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Música

Apesar da Crise, o Hominis Canidae está a todo vapor

Há sete anos no ar e com mais de 4.800 postagens com indicações de novas bandas, o blog vislumbra um novo começo: a produção de eventos.

Poster do Festival Uivona Torre Malakoff, que acontece em Recife nos dias 17 e 18 de junho. Arte pelo Estúdio Tampa Design Foi durante o breve rompante de altruísmo do livre compartilhamento de arquivos nas redes sociais que o blog Hominis Canidae começou (curiosidade: o blog tem esse nome por causa desta música da saudosa banda paulistana de pós rock Eu Serei a Hiena). Na primeira década dos anos 2000, não havia ambição de promover páginas, ganhar likes e faturar com engajamento. Assim, um entusiasta anônimo com um avatar de homem-cão compactava discos inteiros e os disponibilizava para download. Todo mundo saía ganhando: os artistas ganhavam público, o público conhecia mais artistas. “Era lance de contracultura, o lema era: conhecimento não se compra, se toma. Mr Robot existe”, diz Diego Albuquerque, fundador do site. “Ninguém pode ser feliz sem música, tu não acha não?”

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Hoje, um septênio depois, com quase 5 mil postagens diárias sem descanso (“Acho que devem ter de 5 a 10 dias sem postagem em sete anos”), Diego já está noutra fase da vida. Com a paternidade, o peso das responsabilidades aumentara consideravelmente para ele. O momento de fazer o blog criar asas e voar por conta própria chegou. “Durante um tempo, o blog tomou muito minha vida. Hoje em dia eu não fico perdendo tempo com ele. Acho foda, mas se ninguém ajudar o rolê, ele para”.

Foi assim que ele decidiu transformar este último suspiro no fôlego necessário pra avançar um degrau acima. A partir do próximo sábado (11) o mês de junho fica pequeno para tanto evento organizado pelo blog, em parceria com casas de show e iniciativas culturais. Vai vendo:

O primeiro dia tem o UIVO JAMPA, em João Pessoa, na Paraíba, com Inner Kings (PE), Koogu (RN) e Vieira (PB). Ainda rolam showcases com o pessoal da TUNTSTUM, selo eletrônico bacana de Jampa. No dia seguinte, domingo (12), tem um Palco UIVO dentro do Circuito Ribeira em Natal, no Rio Grande do Norte. A partir das 17h irão se apresentar: Inner Kings (PE), Ubella Preta (PB), Astronauta Marinho (CE) e Quint! (RN). Dia 16, em parceria com a NHL rola um HC Apresenta em Salvador, Bahia. Por lá, irão rolar os shows da Aldan (MG), pela primeira vez no nordeste, Ricardo Eletrico (BA) e Rosa Idiota (BA). Dia 16 também rola um HC Apresenta na Casa do Mancha, em São Paulo. Por lá tocam: Afro Hooligans (SP) e D_M_G (projeto eletrônico da Rieg de PB). E não acabou: dia 17 rola um UIVO EM MACEIÓ! em parceria com o Coletivo Popfuzz Records, com shows da Inner Kings (PE), Bad Rec Project (AL) e Aldan (MG). Por fim, dia 18 rola o UIVO de Aniversário na Torre Malakoff no Recife, em parceria com o Dia da Música. Vão ter oficinas, bandas, mesa redonda e uma pá de outras fitas. No mesmo dia 18, parceria com o Dia da Música e a Dissenso Lounge, rola o #UIVODISSENSO em São Paulo. Shows de: Rieg (PB), Sentidor (MG) e Futuro (SP). Os dois roles do Dia da Música são de graça. Além disso, as vendas de camisetas e ilustrações na loja online seguem abertas. Ufa!

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Por tanta coisa estar acontecendo num único mês, fomos atrás do Diego pra trocar um ideião e entender o que o motivou a dar esse passo significativo. Mesmo incerto sobre o futuro, ele não larga mão da esperança: “A música nunca vai morrer, eu e você vamos. Espero que sempre tenha alguém disposto a dividir e mostrar som novo pros outros, e não tô falando do Spotify e da Globo com o Superstar. É muito mais real que isso”. Na mais pura paciência paterna, ele nos contou a história desde o começo, detalhando tintim por tintim o caminho das pedras pra quem tem interesse em fazer as coisas acontecerem por conta própria. Por fim, revelou: “Talvez seja até um grito de socorro do blog”. Acompanhe a entrevista abaixo: (Ilustração para a primeira coletânea do blog. Arte por Krysna Nóbrega)

Então, me explica como o blog começou.
Hominis: O blog começou porque eu sempre fui em show e comprei CD de banda underground, mais punk e HC. Terceiro Mundo Records, Teenage in a box, etc. E era adolescente, então eu comprava um, o amigo comprava outro, pra depois trocar, ripar em mp3 e geral ter tudo. Só que eu nunca fui um cara muito tecnológico e demorei uma data pra ripar discos e a lista de pedidos aumentava. Em Junho de 2009, tava de bobeira num feriadão com muita chuva e ripei uns 30-40 discos e mandei numa mega lista de emails. Quem eu lembrei que tava devendo algo eu coloquei na lista. Ai alguém sugeriu criar um blog e virou o Hominis depois de tentar alguns nomes. Como tinha muito material que ninguém tinha, o povo meio que enlouqueceu no Orkut. Começaram a mandar links e aí o negócio virou o que é hoje. A minha ideia era utopia de internet livre e um deposito de discos online pra qualquer pessoa no mundo, quando quiser escutar, ir lá e baixar. Sou fofo.

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E explodiu no Orkut rapidão.
Hominis: então, tinha muita coisa que na época não tinha na net, cara de banda pirou dizendo que nem ele tinha aquilo e foi uma choradeira incrível. Praticamente o Ayrton Senna ganhando a corrida e aquela música rolando. E muita gente começou a mandar link, porque sempre fui pró-democracia true, que é basicamente partir pro consenso anárquico de que a informação e a arte não pertencem a ninguém. Hoje em dia eu digo que meu filho não pertence a ninguém, que ele é do mundo. E o orkut era massa, mais clean e organizado, com comunidades, etc. O Orkut, o cara lá de nome estranho, manjava de redes sociais e o Zuckerberg manja de ganhar dinheiro. Lá era mais fácil achar o público interessado. Por isso explodiu.

E hoje você se considera um herói veterano do indie br?
Defina: herói, veterano e indie br.

HERÓI: você fez a preza pra uma galera. VETERANO: na época do Orkut. INDIE BR: bandas brasileiras que não tem muito destaque, fora do radar.
Po, o Brazilian Nuggets fazia isso muito melhor que eu e ripava vinil, que é um troço bem mais complicado. Eu apenas gosto de um tipo de som ou vertentes que as pessoas se identificam e eu tinha contatos na net que eram bons e influentes. Ter idade ajuda também, e dei sorte de estar rolando uma crescente do mp3 na época, de ter uma coleção de CDs, EPs, etc. Além de usar Soulseek e mais importante, gostar o bastante de música. Principalmente gostar e deixar a música falar. O Hominis era um cachorro, ninguém sabia quem era o cara ali. Só sabia que a música era massa e queria contribuir praquilo. Eu nunca curti muito aparecer, pra começar a responder perguntas e organizar o Hominis foi mo rolê. E a internet é um mundo maravilhoso onde os nichos se reforçam sempre, diferente do topo, onde um quer derrubar o outro.

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(Ilustração para a coletânea número 68. Arte por Lane Firmo)

Verdade. E sobre organizar o Hominis, como foi essa treta?
A internet também pune, daí postar gringo derrubou conta de Mediafire, derrubou o Megashare, derrubou o Blog. AÍ a gente decidiu que seria apenas nacional, por mais que não faça sentido o Sheriff [Web Sheriff, um programa baseado numa lei de defesa de direitos autorais que derruba conteúdos da internet] derrubar uma banda bizarra e obscura da Groelândia por ser gringa. Dai veio o lance do uso da MP3 de qualidade, o uso e a importância da tag, essas coisas. E do mesmo jeito que as pessoas se exaltam e ajudam, elas somem. Com menos gente ficou mais fácil de organizar. Mas a essência continua a mesma, todo mundo é Hominis, por isso org, pelo caráter ONG também. Um mundo melhor depende de nós, blablabla. Ninguém pode ser feliz sem música, tu não acha não? O mp3 e mais uma vez a internet veio ajudar a uma galera se encontrar e mais importante, ter acesso e alternativa para conhecer coisas novas. Então a gente resolveu abrir o email pra mandarem discos e a gente arrumava tudo sozinho, por respeito a música e ao artista. Talvez isso explique as bandas gostarem do blog.

Pode crer. Mas antes de falar das bandas, vamo abrir parênteses aqui: essa sua brisa de internet livre, música pra todos, começou quando?
Sei lá, não é música, é informação e cultura. Acho que comigo começou com o p2p, soulseek da vida. O coletivo Sabotagem revoltz que nem sei onde estão. É um lance de contracultura, o lema era: conhecimento não se compra, se toma. Mr Robot existe, e na internet não interessa onde ele começou. Ninguém liga pra história. Liga mais pro momento, talvez pro fim. Mas partindo de mim, eu sempre fui muito de troca, então a informação deve ser passada, a cultura também, a música também. Sempre achei massa a sensação de primeira vez ao ouvir alguma coisa, quando não podia mais ter, fazia outros terem e contemplava isso. Deve ser alguma doença, sei lá. Tu fez jornalismo por um motivo parecido, acho que todo jornalista é meio assim em algum momento.

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Sim, concordo. E quanto tempo faz desde a primeira postagem?
Faz sete anos no final de junho, não sei a data. Só sei a data do nascimento do meu filho, meu casamento e aniversário da mulher. Chega uma hora que você precisa selecionar as informações que ficam, mas se for pra última página do blog tem a data mais atual que o mesmo link é o usado. Soma uns seis ou sete meses a isso. A gente posta todo dia. Ser consistente ajuda. Acho que devem ter de 5 a 10 dias em sete anos sem postagem. São mais de 4800 postagens, se não me engano. E as bandas sempre contribuíram? Rola uma curadoria?
A maioria das bandas sim. A galera curte. Não rola uma curadoria no blog, acho que rola mais um direcionamento. Quem sou eu pra dizer o que é bom ou ruim? O que eu posso é dar a opção. Quem escuta, decide se agrada ou não. A curadoria ou direcionamento vem nos posts particulares que fazemos, na escolha das faixas das mixtapes e coletas mensais e na indicação de uma banda pra um evento, etc.

Ilustração para a coletânea número 3. Arte por Raul Luna

As bandas apareceram organicamente ou você foi atrás da galera?
Virou flow cara, tem banda nova todo dia, a galera acha a gente no Facebook, Twitter, Instagram ou simplesmente procurando por um disco no Google e acaba fazendo contato. A gente tá sempre procurando banda também por que a gente gosta de ouvir música né? Se meu interesse em conhecer sons novos não existir, perco o tesão de fazer o blog. Então a gente tá sempre ouvindo música por que a gente tem uma rádio na cabeça e ela sempre pede atualização. Volto praquela história de primeira vez, saca? É sempre massa ouvir algo pela primeira vez, mesmo que seja pra dizer que achou ruim. O importante é se dar ao trabalho de ouvir e conhecer algo novo.

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E tem banda do blog que você ouve até hoje?
Que eu conheci lá?! Tem sim, várias. Algumas hoje mais populares, outras ainda escondidas. Amnese é foda até hoje. O primeiro EP do Aura… projeto emo do interior de Minas Gerais, acho, é bem mais triste que toda a cena mineira que você catou (risos). Muita coisa instrumental também, muita banda que apareceu depois e recentemente que eu não teria conhecido facilmente sem o blog. Calistoga cara, se bem que Calistoga eu vi ao vivo na época que criei o blog. Mas quando tinha muita gente postando, eu sempre baixava os discos dos outros pra conhecer. Ainda baixo alguns que o Paulo posta e eu não saquei. Mais legal do que o que conheci pelo blog é o reforço que ele deu a sons que eu já conhecia antes dele. Por conta do blog eu tive acesso à Constantina ao vivo, mas já conhecia e tinha o primeiro disco em casa antes. A partir do contato ao vivo veio a Lise, projeto do baterista da banda, por exemplo. Outra coisa massa é acompanhar com mais freqüência selos, tipo o Sinewave e a Bichano agora. Se não fosse o blog, não acompanharia com freqüência.

Bom, e quando você começou a organizar eventos relacionados ao blog?
Então, entre 2011 e 2012 a gente fez um HC apresenta de aniversário, com Eu Serei a Hiena, na Casa do Mancha, em São Paulo. Mas a ideia de eventos fixos como o UIVO veio nesse ano, e tá atrelada à criação da loja online também. A questão é que a gente sempre viveu na crise, tipo, não essa crise culpa da Dilma, mas a crise desde os anos noventa. E agora sou pai, Paulo tem as contas dele, e ta bem caro manter link do blog e do site, então fizemos isso pra pagar as contas. Mas a gente sempre quis fazer shows e camisetas e etc, a gente torce pra que a galera compre e a gente não precise colocar divulgação em nossos sites. As festas também vem nesse sentido de colocar bandas pra tocar e trazer o público para ver ao vivo o que ouviu no blog. Daí criamos o mini festival curatorial Uivo, tendo sua primeira edição em janeiro desse ano.

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Testamos uma em São Paulo em janeiro - porque é sempre mais fácil fazer rolê em São Paulo - e depois uma aqui em junho, tudo com curadoria nossa. Agora com o Dia da Música, vi uma oportunidade de testar a marca e os apoios em outras cidades principalmente aqui no nordeste, onde o blog é forte. Além disso, também testar outras ideias veiculando o nome do Hominis e do uivo. Vai ter evento em junho em junho em 5 capitais do nordeste e dois em são Paulo, tudo com parceiros. Vamos ver o que rola. Muita banda legal no role.

(Ilustração para a coletânea número 29. Arte por Chico Shiko)

E o incentivo financeiro para isso, como funciona? Vocês tiram grana do bolso ou negociam patrocínio?
É tudo feito em parceria. Em João Pessoa temos o Apoio do Espaço Mundo, e a bilheteria irá pagar as bandas e pagar nossos custos. Eu acredito que dará certo. Em Natal, o evento é gratuito, o Palco UIVO, teve apoio do projeto que tem fomento de editais do pessoal do DOSOL. Em SP o HC Apresenta no Mancha com D_M_G x Rieg e Afro Hooligans no dia 16, tem apoio do Mancha e esperamos ter uma bilheteria legal pras bandas.

O bicho pega mesmo é aqui, que é um rolê muito maior do que esperávamos fazer. Mas foi crescendo, crescendo e é isso. O principal patrocinador do UIVO na Torre Malakoff é o DIa da Música. Além dele, temos apoios locais de lojas de música independente como o Espaço Subcultura, tem um restaurante vegano massa que foi no primeiro UIVO do Recife que se chama É O BULE e o apoio do espaço da própria Torre Malakoff. Estamos na correria pra tudo rolar bem.

Devemos ter mais apoios pequenos, como um designer foda da @WeAreTampa de João Pessoa. O lance é fazer tudo com carinho, não necessariamente com dinheiro. E espero não ter que tirar do bolso, porque nem tenho. Temos o apoio e a credibilidade das bandas e do espaço. Usamos nossa marca atrelada a isso e esperamos o público pra participar. Por sinal, ainda tem vaga nas oficinas, quem quiser e estiver no Recife dia 18, escolhe ai uma e participa: www.loja.hominiscanidae.org, é só se inscrever nesse site. É um trampo de confiança e vontade de fazer. Talvez seja até um grito de socorro do blog, já que não sabemos se teremos como mantê-lo ou por quanto tempo ele ainda irá existir.

Então hoje o Hominis pretende funcionar como uma empresa? (não no sentido perverso de corporação, mas como uma organização bem definida)
Então, eu queria ser empresário, mas a gente não ganha nada com isso. Tô desempregado e pensando em ver se isso vira, mas sem ser FDP. Tipo, no site da loja vendemos quadros com artes feitas para as nossas mixtapes. Até agora soltamos 72 coletas mensais, com 72 artes diferentes e 72 desenhistas/artistas/designers do Brasil. Delas, mais de 20 estão lá como quadro. Tem dois modelos que viraram camisetas. O artista que quiser dinheiro de vendas, diz que quer. A maioria abriu mão. A ideia nem é ficar rico, eu não quero ser rico, dá muito trabalho. Mas seria legal pagar uma conta com o blog, não vou mentir né? (risos) Mas empresa ainda não é não. Tô até pensando em criar um MEI, pra loja, shows, produção, curadoria. Queria fazer muito mais coisa na real. Se eu fosse rico, teria muito mais coisa. Mas reafirmo: ajuda nois, nem ta caro e os bagulhos são lindos. www.loja.hominiscanidae.org

Eu to num momento bem louco da minha vida, eu sou biólogo, tentando finalizar um doutorado eterno. Viver de música seria massa, escrever sobre pra isso também seria. Viver de música sem ser músico, viver de arte sem ser artista, etc.

Mas ae, cê já entrou numas noias por conta disso? Essa brisa de viver de música sem ser músico, viver de arte sem ser artista?
Já sim, mas nem é noia, mais brisa. Sei lá, a gente começou uma guerrilha né? A gente disponibilizou disco em primeira mão antes do artista, a gente acredita que tudo deve ser livre, então a noia é dizer isso e cobrar pelos produtos. Mas como eu disse lá em cima, os produtos são feitos para pagarmos custos dos sites. Ninguém paga uma conta com isso. O que eu não quero mais é tirar do bolso pra manter um site no ar. Um site que a gente sempre fez questão de dizer que é de todo mundo e a gente apenas organiza. Mas eu escrevo, isso é arte? Eu fiz uma capa da coleta, sou artista? (risos) É tudo muito louco e efêmero. Pensar nisso é perder tempo. E assim, eu vou escutar música até morrer. A música nunca vai morrer, eu e você vamos. Espero que sempre tenha alguém disposto a dividir e mostrar som novo pros outros, e não tô falando do Spotfy e da globo com o Superstar. É muito mais real que isso.