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Música

A morte tem um significado positivo na filosofia do Death

​Eduardo Ribeiro ficou diante dos seus ídolos, os irmãos Hackney, que estão no Brasil com a turnê de seu novo álbum, 'N.E.W.'.

Fotos por: Hudson Rodrigues

Quando penso na história do Death, banda de Detroit infante do punk rock antes de nomes como Ramones e Pistols, fico feliz pela extinção do antigo esquema fonográfico. O Death começou a produzir o seu rock’n’roll selvagem, cru e energético em 1971. Época em que as bandas atrás de uma chance para divulgar a sua música tinham que se curvar à miopia artística dos donos de gravadora. Ainda bem que os tempos mudaram e hoje um artista tem melhores condições de ser independente, fazendo sua mensagem chegar longe por outros meios. E foram justamente as novas mídias que ajudaram a tirar o Death do lodo abissal da cultura para devolvê-los ao merecido contexto na história do rock: o projeto dos irmãos Hackney agora faz parte do mesmo panteão do qual fazem parte nomes como MC5, Velvet Underground, Stooges e New York Dolls – outros expoentes do “punk antes do punk”.

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Depois de seis anos batendo na porta das gravadoras, David (guitarra), Dannis (bateria) e Bobby (baixo, vocal) quase conseguiram fechar o lançamento de um álbum. Mas a condição imposta pelos executivos era de que mudassem o nome. Para David, o mentor criativo e espiritual do grupo, trocar de nome arranharia a identidade do Death. À ocasião, ele disse que “se permitirmos que os caras mudem o nome da nossa banda, perderemos o controle sobre todo o resto”. “A morte é a única certeza”, defendia David, que morreu antes de ver o retorno triunfante da banda. Ele também profetizou, dias antes de sua morte, que num futuro próximo o mundo ia descobrir e pirar naquelas faixas gravadas em rolo e prensadas em míseras 500 cópias encalhadas de um 45’’. O guitarrista entregou as másters para o seu irmão, Bobby, e recomendou que preservasse aquele material, pois um dia alguém viria atrás.

E foi o que aconteceu, três décadas depois, quando Bobby e Danni já estavam totalmente em outra vibe, tendo mergulhado no reggae com o Lambsbread e outros projetos. Em 2009, a Drag City lançou o álbum completo do Death, For the Whole World to See, junto de um estimulante documentário sobre tudo o que rolou, com o título A Band Called Death. Daí que um monte de gente adepta do punk e do hard rock no mundo todo ficou boquiaberta. Agora, já é possível dizer que o Death conta com uma legião de apreciadores: uma galera que trata o grupo com a reverência de qualquer outro grande nome do classic rock.

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Bobbie Duncan, camarada dos irmãos e integrante do Lambsbread, assumiu o posto de David nesse retorno, a princípio para uma turnê de divulgação. O astral positivo das apresentações, no entanto, os deixou inspirados para compor músicas novas durante a turnê. Completado com sons inéditos lá das antigas, a nova formação soltou no ano passado o álbum N.E.W., pela Tryangle Records. É com essa deixa que eles estão novamente na estrada. Tem shows no Brasil nesta sexta (5) no Sesc Belenzinho, em São Paulo, e sábado (6), no Curitiba Rock Carnival Festival. Leia a entrevista a seguir.

Noisey: Hoje o Death é uma banda associada às raízes do punk rock. Mas como é essa história para vocês, que faziam esse tipo de som antes da invenção do conceito musical “punk”?
Bobby Hackney: Quando começamos a fazer esse tipo de música em Detroit lá nas antigas, nos anos 1970, nós nem fazíamos ideia de nada disso. Por mais que os historiadores tenham nos atribuído esta qualidade de predecessores do punk, o termo nunca tinha sido usado para falar de música. Se você chamasse alguém de punk em Detroit, no East Side, no ano de 1975, você ia ter que lidar com uma das duas opções: um olho roxo e um nariz quebrado. Para nós, era só uma espécie de rock’n’roll cru e rápido típico de Detroit. Nós estávamos tentando ser como o The Who, o Grandfunk Railroad, Alice Cooper, MC5, Iggy and The Stooges, todas aquelas bandas que estavam em alta em Detroit, fazendo um puta som. Você ligava o rádio e direto escutava a notícia de shows dessas bandas na cidade. Essas eram as nossas influências. Nunca imaginei que aquilo seria parte do punk, até porque o punk nem existia. Era só rock’n’roll.

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Sei que vocês começaram a pirar em rock quando conheceram o The Who e outras bandas. Mas, antes disso, o que vocês curtiam? Já faziam música e tal?
Bobby: Antes de conhecermos o rock, nossa base era a Motown, o acontecimento da época, e também havia um rico acesso ao blues em Detroit. O blues era realmente forte. E tudo era novidade pra gente, como pra todo mundo. Eu lembro que eu o meu irmão David fazíamos backing em grupos vocais, coisas assim. Nossas influências, antes do rock’n’roll, foram definitivamente a Motown, o blues, essas coisas.

Nessa época vocês não manjavam nada de reggae?
Dannis Hackney: O reggae só foi entrar na nossa vida depois que nos mudamos para Vermont, na verdade, nas rádios de lá. Bobby havia nos apresentado para uns amigos dele da faculdade, e nós começamos a curtir reggae com o pessoal. Nessa virada nós estávamos em transição com o Death, o David continuou em Detroit, eu e Bobby em Vermont. O reggae começou a pegar por lá. Reggae é muito calcado no baixo e na bateria, e lá estávamos, baixista e baterista. Eu pensei, “vamos nessa, na pior das hipóteses vamos ganhar um dinheiro” [risos].

Vocês esperavam que a banda estourasse depois do documentário? Existia essa expectativa ou foi tudo uma surpresa?
Bobby Hackney: Fomos pegos de surpresa com a repercussão logo que o filme saiu. Até porque, quando os caras disseram que queriam fazer um vídeo, eu não tinha noção da proporção do projeto. No começo, achamos que eles queriam fazer um vídeo musical, ou um quadro para promover o disco em algum programa de tevê. Na medida em que a coisa foi progredindo é que nos ligamos. Quando vimos as primeiras apurações dos caras, olhamos um para o outro e sacamos: “Essa parada é coisa séria mesmo!”. Aí pulamos de cabeça na ideia e acabou virando uma jornada de cinco anos. Ficamos muito emocionados com a maneira como o mundo nos acolheu depois de conhecer a nossa história. Eles não tinham pressa, só queriam contar da maneira certa e com propriedade, contextualizar a nossa história. O objetivo era mostrar que o Death foi comprometido com a sua proposta de fazer um tipo de rock’n’roll autêntico, da melhor forma possível, até que as portas se fechassem.

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O mais louco dessa história toda é que o David foi mesmo um visionário, e não só um cara teimoso, não é?
Bobby: David previu que esse tipo de som seria reconhecido e teria seus apreciadores. Esse jeito dele até chegou a assustar a mim e ao Dannis, porque ele tinha a mania de dizer que a música do Death só seria descoberta depois de sua morte. E isso era foda de ouvir. Sabe, nós éramos irmãos, fomos criados e vivemos juntos do berço até o estúdio de gravação. Você nunca quer escutar o seu irmão falando algo do tipo. Com o tempo nós meio que aceitamos essa visão dele de que o som do Death tinha que ser descoberto, mas ignorávamos a parte em que ele dizia que isso só aconteceria depois de sua morte.

Para muita gente a palavra “morte” é algo tenebroso e assustador. Mas o Death trouxe para o debate uma abordagem tão positiva ao falar de consciência e evolução espiritual, que afastou aquele assombro muitas vezes atribuído à morte, como no filme O Sétimo Selo
Bobbie Duncan: Essa é a ideia do nosso novo álbum, que a propósito se chama N.E.W.. Ele é uma continuação daquilo que demos início no passado. Pegamos do ponto em que paramos, e fizemos algo como um testemunho de como sempre quisemos soar.

Como pintou a ideia de gravar um álbum novo e retomar a coisa pra valer?
Bobbie: Nós estávamos na estrada apresentando os sons antigos na mesma época em que começamos a criar um novo. Toda hora a gente falava um pro outro: “Precisamos fazer algo novo”. Começamos a nos sentir muito inspirados pela qualidade dos shows que estávamos fazendo em Chicago, e eu acabei compondo uma música baseado naquela energia. Isso foi o que detonou a criação desse novo álbum.

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Bobby: Ele é basicamente uma compilação de todos os sentimentos envolvidos na história do Death… Sabe, nós formamos uma banda, paramos… Houve aquela vontade de gravar um álbum nos anos 70. Acho que saiu muito bom.

Quando escutei o disco pela primeira vez, eu fui transportado para as trilhas sonoras dos vídeos de skate dos anos 70…
Bobby: Obrigado! Esse é o melhor comentário que alguém pode fazer sobre esse disco!

Tem também um elemento Ted Nugent nesse disco. Vocês concordam?
Dannis: Eu acho que tem a ver, sim! Nós escutávamos muito Ted Nugent naquela época. Ele tem algumas das nossas favoritas músicas de Detroit em todos os tempos.

Bobby: Olha, você tem que nos perdoar por soar dessa forma, mas é de onde viemos [risos].

Bobby: Algumas dessas músicas são de fato daquela época, dos anos 70. Parte delas foram pensadas por mim e David, devo ter deixado umas quatro músicas prontas naquela época, e o Bobby também escreveu algumas. Tudo começou quando ele chegou no estúdio com aquela música da qual falamos. Demos a ela o nome de 19/11/2010, porque ainda não tínhamos um título e ela foi gravada naquele dia. E, quando eu escutei, aquilo me remeteu imediatamente à lembrança de estar em Detroit, dirigindo pela avenida Jeferson, num dia ensolarado, como era de costume a gente fazer, curtindo um rock’n’roll no rádio, saca? E eu preciso te dizer, cara, é um alívio voltar a tocar rock, isso é uma benção, levando-se em conta tudo pelo que passamos. Estamos vivendo agora aquilo que gostaríamos de ter vivido desde sempre. É disso que se trata “Relief”, porque ela foi o ponto de partida para o novo álbum. Tem uma música deste álbum que estou ansioso para tocar esta noite, chamada “Playtime”. Sempre que tocamos esse som a galera agita muito, e nós sabemos que o Brasil é isso!

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Essas letras novas falam especificamente do quê, para quem não está ligado?
Bobbie: Tem um lance sobre as letras, que é o seguinte: nós procuramos contar histórias, porque histórias podem apontar um caminho para as pessoas seguirem. Não queremos fazer pregação, estamos apenas tentando falar de consciência, autoconhecimento, coisas que precisam mudar. Isso está em músicas como “Who Am I”, “Relief”, “Playtime”. É uma tentativa de estimular as pessoas a seguirem em frente. Mesmo com um nome como “Death”, como você comentou, isso não significa que exista uma história negativa nas letras.

Bobby: Esse era o manifesto do meu irmão David. Nossas letras trazem um conteúdo de consciência social porque essa foi uma decisão tomada lá no começo. Vamos continuar carregando essa bandeira. Nós adoramos músicas que falam de amor, de diversão, de coisas mais cabeça… mas a música, em essência, nasceu com o intuito de mandar uma mensagem. A primeira música da história foi apenas tambor. Uma batida, e assim uma mensagem era enviada para a aldeia vizinha. Comunicação. É disso que se trata.

A espiritualidade defendida pelo Death está ligada a alguma corrente ou religião?
Bobby: Nós já gravamos alguns discos de rock gospel. David, Dannis e eu fomos criados na igreja, como você sabe. Mas frequentar a igreja não te transforma num seguidor de Deus. A evolução é uma jornada, e é nessa jornada, por meio dela, que você chega lá. E nós três descobrimos isso juntos. A espiritualidade tem sido algo central em nossas vidas, nossa música, objetivos e famílias. Tornou-se uma coisa natural.

Hoje em dia vocês recorrem a novas tecnologias na hora de gravar e tocar, ou ainda preferem a sonoridade dos equipamentos tradicionais?
Bobby: Acho que a nossa performance melhorou porque nós nunca paramos de tocar nesses anos todos, mas não porque trocamos de equipamentos ou porque temos acesso a coisas melhores. Mesmo depois que desencanamos do Death, no começo dos anos 1980, continuamos tocando, Dannis e eu. Até o David continuou tocando. O equipamento que usamos é o mesmo dos anos 70. Temos os Marshalls, as caixas acústicas 361… É difícil encontrar coisas melhores do que essas hoje em dia porque tudo foi reduzido ao tamanho de um microchip.

Bobbie: Eu acho que os equipamentos tradicionais são os melhores porque eles são descomplicados e produzem um som que não é artificial.

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