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Música

O Passado do Future Islands

Fomos descobrir as origens da banda que conquistou o mundo com dancinhas estranhas.

Todas as fotos pelo autor

Quando descobri o Future Islands pela primeira vez, estava numa fase esquisita da vida. Passava a maior parte do tempo sozinho, e muitas vezes me via indo e voltando de carro entre Oakland e Arcata, pegando grandes embrulhos de maconha ou haxixe para vender pelo meu recém-fundado serviço de delivery. Essa rota pela 101 é um caminho levemente tortuoso, percorrendo uma linha clara através do vasto e vibrante terreno natural em que gigantescas sequoias e volumosos montes de terra rochosa fazem eco ao passado, enquanto a estrada asfaltada e os automóveis servem como os únicos sinais de um futuro que, graças à tecnologia, é determinado pelos humanos. Ocasião perfeita, à noite ou de dia, para ouvir Future Islands. Muito como aquele trajeto, a música deles se distancia do território claramente contemporâneo, e leva o ouvinte por uma jornada motorik cujo destino é estranhamente desligado do presente logo ao lado.

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Com uma sensibilidade mais aparentada à das baladas pop viscerais do Orchestral Maneuvers in the Dark do que aos ritmos pulsantes do Deadmau5, o Future Islands está criando uma música com computadores, usando a tecnologia do tempo presente mas clara e orgulhosamente sempre se alinhando com o passado. Grande parte do trabalho deles se distancia das batidas criadas pelo tecladista Gerrit Welmers (para ter uma boa referência, dê uma olhada em seu trabalho solo no Moss of Aura), e chega à sua forma final depois de ter sido esculpida e ampliada em colaboração com o baixista William Cashion e com o vocalista Sam Herring. Com raízes concretas no punk rock – a encarnação anterior deles foi o Art Lord and the Self Portraits (dê uma olhada em “Lantern Sigh”, do último disco deles, Snail), o Futures Islands soube usar um formato tradicional para criar uma música que faz sentido para pessoas que cresceram junto com a internet, abrindo um caminho arrebatador a partir de sons criados com a assistência de computadores, para chegar a algum lugar que é ao mesmo tempo distante e velho conhecido nosso.

A chegada do Singles, de 2014 – o primeiro disco deles com a potência do selo indie 4AD – impeliu a entrada da banda na cultura popular mais ampla. Depois de uma performance extasiante no David Letterman, que colocou os passos de dança de Herring bem no centro de milhões de salas de estar americanas, eles passaram a fazer shows com ingressos esgotados, a ter números impressionantes na venda de discos, posições invejáveis nos rankings da Billboard, a ocupar as posições mais altas nas mais exigentes listas de melhores do ano, e a desfrutar de uma onda do que só pode ser chamado de sucesso, nos termos de hoje em dia.

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Mas a banda é muito mais do que um meme de dança; ou até mesmo do que um grupo de artistas que faz sucesso. Eles são um agrupamento raro que, quando se apresenta num palco maior, se expande sem dificuldades para arrebatar esse espaço ampliado. E 2014 mostrou que não havia palco que fosse grande demais para a arte do Future Islands. O show deles é firme, relaxado e cheio de nuances, pontuado pelos altivos pontos altos e gestos tumultuantes de Herring. A presença de Herring desafia o púbico a acompanhá-los enquanto interpretações sinceras e comoventes das músicas vão se transformando, numa transição suave e imperceptível, em celebrações extáticas da nossa natureza carnal, que chegam às raias do exibicionismo. Testemunhar o Future Islands é dar uma olhada nos bastidores do nosso mundo contemporâneo e ver o núcleo de humanidade que se manifesta nesses novos tempos, tomando a forma de algo novo e arrebatador. Na medida em que a popularidade deles cresce, a potência de sua obra aumenta exponencialmente, e pela sua arte desfrutamos de um olhar cada vez mais profundo sobre o que é ser humano nesses novos tempos.

Conversei com o Future Islands antes de um show em Las Vegas no último mês de abril. Encontramos a ruazinha mais tranquila ali perto e nos acomodamos para uma conversa informal, sentados no meio-fio.

Noisey: Quando vocês diriam que foi o início do Future Islands?
William Cashion: A banda se formou em 2006, antes disso nós três estávamos em uma banda chamada Art Lord and the Self Portraits, que formamos no primeiro ano de faculdade. A banda durou de 2003 a 2005. Houve alguns meses depois do rompimento em que não trabalhamos juntos. E aí, em janeiro de 2006, a gente se reuniu e formou o Future Islands com um baterista.
Sam Herring: Mas a história engraçada de por que o Future Islands se formou é que tínhamos prometido fazer uma turnê do Art Lord e acabamos esquecendo. Então, em janeiro de 2006, alguns meses depois que o Art Lord tinha acabado, o William recebeu um telefonema dos nossos amigos do The Texas Governor dizendo "e aí, já fecharam as datas daquela turnê?" E a gente tinha completamente esquecido o compromisso daquela turnê. Basicamente reunimos uma banda em uma semana e meia, escrevemos seis ou sete músicas com nosso novo baterista – meu chapa, Eric – e William agendou tipo três ou quatro shows na Carolina do Norte.

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E foi assim que o Future Islands começou?
Sim, essa foi tipo a primeira turnê do Future Islands.

Muitas outras bandas são limitadas pelos instrumentos, mas vocês conseguiram criar uma coisa que de fato transcende isso. O que levou vocês a escolher os instrumentos e usá-los daquele jeito?
Sempre fomos uma banda punk, desde o início. No Art Lord a gente simplesmente usava o que estava à mão, que eram velhos teclados Casio. Tivemos um Yamaha B200. Um DJX. William pegou emprestado um baixo elétrico com o nosso amigo Enich, no primeiro ano da faculdade, e tocou aquela coisa pelos seis primeiros anos em que fizemos música juntos. Um baixo elétrico emprestado.
Sempre tivemos essa atitude, de que éramos uma banda punk ainda que a nossa música não fosse punk, porque a gente simplesmente trabalhava com o que havia à disposição. Acho que é só tipo uma exploração dos sons, e sei que, especialmente no caso de Garret, o lance é construir sons, ele constrói muitos de seus próprios sons usando softwares. Mas isso foi algo sobre o qual ele foi aprendendo muito com o passar do tempo.
Garret Welmers: No que diz respeito a aprender sobre os softwares, muita gente quer sair comprando esses sintetizadores que custam milhares e milhares de dólares. Mas tem um monte de software em que você realmente pode fazer todo tipo de coisa a um custo muito baixo, e não é preciso sair por aí carregando aquele tanto de coisa. Então comecei a brincar com um software chamado Reason, e é realmente divertido. Você não precisa saber nada sobre coisa alguma; é só entrar lá e começar a brincar.

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Parece que há muitas camadas no processo. O jeito que a música é mixada, a maneira que as coisas são orquestradas, tem uma profundidade ali. Não é só soltar uma sequência de notas musicais, é pegar e dizer: "Como é que vou arquitetar o espaço com o som?"
Acho que grande parte disso também é o nosso trabalho em conjunto. Eu meio que sou um maximalista, e o William quase chega a ser um minimalista. Então eu chego com as paradas e é tipo [som de explosão], uma coisa escalafobética. E William fica tipo: "podemos tirar algumas partes disso aqui?" E acho que em algum ponto a coisa toda atinge um equilíbrio.
Sam: E eu luto contra a coisa toda…
William: [Risos] Eu salpico uns elementos às vezes para acrescentar umas coisas tipo um zumbido atmosférico de guitarra. Comecei fazendo isso em On the Water, e está em algumas músicas.
Sam: Duas das minhas faixas favoritas que fizemos em toda a história do Future Islands foram "In Evening Air", do In Evening Air e "Open", do On the Water. E "In Evening Air" é a faixa solo de Garret, e "Open" é a faixa solo de William. São coisas que eles compuseram sozinhos, simplesmente umas pecinhas maravilhosas de música que duram minuto e meio.

Como o processo criativo funciona para vocês? Eu não faço ideia, exceto pelo que vocês estão fazendo e como estão chegando lá.
William: Tem duas maneiras. Muitas vezes o Garret tem um tipo de ideia que tem umas mudanças e tal, e se ele está com uma dessas, chega e conversa com a gente. Como ele disse, geralmente ali tem coisas que tiramos. Talvez algo como: "vamos tirar essa parte aqui, quem sabe modificar essa outra", e aí a gente meio que vai fundo e tenta sentir como deve ser o fluxo do baixo. E o Sam fica lá, escrevendo e tentando entender a coisa. Grande parte do arranjo é baseada nas letras. Então, quando o Sam tem uma ideia melhor do que está acontecendo em termos líricos, a gente pode ajustar o arranjo. Às vezes o Garret chega com uma progressão de cordas, e a gente improvisa em cima dela e faz um refrão. E a outra maneira é tocar de improviso. Muito do que fazemos nasce do improviso mesmo…
Sam: O Garret já estava usando o Reason para as coisas dele lá, e aí o nosso baterista foi embora logo antes da turnê. E a gente ficou tipo: "Bom, não dá tempo de encontrar outro baterista, então será que a gente deve mesmo tentar achar outro baterista?" Então o Garret pôs mãos à obra e fez umas batidas do melhor jeito que pôde em alguns dias, para a gente pegar a estrada. Isso provavelmente foi em junho de 2008. Acho que foi nesse ponto em que o fato de Garret fazer isso na banda deu um pouco mais de espaço para que ele continuasse criando.

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William: Sim, originalmente as baterias programadas tentavam apenas emular ou substituir o baterista, o que era na verdade impossível, porque as nossas primeiras músicas eram muito rápidas e punk. Nas nossas primeiras músicas o Garret tocava só um teclado. Um teclado, um baixo. Quando decidimos que seríamos só nós três…

Se cada um de vocês tivesse que se descrever enquanto músico, como descreveriam o que fazem?
Sam: Eu nem chego a me considerar um músico [risos].

[Risos] Certo, então artista?
William: Acho que a gente aproxima as pessoas. Vimos que, quando chegamos a lugares como Carolina do Norte ou Baltimore, aparece gente lá que conhecemos há anos. Especialmente na Carolina do Norte, é meio que uma reunião de amigos e parentes. Acho que toda música faz isso. É uma das coisas que a música faz. Muitas pessoas recentemente escreveram para nós dizendo que nossa música foi uma grande ajuda para elas…

Tipo ajudou a passar por momentos difíceis?
William: Isso.
Sam: E isso é interessante também. Lembro que da primeira vez que pegamos a estrada com esse disco tocávamos a música "Spirit". Fiquei pensando: "Será que a letra dessa música é meio professoral demais? Talvez isso não tenha problema?" Antes com certeza eu tentei contar histórias da minha vida para ajudar os outros a lidar com as histórias das suas próprias vidas. Lidar com coisas sobre as quais as pessoas talvez não queiram falar. Sabe como é, colocar o fardo nas nossas costas e carregar, ajudar você a carregar. Isso é a "Walking Through That Door", vamos ajudar você a passar por isso.

Acho que as pessoas estão precisando disso agora.
Sam: Acho que sim. [Risos] Acho que precisam de um meio digital que lhes diga o que fazer. Eu não devia dizer isso, mas…
William: Sim, também sinto que tudo que a gente fez, construímos desde os fundamentos. E gostaria de pensar nisso como algo inspirador para outros artistas e outros criadores. Se você acredita no que está fazendo e trabalha pesado, vai encontrar algum grau de sucesso. Basta acreditar no que faz. Isso confere um certo tipo de poder à pessoa. Não há nada que você não possa fazer, basta ser determinado. Sei que isso parece muito brega, e que sempre ouvimos essas coisas na infância, mas com o trabalho duro…
Sam: Sim, você sente orgulho da coisa. É algo que, se você faz do jeito certo, ou faz honestamente, então passa a contar com o apoio de pessoas que se importam com o que você faz. Se ninguém sente que você enganou os outros, ou que tirou vantagem de alguém ou da inteligência de alguém, você constrói a coisa com o suor do seu rosto, e isso dá uma sensação boa.
Acho que outra coisa muito importante é simplesmente pôr a mão na massa, e não se importar com o que os outros vão dizer. Essa é a parte difícil, ainda mais hoje em dia, em que todo mundo é crítico, e você pode ouvir o que as pessoas dizem sobre você. Enquanto evoluíamos, quer estivéssemos fazendo sucesso ou encontrando dificuldades, sempre houve quem amasse o que fazemos, e quem não gostasse do que fazemos. É simplesmente assim que as coisas são. A vida é assim e pronto. Vai continuar sendo assim, e não tem problema. Acho que lutar e lidar com esse fato, e pensar tipo: "somos uns caras maneiros, temos uma história honesta de fazer o que amamos e não nos curvar diante da moda ou de tendências do que as pessoas esperam que sejamos, e é isso que faz a gente ser o que é". E é por isso que podemos ser honestos no que fazemos, por causa disso. É uma coisa que continua. Todos concordamos que queremos fazer música honesta, e música construída em cima de certas paixões que temos em nossos corações. Porque eu não conheço outra maneira de agir.

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Tradução: Marcio Stockler