FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Dei um Unicórnio de Pelúcia Cor-de-Rosa Para o Marilyn Manson, e Ele me Deu Dicas de Sexo

É difícil ver como alguém tão obviamente brincalhão poderia ser considerado o grande arauto da extinção da sociedade.
Emma Garland
London, GB

Encontro Marilyn Manson no seu quarto de hotel, em Kensington. Depois de apertarmos as mãos, ele dispara pelo quarto, tentando decidir se senta no sofá de três lugares ou em uma das duas poltronas, enquanto seu empresário tenta persuadi-lo a largar o copo que tem na mão. Por fim, ele se instala no chão, com as pernas dobradas embaixo do corpo. Eu sento de pernas cruzadas em uma poltrona. A vibe é levemente a de uma sessão de terapia infantil e, nesse momento, é difícil ver como alguém tão obviamente brincalhão poderia ser considerado o grande arauto da extinção da sociedade.

Publicidade

Mas, desde o lançamento de seu primeiro disco, Portrait of an American Family, em 1994, Manson ocupa um espaço em que sexualidade, violência e ameaça pública se confundem. Ele teve de lidar com uma quantidade extraordinária de críticas, desde alegações de má conduta sexual até levar a culpa por 36 atentados a tiros em colégios, incluindo o massacre na Columbine High School, em 1999. Quando se é metralhado por ações judiciais coletivas num ritmo que humilharia o próprio Napster, a qualquer pessoa ocorreria a ideia de se controlar um pouquinho, mas não Manson. Não, em vez disso, ele se tornou um pastor da Igreja de Satã, passou a se chamar de Deus da Foda e, mais adiante, de Anticristo, só pra garantir que ninguém da direita cristã tivesse qualquer dúvida sobre sua afiliação religiosa.

Mas, quando a carreira de um artista fica tão mergulhada na percepção de que tudo "é só pra chocar", a evolução pode se tornar algo difícil. Entre 2007 e 2012, Manson lançou um trio de discos comparativamente estagnados, um dos quais incluindo um single chamado “Arma-Goddamn-Motherfuckin-Geddon”. Porém, em sua maior parte, a obra de Manson põe um espelho na frente da cultura pop de maneira a refletir bem em sua cara o que ela tem de pior, enquanto ao mesmo tempo fornece uma barreira por trás da qual podemos dar uma boa risada de nós mesmos.

Eu, como todo mundo, estava interessada em saber onde acabava Brian Hugh Warner, o jovem jornalista especializado em música, nascido em Canton, Ohio, e onde começava Marilyn Manson, o cross-dresser que esfrega as próprias partes íntimas nas cabeças de seguranças só para se divertir. Mas o homem que conheci se encontrava em algum ponto entre os dois: Marilyn Manson, proprietário de uma nova casa, espectador de séries de TV americanas do horário nobre como Hannibal e Sons of Anarchy (da qual ele participou), noivo e pai de uma gata que deve ser sempre chamada pelo nome completo, Lily White, porque "ela odeia a C-word" (C-word é a maneira eufemística de referir-se a "cunt" [buceta], considerada uma das palavras mais ofensivas da língua inglesa). Essa mudança de estilo de vida, suave, mas notável, parece ter surtido um efeito positivo sobre The Pale Emperor, seu décimo disco de estúdio, e possivelmente o mais decente desde Antichrist Superstar, de 1996.

Publicidade

Durante toda a entrevista, ele muitas vezes muda de assunto, levando a conversa para onde quer que lhe dê na telha, o que faz lembrar a sua carreira como um todo.

A caminho de ir encontrá-lo, nós (eu e Kylie, a editora de moda da VICE) achamos que seria uma boa ideia levar um presente, para quebrar o gelo. E quando digo presente, quero dizer um gigantesco unicórnio de pelúcia que compramos em uma loja de cartões na estação Liverpool Street. Ele o tira da sacola com duas mãos vestidas em luvas de couro preto, diz: "que porra é essa?", e então se recusa a largar o unicórnio pelos trinta minutos subsequentes.

Noisey: Qual foi o presente mais bizarro que você já ganhou? Por favor não diga que é esse.
Marilyn Manson: Foi esse. Não, mentira. Acho que a coisa mais bizarra que já ganhei de presente foi o cabide de Hitler.

Pera, como é? Foi de amigo secreto? Quem te deu isso?
Ao que parece, um médico que realizava abortos. Não tenho certeza. Vou tirar as luvas agora, o que talvez seja um sinal de perigo.

Vou correr o risco. Então, a sua nova música, "Third Day Of A Seven Day Binge" poderia ser interpretada como um exagero daquele estereótipo que fazem de você, como um cara que fica jogando a vida fora.
E o que tem de errado com isso?

Nada. Mas você acha que alguma vez já te entenderam mal?
Acho que você pode ser entendido de diferentes maneiras por todo mundo, ser mal entendido não é possível. A menos que Understood seja o seu sobrenome. Olá, Miss Understood ("sra. Understood", mas também "misunderstood", mal entendido). Seria uma merda casar se seu nome de solteira fosse Understood. Acho Rachel Slur (que soa como "racial slur" – "ofensa racial") um bom nome.

Publicidade

Você acabou de inventar isso, nesse minuto?
Claro.

Então, a música…
A música é estranha. A primeira crítica da música disse: "é deprimente no mesmo tanto que é difícil de tirar da cabeça", e eu gosto disso. E deu cinco estrelas para a música também, o que é bom. Não gosto de críticas, a menos que sejam positivas. Então, enquanto escrevia a música, eu estava num estado mental completamente diferente. Estava pensando: "isso aqui vai ajudar muitas garotas a completar a faculdade, caso elas sejam strip dancers".

De que maneira?
Quer dizer, em parte por causa do ritmo e da batida. Mas a música poderia ser interpretada, superficialmente, como sendo sobre drogas ou sobre um relacionamento que deu errado. Ou uma coisa bíblica. Essa é uma parte que acho que muitas pessoas não prestam atenção – a ideia muito simples do que aconteceu na Bíblia no terceiro dia, Jesus se erguendo dos mortos, etcetera e assim por diante. E digo "etcetera e assim por diante" porque fico puto quando as pessoas dizem "etcetera" mais de uma vez. Tanto que eu tatuei essa porra no meu pulso. Portanto, é capaz que eu nunca consiga me matar, porque estragaria a minha tatuagem. Como sempre digo, cortar de lado a lado para conseguir atenção, e cortar de comprido para conseguir resultados. Eu me matar não vai rolar. Nunca.

A sua carreira muitas vezes foi avaliada em termos do quanto você chocava todo mundo. Acha que as pessoas hoje em dia se ofendem mais facilmente? Quando artistas como você e o Slipknot estavam em ascensão, as pessoas diziam tipo: "ai meu deus eles tão falando de Satã e de cocô e de gozo." Mas agora é mais tipo: "ah, essa não, Justin Bieber ultrapassou levemente o limite de velocidade."
E ele não gozou nem cagou?

Publicidade

Imagino que sim, mas não naquele momento específico.
Contam uma história de que eu tinha feito o Zac Efron cheirar uma carreira de cocaína em forma de suástica.

E é verdade?
Não posso negar nem confirmar essa história, mas é engraçada. Digo, a questão sendo que não se pode fazer um disco de rock 'n' roll sem ter alguma cicatriz, física ou emocional.

Como são as cicatrizes rock 'n' roll?
É preciso passar por um processo. Eu odiava o rock 'n' roll quando comecei. Era o auge do grunge, e muitas bandas que eu costumava chamar de "rock comum-nista", porque todo mundo queria ser como o homem comum, usando camisa de flanela, e tinha o Pearl Jam e sua luta contra o Ticketmaster e essa bosta toda. O Nirvana era diferente. Essa foi uma das primeiras bandas que cobri como jornalista, e vou te dizer que eu criei o termo "grunge", numa resenha de Bleach. De nada.

Do que você não gostava naquela época do rock?
Sempre fui fã do The Doors, e se você olhar a história do rock 'n' roll – Elvis, Jim Morrison – nada nunca mudou, sempre foi tudo a mesma coisa. Tenho orgulho de ter nascido em 1969, porque foi o ano em que pela primeira vez colocaram em cima de um disco a culpa por atos violentos. O White Album, dos Beatles. Charles Manson apareceu na capa da revista LIFE. Altamont acabou com o Verão do Amor, por causa do Hells Angels. Participei de Sons of Anarchy e sou amigo de gente que talvez esteja, talvez não esteja, no Hells Angels, mas que com certeza pilotam umas motos. E aquela foi uma época em que tudo mudou por completo. Foi dali que eu surgi, e não acho que muita coisa tenha mudado. Você pode enfeitar a coisa para parecer diferente, mas vai ser sempre a mesma coisa, e eu simplesmente não gosto de gente que tenta fingir ser algo que não é. Isso poderia facilmente soar como baboseira, vindo de mim, eu aqui segurando um unicórnio e usando batom, mas quem quiser lutar contra mim, que venha pra cima. Eu fui espancado da maneira tradicional, não foi cyber bullying. Quer saber como faz para resolver o cyber bullying? É só desligar o computador. Eu fui espancado no ponto de ônibus.

Publicidade

Voltando a falar de cultura moderna e censura. Você acha que a gente perdeu a capacidade de se chocar?
Percebo que, nos filmes, trabalhando em Sons of Anarchy, me contaram coisas estranhas, tipo que na televisão só se pode penetrar analmente um homem por três estocadas seguidas, ou só se pode dar três facadas no pescoço de alguém. Mas fiquei empolgado, acho que dei umas seis facadas no pescoço. Estocadas na bunda, não tantas. Mas são regras estranhas, essas. Não tenho certeza de que é uma coisa sanitizada, porque é tão mais violento do que costumava ser. Não lembro de crescer vendo coisas assim. Hoje você liga a TV e é tipo: "ah, o cara com tatuagem de suástica está comendo o cu daquele outro cara e daí esfaqueia ele, FIM. E ele também é o Marilyn Manson, todo bonitão, usando barba."

Você está com um novo disco para sair agora. A nova faixa tem uma certa vibe Southern Gothic. Pode falar mais sobre isso pra gente?
Obrigado, porra, você é a primeira pessoa a perceber isso. A música foi feita por Tyler Bates. Eu às vezes toco o tamborim – bem, um frasco de hidrocodona – e acho que o teclado, talvez uma ou duas vezes. Mas basicamente eu só cheguei e conheci o Tyler, e entre nós surgiu um vínculo estranho, em que ele sentava a essa distância de mim e dizia: "escuta, eu tenho uma ideia". E eu pegava o microfone, colocava o fone de ouvido, e simplesmente cantava. E na maioria das vezes era a primeira vez que eu estava ouvindo a música.

Publicidade

Isso parece intimidante.
Tudo isso que estou contando vai parecer um filme de pornografia homossexual, mas foi um jeito meio estranho de fazer um disco pra mim. Tive que virar meu mundo inteiro de ponta cabeça.

Em que sentido foi estranho?
Comecei a trabalhar no disco no mesmo dia em que fui olhar uma casa que ia comprar. Fazia três anos que eu estava vivendo só com a minha mala. Estava olhando essa casa e me apaixonei imediatamente por um salão que parecia muito com o escritório do Hannibal, da série de TV. Eu me apaixonei imediatamente por aquele salão. A pessoa que estava morando lá era o cara que atirou por acidente no Brandon Lee, no filme O Corvo. Daí eu passei dessa casa para o estúdio do Tyler Bate, e gravei a música "Birds of Hell Awaiting", e quando fui dar uma mijada vi a trilha sonora de O Corvo 2 no banheiro e pensei, beleza, isso aqui não pode ser coincidência. Isso faz parte do todo. Então me mudei para a casa e comecei a trabalhar no disco, e nós o concluímos em quase literalmente, é uma contradição dizer isso, provavelmente exatos nove meses.

Qual é o último tabu?
Em termos culturais, não sei se existe um último tabu. Acho que, na verdade, todos eles já foram explorados até o último grau. Mesmo quando você assiste séries tipo Law and Order ou CSI ou outras desse tipo, e zoam com elas em outras séries, porque é tipo: sêmen! Estupro de crianças! Encontrar um cadáver! Cabeça decapitada! Essas coisas todas. Não sei qual seria o último tabu hoje em dia, mas também não estou à procura dele. Odiaria ser a pessoa que descobre qual é o último tabu.

Publicidade

Conte alguma coisa que a maioria das pessoas não sabe sobre você.
As pessoas talvez não saibam que eu parei de beber absinto.

Você não tem a sua própria marca de absinto?
Sim, mas eu pessoalmente parei de beber, por vaidade. Tem muito açúcar. Senti que aquilo realmente me atrapalha a manter uma forma boa o suficiente para arrebentar a cara de alguém. E, sabe como é, quando se está em forma o pau fica parecendo maior. Absinto é o mesmo que ter alguém com mãos pequenas segurando o seu pau… quando você não bebe. Você está me deixando nervoso. [Para o unicórnio] Eu vou ficar agarrado nisso aqui todas as noites. É meu travesseiro. Espero que ele não tenha um ânus.

Então, você é o autoproclamado Deus da Foda. Tem alguma dica de sexo para dar?
Não fode comigo.

Isso é uma dica de sexo?
Talvez seja. Se você está se referindo a um ménage ou, tipo, sabe como antigamente, nas guerras civis, as pessoas tinham que ficar numa fila segurando armas, e elas diziam "atacar!". Se o sexo fosse assim, eu diria não fode comigo, porque eu talvez seja um pouco mais estilo Coração Valente. Eu ia apelar mesmo. E não é uma boa tomar um tiro. Na cara. Enquanto está fodendo comigo.

Você acabou de se fazer rir.
Haha. Sim, foi.

Algo mais?
Um canivete transforma qualquer calcinha em fio dental. Esse é o verdadeiro secret da Victoria.

Você disse, numa entrevista recente, que o racismo é uma palavra inventada, então, considerando tudo o que está havendo em Ferguson, eu gostaria de saber o que você acha que "racismo" significa hoje.
Isso ficou esquisito quando tiraram de contexto, mas gostei de repentinamente virar o professor de etimologia por um instante. O que eu acho é que não existem palavras que, sendo eu uma pessoa branca, possam me ofender. E também não acho que, se você diz uma palavra que é vista como ofensa racial, ela é sempre ofensiva. Se a coisa não é dita com malícia, só é racista na medida em que dá poder à palavra. Se você pegasse um monte de letrinhas de um jogo de palavras cruzadas de tabuleiro, e jogasse em cima da mesa e elas formassem uma palavra, ela deveria ser considerada racista? Eu acho que não. Era a isso que estava me referindo quando disse que "o racismo é uma palavra inventada". Acho que, nesse momento, eu provavelmente diria que as pessoas que mais se ofendem com comentários de natureza racial, ou acontecimentos de natureza racial, ou coisas que são criadas para causar polêmica na televisão não são as pessoas afetadas por eles. Costuma ser um telecaster de pele branca. Pera, telecaster, isso é uma palavra que existe? Não, é uma guitarra.

Você quer dizer "broadcaster" (apresentador de televisão ou rádio)?
Isso. Acho mesmo que é uma ignorância fazer generalizações a respeito de qualquer coisa. Podem me chamar de misógino, às vezes, talvez, mas você encontra uma pessoa individualmente e diz "oi", e essa é a diferença entre mim no palco e fora do palco. Fora do palco, estou conversando com pessoas que conheço. No palco, estou cantando para pessoas que não conheço ainda. Isso se aplica a toda a minha incapacidade de ser julgado ou julgar alguém. Eu não saio por aí levando um martelo de juiz. Se eu fizesse isso, só usaria para bater em gente que me julgasse. Eu reagiria.

The Pale Emperor vai ser lançado no dia 20 de janeiro de 2015, pela Hell, etc.

Siga a Emma no Twitter: @emmaggarland

Tradução: Marcio Stockler