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Música

O eterno retorno do Dance of Days

Passado um hiato de seis meses e uma DR providencial, a banda retorna à cena disposta a amar seu destino começando desde já com seu mais novo disco ‘Amor-Fati’.

Todas as fotos por Marco Del Giorno.

Em alguma mesa de bar, algum dia, um estoico em potencial concluiu que o destino guia quem consente e arrasta quem recusa. O estoicismo ensina que emoções destrutivas sempre resultam em erros de julgamento, e vice-versa. Lá em 1882, um alemão chamado Friedrich Nietzsche dizia que a realidade não tem um objetivo específico — pois se tivesse já o teria realizado — e, portanto, tudo é uma repetição do tempo. Tudo é uma cópia de uma cópia de uma cópia. Essa ideia de que nada é novo e tudo se repete parecer um tanto melancólica à primeira vista, mas pensando bem, quando temos consciência disso podemos desenvolver uma resistência ao sofrimento porque, sabendo que fazemos parte desta realidade repetitiva e que tudo pode acontecer independente da nossa vontade de que não aconteça, podemos refletir sobre nossas atitudes e ser mais maleáveis aos baques e reviravoltas do mundão. Nietzsche chama isso de Amor-Fati, ou “amor ao destino”, e não poderia haver nome melhor para o disco que marca o retorno do Dance of Days aos palcos.

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O hiato não durou muito tempo, é verdade, mas pouco mais de seis meses foram suficientes para recompor a formação que concebeu os clássicos “A História Não Tem Fim”, “Coração de Troia” e “A Valsa das Águas Vivas” – Nenê, Marcelo, Tyello e Júlio. Quem se despediu permanentemente foi o Fausto Oi, que participou da composição de “A Valsa Das Águas Vivas” e ocupou o posto de baixista por 13 anos. Ele diz não haver ressentimentos, só está desgastado e envolvido em outros projetos: “Algumas coisas de fora atingiram a banda e causaram muitos desgastes, essa não era a vibe que eu queria então eu saí. O Dance of Days existe sem mim, eu fiz minha parte pela banda. Sigo trampando na galeria, tocando em outras bandas como o Inspire, o Good Intentions. Abri um estúdio agora, e ainda tô muito envolvido com a música”, diz o baixista. “Devo muito ao Dance, assim como sempre tentei contribuir muito para a banda”. Quem assume o baixo a partir de agora é o novato Guto, que já tocava com o Tyello no xESCUROx.

Parece que, como diz o verso de “Trabalhando em um Bom Título”, foi tolice desistir de tudo quando ainda havia tanto a falar. Como todo relacionamento, ter uma banda é saber administrar conflitos e contornar adversidades, e o segredo para isso é colocar as cartas na mesa, como esclarece Tyello: “A gente voltou a se falar e se resolveu como gente adulta, falando na cara. Eu falei pro Nenê ‘ó, não é isso’, ele falou ‘ó, não é aquilo’ sabe? E agora eu tô aqui, de volta, com o mesmo espírito de lá de 99, 2000”. Para Nenê, essa é a hora de uma nova partida: “Depois do hiato, a gente foi conversar e eu pensei ‘puta, vou começar a valorizar quem sempre esteve ali comigo e pensar diferente’. Tudo foi aprendizado. Estamos ansiosos, com vontade de tocar as novas músicas e tá sendo muito bom ser adolescente de novo”.

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A banda recebeu o Noisey no estúdio Rock Together, no bairro do Tatuapé, em São Paulo, onde Tyello trabalha. Num clima de descontração e camaradagem, conversamos sobre todos os assuntos pertinentes a esta nova fase do Dance of Days: o hiato, o retorno, o novo disco, os planos pro futuro; além de tocar em pontos chave como dinheiro, convivência, tretas, família e amizade. O mais daora foi que descolamos com exclusividade o primeiro single do novo disco, Amor-Fati, “Glossolalia (Em Tua Mais Solitária Solidão)”, cuja letra exemplifica muito bem os conceitos de eterno retorno e o amor ao destino do Nietzsche, com aquela boa e velha temática do Dance of Days. Acompanhe:

Noisey: No vídeo da Rock Together Sessions, vocês falaram que um desgaste causado por uma longa turnê foi o que acarretou o hiato da banda. O que aconteceu? Vocês tretaram?
Nenê Altro: Essa não é a primeira vez que o Dance of Days entra num hiato. A primeira vez foi em 98, por minha causa, passei por alguns problemas e tive que dar um tempo com a banda. A gente tava desgastado desde que o Tyello saiu porque a banda mudou. Tentamos ficar em quatro pessoas e isso começou a não funcionar, porque entramos nessa turnê que foi bem desgastante. A gente não tava mais no pique de quando tinha 18, 20 anos, de dormir no chão, sair de um show e pegar doze horas de estrada pra chegar em casa, a gente já não tem mais idade pra isso. Isso era o planejado pra fazer durante um ano e acabou durando quase dois. E isso gerou um monte de stress. No fim da banda rolaram outros problemas: eu particularmente não gostei da formação que ficou, me senti alheio ali, achei que não tinha nada a ver com o Dance of Days, e isso colaborou pra eu perceber que ali não era a banda que eu criei, a banda que eu investi minha vida e que outras pessoas também investiram a vida. Então o Dance of Days tinha que parar e reformular a casa para voltar bem, de um jeito que fosse honesto com a banda e com quem realmente gosta e tem tatuagem do Dance of Days. Porque quem ia no show percebia que o que tava lá no palco não era isso, era cada um olhando pro seu lado, tinha gente que tava na banda de passagem.

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Vocês estavam tocando por tocar?
Nenê: É, o espírito não funcionou. A química não funcionou. Os caras podem até tocar bem e tal mas não entrou no que era o Dance of Days, no espírito que fez a gente virar um monte de noite num estúdio de centro cultural em São Miguel Paulista pra fazer o A História Não Tem Fim. Esse tipo de empolgação, independentemente do dinheiro, independentemente do que for, foi por causa de um sonho. E eu acho que foi isso que o Dance perdeu ali no final. Depois do hiato, conversando com o Marcelo, concluímos que se fosse pra voltar tinha que ser assim, o Dance of Days de verdade, todo mundo junto por um objetivo, por um sonho.

Tyello, você saiu da banda em 2012, depois do disco preto, e no mesmo vídeo você citou mágoas passadas e que tinha colocado os devidos pingos nos is…
Tyello: Não é coisa nem de mágoa. É a estrada, a convivência com os caras, toda semana, foi desgastando. Eu saí sem brigar com ninguém, tanto que depois eu não fiquei com joguinho na internet nem nada disso. Eu avisei os caras e saí. Aí depois que anunciou o hiato, eu conversei com o Nenê e com o Marcelo e a gente se resolveu. A gente teve um relacionamento de mais de 12 anos, então a gente voltou a se falar e se resolveu como gente adulta, falando na cara. Eu falei pro Nenê “ó, não é isso”, ele falou “ó, não é aquilo” sabe? E agora eu tô aqui, de volta, com o mesmo espírito de lá de 99, 2000, da gente ensaiando lá no centro cultural. Só que com a coluna doendo, com o joelho zuado (risos), mas o espírito tá inteiro.

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E o que deu esse gás pra voltar?
Nenê: O Dance nunca ia acabar. A gente só queria que voltasse como uma coisa legal. Concluímos que tínhamos que voltar com quem fez a história com a gente. A primeira pessoa que a gente falou foi o Júlio, e aí já deu aquela empolgação de voltar a tocar com o Júlio, como no História. Daí eu comecei a conversar com o Tyello e pô, é a formação que a gente montou e fez o bagulho acontecer. Agora o Gutinho chegou e somou e tá parecendo que a gente montou a banda agora. Estamos esperando esse Amor-Fati tanto que parece quando a gente lançou o A História Não Tem Fim. Estamos ansiosos, com vontade de tocar as novas músicas e tá sendo muito bom ser adolescente de novo.

Tyello: Acho que é essa a ideia de ter a banda né? Eu vi a galera comentando lance de dinheiro, e pô, acho que o Dance of Days, antes de dinheiro, é uma banda onde a gente se sente bem. Se vai dar dinheiro é consequência. Eu trabalho pra ganhar meu dinheiro, não preciso disso.

Nenê: O pessoal fala muita merda. Teve gente que falou que a gente pagou pro Tyello voltar pra banda!

Tyello: A banda vai tocar, lógico que tem uma recompensa por isso, mas a princípio o intuito é fazer música. A gente tá mó empolgado com o disco novo. Se a gente vai tocar dez, quinze, duas vezes no mês, foda-se, o importante é ter gravado um disco bom e é isso aí.

Júlio: O fato da gente ter resgatado a história e estar tocando com todo mundo junto, e a mesma pegada que a gente tinha antigamente, motiva demais. Eu não tocava bateria há oito anos. Eu tava realmente num hiato.

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Vocês recuperaram o tesão em tocar então?
Julio: sim, totalmente, e a gente só não voltou antes porque eu também não tava preparado. Existe um trabalho de todo mundo nesse disco. Isso aí da galera falar de hiato muito curto, pô, faz parte. Hiato é relativo…

Nenê: Sabe o que é curioso? Estamos aí com 19 anos de banda e a gente veio tudo do punk. A gente tem nossa raiz no punk. Continuamos frequentando o circuito, temos amigos no meio, e a gente saca que o Dance of Days é acima de tudo um espírito né? Nós somos uma banda. É aquela coisa: você aprendeu a fazer uma coisa na guitarra que talvez você não tenha aprendido num instituto da guitarra, mas é uma coisa legal que cabe numa música, e a gente sente falta disso nas gerações que vieram depois. Porque eles vêm falar tipo “mano, esses caras aí não tocam nada, esses caras não têm técnica” então, foda-se a técnica, é por isso que eles não têm verdade. Se você tem verdade, você pode passar com duas notas. Olha o Ramones, ou o Cólera. E se você faz o bagulho com verdade você chega longe.

Júlio: acima de técnica é vontade, é querer fazer o que gosta. Quando você toca, você coloca elementos do que gosta, não do que você viu o outro fazer. Você tem sua forma de tocar, tosca ou não, é seu jeito de tocar. E acaba criando uma identidade. E essa identidade é o que todo mundo do Dance sempre teve.

Tyello: O que eles estão tentando justificar é que a gente é ruim, mas como uma banda nós funcionamos. (risos)

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Marcelo: não é que a gente é ruim. A gente toca há vinte anos, a gente poderia ter aprendido a tocar, mas eu gosto de Ramones, eu quero tocar igual ao Ramones, não igual ao Metallica.

Júlio: Resumindo: a gente se completa.

Pra encerrar o assunto da nova formação: vocês chegaram a falar com os integrantes antigos (Samuel e Fausto)?
Nenê: Então, a sequência certa é a seguinte: os três principais discos do Dance of Days foram gravados por Tyello, Marcelo, Júlio e eu. A gente mudou de baixista nos três discos, e o Fausto foi o baixista que ficou. O Samuel gravou vários outros discos e só saiu agora, depois dos EPs, e ele saiu antes de a banda acabar. A gente chegou a conversar com o Fausto, mas ele disse que queria fazer outras coisas da vida e não voltou. A história é simples.

Tyello: Todo mundo é amigo, não teve erro. Aí o Gutinho a gente achou na rua e trouxe pra banda.

Pois bem, Guto, como você se sente fazendo parte dessa nova fase do Dance of Days?
Guto: Toco com o Tyello há algum tempo numa banda de straght edge, o xESCUROx, e foi ele que me falou que [o Dance of Days] estava pra voltar e queria me apresentar pros caras. Eu não era próximo do Nenê, do Marcelo e do Júlio. Eu topei e no segundo ensaio já foi tudo acontecendo de um jeito maduro, num entrosamento legal. Eu sou o mais novo da banda, tenho 28 anos, mas todo mundo tava com um espírito mais novo do que eu (risos). E a composição aconteceu com todo mundo muito junto, uma atmosfera em que as músicas, a aproximação, a amizade, tudo foi surgindo de um jeito muito rápido.

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Nenê: E a amizade é o segredo de uma banda. Se qualquer coisa superar a amizade, vai dar bosta. E quando quisemos voltar com o Dance of Days, a primeira coisa que consideramos foi isso, que a gente tem que ser amigo primeiro. E se a banda não for unida não vai chegar em lugar nenhum.

Julio: O Dance of Days sempre teve os seus problemas, o Tyello teve os dele, eu tive os meus quando saí. Isso é natural. Mas a gente vai amadurecendo, e quando isso começa a mudar pro lado bom, as coisas começam a funcionar melhor. A proximidade, as conversas já não são mais esquentadas como eram quando você tinha seus 19 anos…

Tyello: Tudo isso se resume ao disco que a gente gravou. Todo mundo tá satisfeito com o disco e tudo isso fica evidente no disco. A galera que ouvir vai sacar que a gente tá numa puta vibe.

Guto: e é impossível você fazer tudo isso em cinco meses sem problemas no meio, mas a banda tá tão entrosada que isso não se tornou problema.

Então a gente pode esperar que o Amor-Fati vai ser tão substancial e significativo quanto o A Valsa das Águas Vivas ou o A História Não Tem Fim?
Nenê: Sim, esse com certeza é um disco histórico. Sem dúvida é um disco que tá ali pra entrar pras cabeças dos discos do Dance of Days.

Tyello: Eu tenho um carinho por todos os discos do Dance of Days. Mas esse eu tenho um carinho maior porque marca a minha volta, a volta do Júlio, né? Voltando do hiato do Dance. É o primeiro disco do Guto…

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Nenê: E é o primeiro álbum cheio que a gente faz depois de 2012. Porque depois do disco preto só teve EP, esse é o primeiro disco full.

Júlio, o que você estava fazendo quando os caras te chamaram pra tocar?
Júlio: Filho! (risos) Esses anos longe do rock eu fiz filho, constituí família e tal. Quando rolou o hiato eu fiquei chateado, porque senti que o trabalho tinha sido engavetado. Eu queria voltar a tocar, eu toquei com o Ludovic entre 2006 e 2007, depois saí do Ludovic e não toquei mais, desencanei do rock e as loucuras da minha cabeça começaram a seguir na direção de eu querer voltar. Daí coincidiu do Nenê me ligar e eu estar maluco em casa com um moleque preso no banheiro, o outro gritando na sala. Daí eu não aceitei de imediato. Porque quando eu saí do dance, eu tive minhas desavenças. Eu era um cara problemático, não era bonzinho. Tem gente que sabe e não gosta disso.

Tyello: Tanto que pra eu voltar pro Dance, eu conversei com o Marcelo e conversei com o Nenê. Falei “eu só volto se o Júlio estiver bem, porque o Júlio tem problema na cabeça” (risos). Ele sempre foi um moleque da zuera. Ele pesava na de todo mundo. Assim do jeito que você tá agora, ele ia te infernizar [eu usava um coque masculino]. Depois dos filhos, ele sossegou.

Julio: Eu causei demais, reconheço. Eu fiz muita coisa e grande parte eu não gostaria de ter feito. Baguncei a cabeça de algumas pessoas e não tenho orgulho disso. E saí por conta disso também. A minha saída foi boa pra banda e foi boa pra mim. Na época eu não conseguia, mas hoje eu consigo entender isso, a banda tinha que sobreviver sem mim, e eu tinha que sobreviver sem os caras que fizeram a minha história naquele momento. E quando rolou o chamado de voltar, eu fui conversar com os caras e revimos toda a história, de lá pra cá. Eu trouxe vários itens e a gente foi conversando e resolvendo um por um.

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Nenê: E também, o final do dance me fez repensar muito no que eu tinha feito. Comecei a pensar em todos os erros que eu cometi na história do Dance of Days, e tudo que eu podia ter feito de diferente para consertar o que não estava me agradando. Então, depois do hiato, a gente foi conversar e eu pensei “puta, vou começar a valorizar quem sempre esteve ali comigo e pensar diferente”. Tudo foi aprendizado.

Então foi uma DR mesmo?
Julio: Sim, acho que todos nós tivemos uma DR.

Tyello: Só o Marcelo é essa incógnita, ele não fala (risos) então, basicamente, quem conversou foi eu e o Júlio, eu e o Nenê, e o Marcelo era só “beleza, é nois!”.

O Marcelo foi quem passou melhor por todas essas turbulências né?
Marcelo: De tudo isso que aconteceu, eu não tive problema com o Júlio, não tive problema com o Tyello, não tive problema com o Nenê. Eu sou muito calmo mesmo (risos).

Tyello: É porque ele não fala! O segredo da vida é não falar, se você não fala, você não arruma briga.

Marcelo: Eu acompanhei as conversas tomando minha cerveja, tranquilo.

Julio [empolgado]: Pode crer! Foi exatamente isso que aconteceu. Eu pedi um suco, o Tyello pediu um café e o Marcelo pediu uma cerveja e ficou só acompanhando calado!

Marcelo: Não, eu fiquei esperto pra ver se não saía alguma agressão né. Mas é isso, não tive problema com ninguém, o Gutinho eu não conhecia, a gente já se conheceu, ele é legal e não vai ter problema comigo. Então, tranquilo…

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