi a melhor entrevista que fiz. [Risos] Desculpa.

Taís Toti prefere a Ginger Spice, como você pode ver no Twitter.